14 maio 2015

AQUILO QUE ASSEGURA VERDADEIRAMENTE A SOBREVIVÊNCIA DE UM JORNAL ou AS LIÇÕES NÃO ESQUECIDAS DE JEAN LUCHAIRE

Jean Luchaire (1901-1946) foi um jornalista francês, uma das figuras marcantes da imprensa francesa, nomeadamente durante o período da Ocupação alemã (1940-44) e que, por causa desse seu colaboracionismo, veio a ser julgado (acima), condenado e executado (fuzilado) em Fevereiro de 1946. Ainda nem sequer completara 45 anos. Luchaire teve um percurso político de esquerda, engajado no Cartel das Esquerdas, aliança que concorreu vencedora às eleições de 1924, militante depois do Partido Radical. Desde 1927, tornou-se director da revista mensal (depois semanal) Notre Temps. A linha editorial da revista era de uma acentuada tendência favorável à reaproximação franco-alemã,...
 ...que então também a política externa assumida pelo Cartel das Esquerdas. Durante esses anos de governos efémeros como eram tradicionais na III República francesa, a pasta dos Negócios Estrangeiros conseguiu estar entregue por seis anos quase ininterruptos (1925 a 1932) a Aristide Briand (1862-1932), um peso pesado do Cartel, que considerava que aquela aproximação era indispensável à existência de um clima de paz estável na Europa. Como director da publicação, Jean Luchaire tornara-se um seu discípulo, beneficiando de uma grande lição de jornalismo, aprendida enquanto assim permaneceu: que a influência de um jornal não se mede tanto pelo número dos leitores...
...quanto pela importância dos fundos especiais que o financiam. Eram estes últimos – no caso os fornecidos ou induzidos pelo Quai d’Orsay¹ – que asseguraram a sobrevivência da revista até 1934, quando houve uma grande dissidência entre os colaboradores da revista². Especula-se que, com a chegada dos nazis ao poder em Berlim em 1933, surgiram outras fontes de financiamento mas que exigiam rectificações na linha editorial. A revista foi suspensa em 1939. Tornou a reaparecer em 1940, depois da derrota francesa, agora com o nome de Les Nouveaux Temps e em formato de jornal diário. Em Janeiro de 1943, tinha uma tiragem diária de 57.000 exemplares (a circulação actual do semanário Sol)...
...e perdia mais de 400 mil francos por mês. Continuou a sua publicação até Agosto de 1944, quando da libertação de Paris. Não será coisa bonita de se confessar, mas a sobrevivência de Jean Luchaire é demonstrativa do quanto ele aprendeu a lição, uma lição que ainda hoje permanece válida entre nós, que creio poder ser consubstanciada por directores consagrados do nosso jornalismo como José António Saraiva (no Sol) ou, mais recentemente, num novo formato e numa nova geração, por David Dinis no Observador. Alguém que me lê me pode esclarecer de qual é a quota-parte da receita gerada pelos leitores para a sustentação financeira de um jornal?...
¹ Sinónimo do ministério dos Negócios Estrangeiros francês.
² A ascensão ao poder de Hitler na Alemanha (1933) parecia demonstrar a esses pacifistas (entre os quais se contavam Pierre Mendès France ou Maurice Schumann) que a amizade franco-alemã estaria a passar de moda.

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