Há uma cena que eu considero inesquecível no filme A Canção de Lisboa, quando o discurso oco e redondo de António Silva na cerimónia da Academia é interrompido por um comentário inconveniente de alguém da audiência, de imediato repreendido pelo entusiasta de serviço aos dichotes na e da assistência: - Oh senhor, haja respeito pela mesa! Mas a punchline da cena está guardada para uma das tias que, impermeável ao sentido metafórico da mesa, acrescenta de imediato: - ...e pelas cadeiras também! (veja-se o filme, lá por volta da1:04:00 de rodagem)
Porque me lembrei disto? Porque ontem se realizaram eleições no Reino Unido e os conservadores venceram-nas clara e surpreendentemente. E porque, de há cerca de decénio e meio para cá, tornou-se uma tradição que a imprensa pró-liberal, no dia seguinte aos actos eleitorais de que resultam vitórias à direita, avalie e publicite sempre positivamente as sessões de bolsa que se seguem, como se se tratasse de uma espécie de caução da (boa) escolha dos eleitores . É que ninguém está a ver – mesmo na improbabilidade de isso acontecer – publicitarem esse mesmo fenómeno quando de uma vitória à esquerda; pode ser dificílimo de acontecer mas será impossível aparecer noticiado. Abaixo fui buscar o cabeçalho à página da TVI24 de hoje, que não é particularmente mais tonta que outras que pululam por aí.
Já sou suficientemente veterano para ter visto isto a ser feito do outro lado do espectro político: ainda há uns dias recordei o cabeçalho do Diário de Notícias após as eleições de 25 de Abril de 1975 anunciando a vitória de uma Aliança Povo-MFA que não fora a votos. A distorção aqui é que as bolsas não aplaudem coisa nenhuma porque não pensam: vota tanto o presidente da Bolsa como votará a empregada de limpeza que limpa as instalações ao fim do dia (se o decidirem fazer), mas votam individualmente e o peso do seu voto é equivalente. Mas, diz-me a experiência, tanto a uns (comunistas) como a outros (liberais) é preferível ridicularizá-los do que levá-los a sério, socorrendo-nos para isso da mesma lógica tacanha que outrora foi a de uma das tias do Vasquinho: (As) Bolsas aplaudem (a) vitória dos conservadores no Reino Unido? ...e os Sapatos também!
De facto, é bem mais custoso escrever sobre "concordâncias".
ResponderEliminarTalvez daí os "like" nas redes sociais terem ganho tantos adeptos.
Mas há também aqueles que, perante a narrativa de desgraças, afixam lá o seu "like" equívoco, que nos deixam na dúvida se o que eles gostam é da desgraça expressa, ou da indignação implícita.
ResponderEliminarEsse "vocabulário automático" do polegar do "facebook" não é muito rico e, para piorar, a inteligência média e os conhecimentos de quem comenta também não estão à altura...
Aprecie-se abaixo:
https://www.facebook.com/antonio.quaresma/posts/10153286905563609?pnref=story