05 maio 2015

«NOTÍCIAS À POTENKINE»

Acompanhando sucessivos cabeçalhos do Jornal de Negócios do mês passado com notícias a respeito evolução das yields dos títulos da dívida pública portuguesa percebe-se o que é uma notícia à potenkine. Recorde-se quem foi Grigori Potenkin (1739-1791): favorito da czarina Catarina a Grande, ficou célebre pela forma como organizava as viagens oficiais da soberana, encenando para ela uma realidade inexistente. No caso das notícias acima, a realidade é, no mínimo, mais complexa do que a descrevem, existem títulos da dívida a prazos distintos (dois, cinco, dez anos) e a evolução natural das cotações é errática, tanto sobe quanto desce, embora haja períodos onde pode predominar uma tendência. Mas os títulos que foram escolhidos pelo jornal ao longo do mês (7, 9, 15, 20 de Abril), mesmo qualquer leigo se aperceberá, como são consistentes em pretender transmitir aos leitores uma tendência favorável – e só essa. Mas depois há os dias que são tão maus que se torna impossível manter o estratagema - como hoje aconteceu. Pela manhã, ainda se tentou desviar as atenções para o efeito em Atenas (primeira notícia do quadro abaixo), mas, pela hora de almoço o quadro da situação era tão mau (como se pode ver pelo gráfico da Blomberg que se lhe segue), com a yield da dívida portuguesa a subir 14% numa só sessão (assinalado a amarelo), que pela tarde lá teve que se publicar uma outra notícia dando a volta ao texto: os juros haviam disparado em toda a Europa. Que não restem dúvidas para onde pendem as simpatias do Jornal de Negócios, comparando estes dois blocos de notícias: quando as yields da dívida pública baixam, baixam em Portugal; e quando disparam, disparam em toda a Europa... Será que o jornalismo político merecerá o equívoco de ser designado por económico por aparecer num jornal que tem o título de negócios? Por outro lado, pergunto-me que destaque merecerá esta noticia nos telejornais de hoje?

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