Na Primavera de há cem anos, em plena Primeira Guerra Mundial, a 4ª Repartição do Estado Maior do Exército francês caminhava a passos largos para uma das suas maiores crises. Gabinete encarregue dos reabastecimentos e já a braços com uma crise de munições, onde a produção industrial na retaguarda se revelara incapaz de acompanhar o consumo dos exércitos em operações (e que no Reino Unido iria provocar uma crise política), os responsáveis militares confrontavam-se, angustiados, com cenários de uma derrocada...
...colectiva da moral do exército francês: as perspectivas para a vindima que iriam ter lugar esse ano (1915) eram verdadeiramente catastróficas. E o que seria do Exército francês sem vinho?... Os resultados do Outono desse ano, após a realização da vindima, confirmariam esse mesmo cenário desolador quanto às disponibilidades do pinard. Pinard é uma palavra do calão francês que se equiparará ao sinónimo de um certo género de vinho característico (carrascão?) e que não tem uma tradução razoável para português. Uma boa tentativa seria tintol, mas falta-lhe a...
...esta nossa última palavra aquela carga emocional da bebida identificativa dos soldados da frente de combate (conhecidos por poilus – os peludos). Foi uma bebida que veio a ser progressivamente adulterada nos meses que se seguiram pelas razões que abaixo se explicarão. Regressemos por isso à situação do Outono de 1915, aos números que a Intendência não podia iludir: a produção francesa fora de apenas 18,1 milhões de hectolitros (hl), a que se podia adicionar a produção argelina de 5,1 milhões de hl. Num ano regular de antes da guerra e para referência...
... a produção havia-se situado entre 50 a 60 milhões de hectolitros. As reservas das produções dos anos anteriores entretanto acumuladas estavam calculadas em 7,3 milhões de hl. Seria com esse total de 30,5 milhões de hl, mais as eventuais importações que se fizessem, que se devia fazer face ao ciclo anual até às vindimas de 1916. Quanto ao consumo militar (prioritário!) e partindo de um valor médio por soldado de 0,5 litros por dia (!), sobre uma base de 2.800.000 homens mobilizados obter-se-ia um consumo estimado anual de 5,1 milhões de hectolitros.
O problema é que isso iria deixar apenas 25,4 milhões de hectolitros para os restantes 35 milhões de franceses, o que corresponderia a uma capitação de 0,2 litros/dia, dose problemática para um país onde ele fora em 1914 de 0,47 litros/dia. Os civis franceses ter-se-iam que resignar e reduzir o seu consumo em mais de metade daquilo a que estavam habituados. A não ser... uma outra forma de contornar o problema (e que foi naturalmente privilegiada) foi a de ir alterando a qualidade da produção: a graduação alcoólica dos vinhos que a intendência militar...
...conseguia adquirir foi baixando consecutivamente, de 9º nos princípios do ano, passara a 8,5º em Abril, 8º em Julho, atingira os 7,5º e mesmo os 7º nos finais de Agosto. Cabeças mais imaginativas haviam tentado até uma experiência com duas divisões do 6º Exército onde foi servida durante uma semana uma beberagem que era composta de ¾ de vinho tinto do Midi e de ¼ de cidra, rejeitada fragorosamente pela esmagadora maioria dos 40.000 soldados voluntariamente testados... Terá sido a sua escassez que deu o carisma ao pinard e o tornou tão desejado?...
Foi um ano dificílimo para o esforço de guerra francês, para uma componente da logística (e da moral) dos exércitos que se tornou hoje tão desdenhado, mas que na altura o próprio general Pétain avaliava: Com as noites frescas existentes em qualquer estação e no momento em que são necessários grandes esforços para o prosseguimento das operações, o álcool, tomado na fraca (?) dose constituída pela ração individual regulamentar, é um estimulante indispensável. Ou como o poilu do desenho abaixo se apressa a esclarecer o tenente: - Não aconteceu nada, meu tenente. O pinard está a salvo.
Muito bom, mesmo! Meio litro de vinho era, de facto, uma fraca dose...
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