Alguém me sugeriu que, para que se pudesse analisar os países neutrais durante o período da Segunda Guerra Mundial com mais alguma profundidade, aqui inserisse algumas histórias de outros países para que o que aconteceu em Portugal, tantas vezes condenado, fosse visto numa perspectiva mais fundamentada. E é assim que me disponho a contar (naquele formato obrigatoriamente reduzido de um poste) o Caso Dänicker. Aconteceu na Suíça e envolveu um conjunto de manobras políticas entre as altas patentes militares locais. O coronel Gustav Dänicker (1896-1947) era, quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial, um dos mais promissores oficiais do exército suíço. Comandava a Escola Prática de Artilharia em Walenstadt, funções que acumulava com uma cátedra de Ciências Militares na Universidade de Basileia. Um militar de reputação impecável com o único senão das suas conhecidas simpatias germanófilas – mas que incluíam um assisado e prudente distanciamento das formações políticas suíças pró-nazis. Logo após a derrota francesa a Ocidente em Junho de 1940 e da assinatura do Armistício, o Comandante-Chefe do exército suíço Henri Guisan (1874-1960, foto acima) proferiu um discurso diante de uma assembleia de oficiais reafirmando o compromisso da confederação em continuar a defender a sua conhecida neutralidade histórica (Rütlischwur) apesar da alteração das circunstâncias. As tendências pró-germânicas do coronel Dänicker – e possivelmente algum incentivo de Berlim – levaram-no a endereçar uma carta ao Comandante-Chefe informando-o que não acreditava nem no seu programa nem na sua capacidade para conduzir o país. A resposta de Guisan foi igualmente privada: satisfar-se-ia com a confiança pública do coronel.
Na Primavera de 1941, os alemães arranjaram um programa para que o coronel Dänicker visitasse o seu país de onde ele regressou mais convicto que nunca que a melhor conduta para a Suíça seria um reposicionamento mais conforme os interesses alemães. Num memorando que cuidadosamente redigiu em Maio de 1941, cinco dias depois do seu retorno, endereçado dessa vez às altas patentes militares mas também às figuras do topo da administração, ele defendeu que evitando resistir ao inevitável, a Confederação Helvética ainda poderia evitar a integração forçada na Ordem Nova europeia que surgiria com a vitória alemã. Porém, em vez de defender um pronunciamento militar ou uma Marcha sobre Berna (ao jeito da do fascismo italiano), o coronel Dänicker acabava por delegar ingenuamente em Ernst Hoffmann (1912-1986), o líder do maior partido nazi (o Nationale Bewegung der Schweiz), a tarefa de o transformar num poderoso movimento de massas que compelisse a actuação do governo federal nessa direcção (num jeito semelhante àquilo que Konrad Henlein fizera com o seu Sudetendeutsch Partei nos Sudetas checos até à sua anexação em 1938).
Convém explicar que Henri Guisan era suíço francófono (ao contrário de Dänicker que era de origem germânica), mas que também era militante da Schweizerischer Väterländischer Verband (traduzível por Federação Patriótica Suíça), uma organização de uma direita musculada, senão mesmo fascista. Haverá por isso muito pouco de ideológico e muito mais de pessoal e cultural a separar os dois homens, Guisan e Dänicker. Mas Guisan dessa vez, ao segundo desafio, resolveu contramanobrar e tornar conhecido da imprensa o memorando que recebera de Dänicker, para que houvesse um contar de espingardas que ele acreditava que se lhe iria revelar favorável. Dois dos seus comandantes de corpo assim como algumas patentes elevadas da aviação militar mostraram simpatias pelas posições de Dänicker. Mas o resto estava consigo. A posição de Guisan, embora mais perigosa a curto prazo, era muito mais bem acolhida pela opinião pública suíça (e o exército suíço é um exército de cidadãos), porque preconizava um país mais distanciado do conflito, um aspecto que ainda mais se veio reforçar quando, no mês seguinte a estes acontecimentos, a Alemanha desencadeou a Operação Barbarrosa (a invasão da União Soviética) e a guerra veio a envolver quase toda a Europa. Mas a reacção de Guisan à ameaça representada pela interferência alemã não teve nada da justiça poética do cumprimento de um desejo formulado pela maioria da população suíça: em primeiro lugar pôs os recursos do exército suíço ao serviço de um aparelho de propaganda em prol da preservação da neutralidade que defendia; havia sessões de propaganda para contrariar as dos nazis; em segundo lugar, a polícia e os serviços de informações militares acentuaram o seu controle (e infiltração) em cima das organizações de extrema-direita e pró-alemãs (note-se este último pormenor porque a SVV a que Guisan pertencia continuou a existir mesmo depois de 1945...); em Junho de 1941, 131 conhecidos nazis suíços foram presos; em terceiro lugar, os oficiais generais que haviam mostrado simpatias pelas posições de Dänicker, como o general Ulrich Wille Junior (1877-1959) foram afastados dos seus postos; e em último lugar, o próprio coronel que dá o nome ao caso, além de afastado, acabou ominosamente – estamos na Suíça! – condenado a 15 dias de detenção. A manobra alemã para, por dentro, fazer da Suíça uma aliada como o eram a Hungria, a Roménia, a Eslováquia ou a Bulgária, fracassara. Mas cadê as liberdades democráticas?...
Na Primavera de 1941, os alemães arranjaram um programa para que o coronel Dänicker visitasse o seu país de onde ele regressou mais convicto que nunca que a melhor conduta para a Suíça seria um reposicionamento mais conforme os interesses alemães. Num memorando que cuidadosamente redigiu em Maio de 1941, cinco dias depois do seu retorno, endereçado dessa vez às altas patentes militares mas também às figuras do topo da administração, ele defendeu que evitando resistir ao inevitável, a Confederação Helvética ainda poderia evitar a integração forçada na Ordem Nova europeia que surgiria com a vitória alemã. Porém, em vez de defender um pronunciamento militar ou uma Marcha sobre Berna (ao jeito da do fascismo italiano), o coronel Dänicker acabava por delegar ingenuamente em Ernst Hoffmann (1912-1986), o líder do maior partido nazi (o Nationale Bewegung der Schweiz), a tarefa de o transformar num poderoso movimento de massas que compelisse a actuação do governo federal nessa direcção (num jeito semelhante àquilo que Konrad Henlein fizera com o seu Sudetendeutsch Partei nos Sudetas checos até à sua anexação em 1938).
Convém explicar que Henri Guisan era suíço francófono (ao contrário de Dänicker que era de origem germânica), mas que também era militante da Schweizerischer Väterländischer Verband (traduzível por Federação Patriótica Suíça), uma organização de uma direita musculada, senão mesmo fascista. Haverá por isso muito pouco de ideológico e muito mais de pessoal e cultural a separar os dois homens, Guisan e Dänicker. Mas Guisan dessa vez, ao segundo desafio, resolveu contramanobrar e tornar conhecido da imprensa o memorando que recebera de Dänicker, para que houvesse um contar de espingardas que ele acreditava que se lhe iria revelar favorável. Dois dos seus comandantes de corpo assim como algumas patentes elevadas da aviação militar mostraram simpatias pelas posições de Dänicker. Mas o resto estava consigo. A posição de Guisan, embora mais perigosa a curto prazo, era muito mais bem acolhida pela opinião pública suíça (e o exército suíço é um exército de cidadãos), porque preconizava um país mais distanciado do conflito, um aspecto que ainda mais se veio reforçar quando, no mês seguinte a estes acontecimentos, a Alemanha desencadeou a Operação Barbarrosa (a invasão da União Soviética) e a guerra veio a envolver quase toda a Europa. Mas a reacção de Guisan à ameaça representada pela interferência alemã não teve nada da justiça poética do cumprimento de um desejo formulado pela maioria da população suíça: em primeiro lugar pôs os recursos do exército suíço ao serviço de um aparelho de propaganda em prol da preservação da neutralidade que defendia; havia sessões de propaganda para contrariar as dos nazis; em segundo lugar, a polícia e os serviços de informações militares acentuaram o seu controle (e infiltração) em cima das organizações de extrema-direita e pró-alemãs (note-se este último pormenor porque a SVV a que Guisan pertencia continuou a existir mesmo depois de 1945...); em Junho de 1941, 131 conhecidos nazis suíços foram presos; em terceiro lugar, os oficiais generais que haviam mostrado simpatias pelas posições de Dänicker, como o general Ulrich Wille Junior (1877-1959) foram afastados dos seus postos; e em último lugar, o próprio coronel que dá o nome ao caso, além de afastado, acabou ominosamente – estamos na Suíça! – condenado a 15 dias de detenção. A manobra alemã para, por dentro, fazer da Suíça uma aliada como o eram a Hungria, a Roménia, a Eslováquia ou a Bulgária, fracassara. Mas cadê as liberdades democráticas?...
Para quem conheça a realidade portuguesa, tudo o que acima se descreve, salvaguardadas pequenas adaptações, bem se poderia ter passado se os alemães tivessem estimulado uma figura de proa do Estado Novo conhecida pela sua germanofilia, como por exemplo o coronel Santos Costa (1899-1982), ministro do Exército, e ele se tivesse disposto a aceitar o estímulo. O desfecho, suspeito, não deveria ter sido muito diferente do que aconteceu na Suíça, com a prevalência do status quo (e de Salazar). Na Suíça, mesmo sabendo-se quanto os valores desses anos podem ser equívocos, veio a transformar-se Henri Guisan exageradamente no herói que preservou a neutralidade suíça (acima), esquecendo o resto. Em Portugal, sobre Salazar e quanto a esse mesmo assunto, o exagero é para o lado contrário, incluindo até quem tem outras obrigações por ter a pretensão de estar a falar de cátedra.
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