Quis o acaso que, a acompanhar o fim da minha leitura deste livro acima, hoje de manhã, a televisão estivesse a transmitir uma daquelas reportagens sobre spas e hotéis de luxo, onde a oferta gastronómica se costuma caracterizar por um requinte que costuma ser mais visual do que olfactivo e gustativo. E fez-se-me a sinapse: livros como o que estava prestes a acabar de ler – Focos de Tensão, os choques geopolíticos que ameaçam o futuro da Europa – representam para a disciplina o mesmo que a nouvelle cuisine representa para a cozinha. O livro foi editado este mês (Maio/2015) e é mérito da editora D. Quixote que o tenha feito apenas três meses depois da publicação da versão original – Flashpoints, the emerging crisis in Europe. O autor, George Friedman, tem uma reputação constituída como fundador e CEO da Stratfor, uma empresa fundada em 1996 que se reclama a líder mundial em informações geopolíticas e globais. E quando se acaba de ler o livro não se consegue perder essa sensação de que o livro é mais uma obra de promoção da organização do que propriamente uma obra de autor. Numa linha de regularidade editorial – há mais dois livros do mesmo autor e do mesmo género - que a editora D. Quixote põe – e bem – à disposição dos leitores interessados por estes assuntos. Porém, como acontece com a nouvelle cuisine, o problema deste género de livros - que, confesso, duvido que tenham sido integralmente escritos por quem empresta o nome para a capa - é a substância do que nos é proposto, que não consegue ser camuflada com os equivalentes históricos e estratégicos das palavras ricas de pomposidade dos menus daquele género de cozinha como emulsionar, confitar, reduzir ou acamar.
Podem-se impressionar os leigos deslumbrados com umas generalidades sobre a História da Europa, mas os erros, sejam eles conceptuais ou factuais estão lá (exemplo: Em 5 de Maio de 1945, Adolf Hitler cometeu suicídio.- lê-se logo na primeira frase do 5º capítulo que começa na página 135. Ora em qualquer biografia se pode ler que Hitler se havia suicidado em 30 de Abril de 1945. Pela pessoa em causa, é um erro demasiado grosseiro de tolerar), e multiplicam-se a um tal ritmo que acabam por sabotar a credibilidade que possamos atribuir às análises geopolíticas sobre as regiões de tensão na Europa que nos são apresentadas. Mas a analogia da nouvelle géostratégie com a nouvelle cuisine não acabará aí. Como um prato exuberantemente agradável à vista mais do que saboroso, os cenários estratégicos ali destacados para o futuro tendem a enredar-se numa configuração destinada sobretudo a suscitar a concordância do leitor menos avisado, em detrimento da plausibilidade desses cenários. Não é em vão que, quando procuramos na bibliografia passada de Friedman, podemos encontrar uma preciosidade escrita em 1991 sob o título The Coming War with Japan - a que, compreensivelmente, ele não dá muito destaque. A segurança dos 25 anos entretanto decorridos permitem-nos dizer que, se o título era excelente (Friedman antecipava ali a importância da conflitualidade económica crescente entre os Estados Unidos e o Japão), a acurácia das previsões do que estaria para acontecer é que se vieram a revelar bastante menos conseguidas. Nisto de se querer ser profeta também não se pode abusar da sorte... Focos de Tensão é o livro ideal para se ler num fim de semana relaxante num spa - antes de um desses jantares de nouvelle cuisine...
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