11 maio 2015

TAMBÉM HÁ NOTÁRIOS DA ESQUERDA

Este é um texto que a minha experiência dos blogues me terá já ensinado que será um fracasso quando medido pelo número de leitores: é demasiado extenso. Começa por este preâmbulo, insiro um (excelente) texto de opinião (algo que raramente faço) que foi publicado no Público do passado dia 8, que é indispensável ler atentamente porque o meu propósito é comentá-lo. E o comentário a tal texto será necessariamente proporcional, o que esticará o conjunto para uma extensão que os leitores internáuticos não costumam apreciar. Só espero que a minha réplica, apesar de contraditória, seja merecedora do texto de António Guerreiro.
Há quem o tenha descrito aprovadoramente como um texto de grande crueza e dureza. E qualificado aqueles que são o seu objecto dessa dureza de reconvertidos. Mas é melhor eu explicar-me sem me adiantar demasiado: se bem entendi, haverá para o autor uma questão das convicções ideológicas dos antigos esquerdistas, os renegados da extrema-esquerda, que tenderão naturalmente a evoluir (não é a apostasia que deve ser criticada, lê-se a determinado passo), e haverá uma outra questão de carácter que só alguns que a cometem, à apostasia, são culpados: filisteus, orgulhosos de o serem, conformados aos mesmos estereótipos, abusando da invocação da ética como sucedâneo de uma ideologia. Estranhamente, como diria um outro famoso apóstata, Vital Moreira, estas últimas antipáticas características só incidem, na opinião do autor, sobre os apóstatas que fizeram acentuadas viragens à direita. Os que fizeram viragens não tão acentuadas e nem chegaram à direita (quiçá o próprio Vital Moreira acima citado) estarão isentos delas, nem sequer acumularão o que há de pior de um lado e de outro (direita e esquerda, deduz-se). Descobre-se também para contraste, entre esses apóstatas que (se) viraram de forma menos acentuada, como há entre eles pessoas (estou-me a lembrar, por exemplo, de Pina Moura), que têm uma outra concepção, não abusiva e não invasiva, da ética, recorde-se aquela sua famosa frase de 2006: a ética da República é a ética da Lei... A um e outro (Vital Moreira e Pina Moura), vindos ambos da extrema esquerda comunista ortodoxa para uma esquerda socialista que lhe estará adjacente (pela disposição clássica do espectro político), não se aplicarão decerto as características que António Guerreiro atribui aos outros apóstatas: há uma coisa de que não se libertam: as suas estruturas mentais e os seus métodos... A sério? Olhe que não, olhe que não, para citar Álvaro Cunhal no seu célebre frente-a-frente televisivo com Mário Soares em Novembro de 1975. 
 
Deixando-nos de ironias, parece perpetuada na sociedade portuguesa a ideia que, recuando no passado, especialmente até ao período do PREC, terá existido uma fase da vida (de quase todos os portugueses que tenham mais do que uma certa idade e preocupações intelectuais) em que terá sido quase obrigatório ter-se sido esquerdista (e por esquerdista entenda-se ter militado em organizações para lá do PS). Porque a epidemia terá atacado todos, existirá uma espécie de absolvição social para a conduta desses tempos – como mais acima se lê: não são as apostasias que devem ser criticadas. Ora o pressuposto nem sequer é verdadeiro: mesmo nas eleições realizadas no auge do PREC (em Abril de 1975) foram menos de 25% os portugueses que votaram em formações comunistas, para-comunistas, ou filo-comunistas. Não é verdade que tenhamos sido todos ou quase todos comunistas ou andado lá perto. É por isso que uma pergunta, que tem tanta piada mas é inócua quando feita a propósito do 25 de Abril (a do Baptista-Bastos), tem pertinência mas perde a piada quanto colocada a respeito do momento verdadeiramente fundador do regime em que agora vivemos: Onde é que tu – de que lado – estavas no 25 de Novembro?... Mas o que deveras me levou a escrever este alongado texto, e não esquecendo os anticorpos que muitos dos ex-esquerdistas acima descritos desencadeiam (e há que dizer que eu concordo com quase tudo do que está escrito no texto de António Guerreiro, o que eu estranho é o que lá não está explícito, acabando por sugerir aquilo que, se calhar, não seria intenção do autor), é o que parece ser uma correspondência biunívoca entre maus os traços de carácter e ex-esquerdistas que fizeram acentuadas viragens à direita. Não haverá quem tenha feito uma dessas acentuadas viragens à direita sem possuir os vícios descritos e/ou não haverá quem os tenha preservado a estes últimos (os vícios) e tenha feito, pelo contrário, um salto (mas) metafórico (em 1990 ou 1991) sobre o Muro de Berlim?

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