31 de Dezembro de 1921, «para fechar 1921» e às «5 horas da tarde», o Diário de Lisboa sentia-se com a confiança de informar «duma maneira optimista» os seus leitores que «o governo Cunha Leal não cairia» ainda mesmo antes da «conferencia que o sr presidente do ministério» teria «com o chefe de Estado». Por muito que a esquerda republicana socialista o tenha tentado nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, por óbvias razões políticas, não há exercício possível que consiga transformar estes anos da 1ª República (1910-1926) numa outra coisa senão numa anomalia continuada.
31 dezembro 2021
30 dezembro 2021
O REAPARECIMENTO DE NATÁLIA DE ANDRADE
Em 30 de Dezembro de 1971, quando esta pequena notícia apareceu publicada numa página do Diário de Lisboa, o estilo absurdamente exagerado que rodeava a artista - «...delicada operação...», «...chegou a temer-se pela sua vista...» - já lá está consagrado, mas praticamente ninguém sabia quem era Natália de Andrade, muito menos que ela desaparecera para agora reaparecer. Hoje há, proporcional e infelizmente, depois de uma inesquecível actuação televisiva (abaixo), muito mais gente a saber quem foi Natália de Andrade.
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(NÃO) FEZ SENTIDO...
30 de Dezembro de 1971. Lembro-me perfeitamente da atenção que foi dispensada a esta experiência pioneira, patrocinada pelo município de Roma: nove dias em que os transportes públicos da capital italiana eram gratuitos, para ver se assim se desanuviariam os seus proverbiais engarrafamentos de trânsito. Muito embora a expressão italiana «fare il portoghese» (à letra, fazer-se de português = sacar uma borla) seja de indiscutível origem romana, descobriu-se com esta operação promocional que, passar-se por português, só terá piada para os romanos genuínos se a borla não se revestir de um carácter institucional, se nem todos se puderem passar por portugueses. A experiência, que teria tido um custo apreciável nas finanças municipais se implementada, veio a revelar-se um tremendo fiasco: à excepção das notícias da época, não encontrei outras referências a ela na internet. A gratuitidade dos transportes públicos não incentivava um significativo número de pessoas a prescindir de usar o seu automóvel quando das suas deslocações dentro da cidade.
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29 dezembro 2021
28 dezembro 2021
HÁ DUAS MANEIRAS DE AVALIAR AS MAIS RECENTES DECLARAÇÕES DE ANTÓNIO COSTA
A primeira delas será considerá-las pelo seu conteúdo. Não só vem animar muito a comunicação social e a pré-campanha, como a partir do que ele disse poder-se-á especular múltiplos e interessantes cenários políticos a partir de 31 de Janeiro de 2022, dia seguinte às eleições. A outra maneira de avaliar aquelas declarações é a de reservar a hipótese de que, chegada a noite das eleições, tudo o que fora anteriormente dito por Costa venha a ter uma «taxa de execução» comparável à do programa Ferrovia 2020 (os 12,2% mencionados mais abaixo são uma avaliação feita em Maio de 2021). Eu gosto mais desta última versão, porque, em primeiro lugar, a credibilidade de António Costa já se desgastou com os anos de governação, e, em segundo lugar, reconheça-se que isso - o facto de Costa não ser sempre para levar a sério - nos abre muitos mais cenários especulativos, o que é sempre bom para a indústria do cometário político. A Ferrovia 2020 é aqui empregue apenas como um dos aspectos mais caricaturais de um estilo muito de António Costa, o de prometer-mais-qualquer-coisa-mas-não-se-fazer-nada-do-que-se-promete que se tem estado a tornar a imagem de marca destes últimos anos de governo socialista.
AS DUAS MANEIRAS DISTINTAS DE PRONUNCIAR ABRIL
Reconheça-se que a palavra Abril adquiriu dois significados distintos na língua portuguesa, conforme a forma como se pronuncia. Pronunciado de maneira normal é um dos doze meses do ano. Pronunciado enfaticamente, de boca cheia, adquire todo um outro significado, uma proclamação, um programa. Programa esse que não está completo se não meter Vasco Lourenço, o capitão de Abril (pronunciar na ocasião enfaticamente e de boca cheia). Por isso, quando se soube este mês que o general Eanes havia renunciado às suas funções honoríficas de presidir às comemorações do cinquentenário do 25 de Abril e que Marcelo acolhera com «solidariedade» essa intenção, não foi nada estranho que uma cirúrgica fuga para o Expresso atribuísse a decisão às (más) relações entre o antigo presidente da República e o eterno presidente da associação 25 de Abril. Confesso-vos que me pareceu ser oportuna demais aquela fuga jornalística; e que a pessoa do causador da crise tivesse sido muito bem escolhida: Vasco Lourenço é alguém que anda há 40 anos a delapidar o pouco prestígio que adquirira em protestos de insatisfação e promessas consecutivas de novas revoltas militares (veja-se mais abaixo um artigo precisamente de 28 de Dezembro de 1981!). Estou convencido que, se fosse ele, Vasco Lourenço e a rapaziada que o segunda na associação 25 de Abril, a verdadeira causa do incómodo de Eanes, o problema teria uma não muito difícil resolução. Aquilo que eu desconfio é que as causas para a demissão de Eanes terão de ser muito mais complexas do que os humores de um velho tenente-coronel reformado (Lourenço), conhecido pela sua tradicional incontinência verbal. E pela falta de consequências dessa incontinência - quantas ameaças de golpe de estado ele já prometeu nestes últimos quarenta anos. Falando a sério, em todas as notícias que acompanharam a demissão de Eanes e a explicaram pelo conflito com Vasco Lourenço, ninguém ventilou sequer como têm evoluído o trabalho do comissário executivo, Pedro Adão e Silva, que foi nomeado há sete meses no meio de uma grande polémica quanto à escolha da sua pessoa. E eu, nestas coisas, tenho aprendido que é sempre melhor descartar aquilo que faz mais barulho (a referência a Lourenço), para me concentrar no que aparece envolto em silêncio (o que tem feito até agora Adão e Silva?)...
27 dezembro 2021
NOTÍCIAS DE HÁ SESSENTA ANOS SOBRE A MESMA TAP QUE HOJE TANTO APOQUENTA O MINISTRO PEDRO NUNO SANTOS
Na edição de 27 de Dezembro de 1961, aparecia esta notícia, do aumento do capital social da transportadora aérea e do aparecimento da possibilidade estatutária da entrada de accionistas estrangeiros. É uma daquelas coincidências engraçadas.
26 dezembro 2021
A PRIMEIRA VOLTA DAS PRIMEIRAS ELEIÇÕES ARGELINAS LIVRES
26 de Dezembro de 1991. Ao mesmo tempo que ocorria o fim do fim da União Soviética, os ideais vencedores da democracia, que haviam derrotado os do comunismo, preparavam-se para sofrer um rude golpe. Nesse mesmo dia, os resultados da primeira volta das primeiras eleições legislativas livres que ocorriam na Argélia, depois de quase 30 anos de independência, davam uma impressionante maioria à formação política islâmica, a Frente Islâmica de Salvação (FIS), com 47,3%. dos votos Em função destes resultados e considerando que o sistema eleitoral adoptado fora o de círculos eleitorais uninominais, com disputas eleitorais a duas voltas caso necessário (à semelhança do processo empregue em França), perspectivava-se uma esmagadora maioria da Frente Islâmica de Salvação na composição da futura Assembleia, depois da realização da segunda volta das eleições, marcada para dali a três semanas (16 de Janeiro de 1992). Ou seja, quando convocados a exprimirem-se por uma primeira vez pelos verdadeiros processos democráticos, os argelinos optavam maioritariamente por uma formação política que não garantiria a sua manutenção, caso alcançassem o poder. Como não era bem isso que os promotores das eleições estavam à espera, já não houve segunda volta. E, por esta vez, os grandes paladinos da promoção da democracia, o denominado Ocidente que acabara de ganhar a Guerra-Fria, com a França como antiga potência colonizadora em lugar de destaque em toda essa hipocrisia, não se mostraram particularmente indignados com o cancelamento da manifestação da vontade popular. Tornara-se evidente que, na Argélia e provavelmente em vários outros países do Terceiro Mundo, a expressão da vontade popular não era para ser considerado um valor absoluto.
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O FIM DO FIM DA UNIÃO SOVIÉTICA
26 de Dezembro de 1991. O fim do fim da União Soviética: a bandeira vermelha foi arriada e não voltou a aparecer no mastro do Kremlin.
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25 dezembro 2021
PRENDAS DE NATAL 71
25 de Dezembro de 1971. Há uma época da infância em que as prendas são suficientemente importantes para as recordarmos.
24 dezembro 2021
ESTREIA MUNDIAL DA ÓPERA AIDA
24 de Dezembro de 1871. Estreia mundial da ópera Aida de Verdi. Para além da imensa popularidade que a ópera veio a adquirir, é relevante assinalar que esta estreia também teve lugar fora da Europa, mais precisamente no Cairo.
OS ANOS INOCENTES DO NATAL DOS HOSPITAIS
24 de Dezembro de 1946. Como se percebe pela notícia abaixo, já há 75 anos havia a festa do Natal dos Hospitais. Desde sempre promovido pelo Diário de Notícias, realizava-se era em moldes diferentes, e não apenas por causa dos aspectos técnicos das transmissões radiofónicas e televisivas, repare-se pela leitura mais atenta do que se escrevia no Diário de Lisboa como escasseavam no texto as referências pelo nome às inúmeras individualidades que se haviam associado à iniciativa. Descontado o subsecretário de Estado da Assistência, o director de um serviço de oftalmologia de um dos hospitais e a três enfermeiras que haviam «colaborado na organização da festa», mais ninguém aparece nomeado. Aparentemente, a notícia da festa, que se desdobrava pelos vários hospitais de Lisboa concentrava-se no bem estar dos doentes. Os artistas aparecem no princípio do artigo e são «quinhentos». E é só. Mas, nos meus tempos de infância, já se tornara obrigatório lá aparecerem, porque eram eles que dominavam as atenções do evento, em disputas que se adivinhavam, mais do que se sabiam, sobre a ordem de entrada no palco. Nos dias que correm, perdido até esse pudor e para que se perceba como se terá tornado o ambiente, a Joana Marques outro dia apresentou um dos seus programas sob o título «Natal dos Hospitais sem Leandro». (Leandro notabilizou-se por se ter recusado a actuar no Natal dos Hospitais, por discordar da hora que lhe coubera para aparecer...)
23 dezembro 2021
OS SONSOS QUE PRETENDEM EVITAR DISCUTIR O SEU PRÓPRIO PROBLEMA
Este texto (que foi publicado hoje, acima, à esquerda), em que os seus autores se querem fazer passar por reflexivos - Porque falham as sondagens? - é um disparate tremendo e, mais do que isso, uma habilidade (falhada...) de alguns jornalistas, pretendendo iludir a natureza do problema sobre o qual se questionam. A verdade prosaica é que o problema de fundo não são as sondagens, essas falham, sempre falharam, e vão continuar a falhar, dada a natureza do processo estatístico. Mas aquilo que se pergunta ali "porque falha" é uma outra coisa, é o tratamento jornalístico que esses mesmos jornalistas normalmente depois dão aos dados recolhidos. Quando concluem aquilo que não se pode/deve concluir por necessidades de edição - quando tudo aquilo que deveria ser condicional se torna em definitivo, sem que ninguém cientificamente habilitado o tivesse comprovado. Acima vemos o mesmo jornal Novo e o mesmo jornalista Pedro Correia que hoje se mostram tão dispostos à reflexão, a dar as eleições municipais para Lisboa por decididas alguns meses antes de elas se virem a realizar - Moedas no Bolso; Medina absoluto em Lisboa. Na realidade foi o que se sabe. Mas a pergunta, pertinente é a de saber Porque se decidiram eles a afixar aquele título tão decisivo, quando se estava (na altura) a (cinco) meses das eleições? Quiseram arriscar, e hoje podem orgulhar-se de uma capa que é um exemplar orgulhoso do fiasco jornalístico. Mas não me venham dizer, com uma falsa ingenuidade, que só agora é que descobriram que as sondagens falham...
A TALUDA DO NATAL
23 de Dezembro. Quando o calendário é conveniente, a antevéspera do Natal é o dia provavelmente mais propício para a extracção da taluda do Natal. Acima damos conta das notícias dos números premiados nas Lotarias de Natal de 1921, 1931 e 1971 (da esquerda para a direita). Assinale-se, como curiosidade, como o valor correspondente ao primeiro prémio se veio a multiplicar: 600 contos (600.000 escudos) em 1921, 6.000 contos em 1931 e 60.000 contos em 1971.
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22 dezembro 2021
NATAL 71 – OPERAÇÃO PRESENÇA
O texto que se segue é uma republicação alterada de outro que eu aqui publicara nesta mesma quadra de 2009
Se é verdade que, em geral, os acontecimentos nas três guerras de África (1961-74) andavam ausentes do quotidiano noticioso em Portugal, com poucas excepções, uma das quais eram as cerimónias do 10 de Junho no Terreiro do Paço, com a tradicional imposição das condecorações, venho aqui evocar uma dessas excepções, a do Natal de 1971, quando, a propósito da edição de um disco de Natal para distribuir aos soldados que estavam em África (acima), a RTP se fartou de exibir durante a quadra natalícia uma reportagem com as imagens das intervenções dos artistas que haviam colaborado no disco. Seria aquilo que, com imaginação, poderíamos designar como uma espécie de antepassado do videoclip…
O disco fora uma iniciativa do movimento nacional feminino (m.n.f.), a organização do regime que estava encarregue da animação do esforço de guerra. Na terminologia da época, que estava muito influenciada por termos militares, o evento – como hoje seria apresentado... – fora baptizado como uma operação: a Operação Presença. Pode ver-se o nome dos artistas participantes na dita operação nas duas etiquetas dos dois lados do disco: Hermínia Silva, Eusébio, Joaquim Agostinho, Maria de Lurdes Modesto, Tomás Tembe, Florbela Queiroz, Armando Cortez e Francisco Nicholson, Paulo Machado e Amália Rodrigues; Inspector Varatojo, Elsa Gomes, Coro e Orquestra típica do Radio Clube de Moçambique, Parodiantes de Lisboa, Cilinha (Cecília Supico Pinto, a dirigente do m.n.f.) e o ministro da Defesa e Exército, Horácio de Sá Viana Rebelo.
Havia a animação cultural do que os autores projectavam que seria popular mas, no fim, lá aparecia a mensagem ideológica. Em penúltimo lugar aparecia Cecília Supico Pinto (que insistia em se promover pela alcunha enganadoramente íntima de Cilinha), que era o equivalente de então de uma "tia queque de Cascais", naquele modelo "muito voluntarioso e abnegado", assemelhando-se em mais do que um aspecto à Isabel Jonet; começa a sua intervenção com um «Santo Natal!» endereçado aos «rapazes!», mas surpreende depois quem ouve o disco com uma interpretação de um fado que não me parece nada má para uma amadora. O último trecho é, naturalmente, o discurso (chato) do ministro Sá Viana Rebelo que terminava proclamando que o futuro haveria de demonstrar que «tinha valido a pena»… E claro que hoje é óbvio que não valeu a pena…
Ignorado de todos os que produziram e ouviam então o disco, no futuro estava-se a dois anos e meio do 25 de Abril que poria termo a todas as intenções que haviam estado por detrás da sua feitura. Contudo, depois de 50 anos passados, assentes e encerradas todas essas controvérsias, tenho que reconhecer que a repetição quase quotidiana do videoclip pré-histórico na televisão durante a quinzena natalícia de 1971 me condicionou a associar muitas das músicas e dos diálogos daquele disco (alguns dos quais saberei de cor…) aos sons típicos da época que atravessamos. Mais do que isso, conseguem transportar-me à sensação confiante e inocente de um Natal ingénuo de infância…
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21 dezembro 2021
A GREVE QUE PÔS TODO UM PORTUGAL A FUMAR CIGARROS ESPANHÓIS
21 de Dezembro de 1981. Esta greve inocente - se houver greves inocentes... - que o Diário de Lisboa anunciava há precisamente 40 anos, irá ter, pelo arrastamento do conflito laboral, repercussões inusitadas no bem estar de uma parte significativa dos portugueses: os fumadores. Que, esclareça-se, eram percentualmente muito mais do que acontece hoje em dia. As greves, intermitentes e depois continuadas começaram a esgotar os stocks de maços de cigarro nos revendedores grossistas e nas tabacarias, a ponto de o produto começar a escassear e se começarem a fazer filas para os açambarcar, ao bom estilo das sociedades comunistas avançadas da Europa de Leste. Até os que votavam APU não estavam a achar piada às consequências destas justas lutas dos trabalhadores da Tabaqueira. O governo, que era da AD e portanto do outro lado oposto do espectro político, deu por si a descobrir que existia um outro produto estratégico que, ao contrário do petróleo, nunca fora contemplado nos planos de contingência estratégica. Se é verdade que uma sociedade não funciona sem combustíveis, também é verdade que uma sociedade não se consegue aturar a si mesma com uma apreciável percentagem dos seus membros enervada com a traça da privação de nicotina. Vai daí, e antes que a revolução chegasse às ruas, o governo autorizou a importação de milhões de maços de cigarros estrangeiros, de onde se destacava, de longe, estes cigarros espanhóis da marca Fortuna (imagem acima) que, omnipresentes e independentemente do que haviam sido anteriormente os gostos do fumador (dos "classe média" SG Gigante, SG Filtro, SG Ventil, Português Suave, até às marcas mais populares, Provisórios, Três Vintes ou Kentucky), durante uns tempos produziram um verdadeiro nivelamento democrático do fumador português.
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20 dezembro 2021
O PROBLEMA DA COLONIZAÇÃO DE ANGOLA
20 de Dezembro de 1921. O artigo, que então vemos abaixo publicado no Diário de Lisboa mas que havia sido transcrito de A Vitória, reveste-se da novidade de dar um sentido de missão e apontar um objectivo concreto para as possessões portuguesas em África. O artigo tem o patrocínio (nada dissimulado) do alto comissário em Angola, José Norton de Matos (significativamente, a página que lhe é dedicada na wikipedia dá uma extrema importância à sua carreira maçónica...). Fosse porque fosse, pelos seus méritos intrínsecos ou pelas conexões maçónicas, a promoção da ideia da colonização de Angola com portugueses metropolitanos aparece por uma primeira vez devidamente estruturada. Na sua essência é de uma simplicidade quase infantil: num país de onde emigravam todos os anos dezenas de milhares de pessoas (nomeadamente para o Brasil), porque não direccioná-los para os planaltos do centro de Angola, onde as condições climatéricas se assemelhavam num mínimo às que existiam na Europa? Porque seria a primeira vez que se via a ser apresentado assim, num formato sistemático, a argumentação arrebatava, aparentemente irrefutável. O tempo viria a mostrar que a ideia mostrava-se bem apresentada mas não iria vingar. Quanto aos meios, repare-se abaixo que a questão do capital («necessário para organizar um núcleo europeu») fora remetido para um discreto quinto lugar nas prioridades quando a falta de capital constituía, na verdade, o verdadeiro calcanhar de Aquiles do colonialismo português¹. Quanto às pessoas, o raciocínio esquecia o importante pormenor que a maioria dos nossos emigrantes, quando emigrava, o fazia com o desejo de abandonar a actividade agrícola e desejava dedicar-se a outras actividades. Um artigo que se mostrava excelente na forma mas fraco no fundo.
¹ Como exemplo, compare-se o ritmo da construção das linhas de caminhos de ferro que, na Tanzânia e em Moçambique ligavam os portos do litoral até aos Grandes Lagos. Os cerca de 1.250 km que vão do porto de Dar-es-Salaam até Kigoma no Lago Tanganica foram completados pelos alemães em Fevereiro de 1914. Os quase 800 km que vão do porto de Nacala até Lichinga (Vila Cabral) perto do Lago Niassa foram completados, ainda pelos portugueses, só que em... 1969, 55 anos depois. Os portugueses também construíam as infraestruturas, é certo, mas era mais devagarinho... A falta de capital para investir sempre foi um problema maior quando se pretendia tratar deste, como se escrevia acima em 1921, «interessantíssimo problema».
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19 dezembro 2021
FALEMOS DO QUE INTERESSA...
...e o que interessa é saber quem é, como se chama a nova namorada do presidente Marcelo. E o interesse é tanto mais acrescido quanto a corporação dos enxeridos (vulgarmente denominada por órgãos de comunicação social) mostra-se alinhada num anómalo pacto de silêncio, até agora apenas violado pelo jornal Tal & Qual. O complot afigura-se tanto mais injusto quanto a mesma corporação acabou de mostrar do que é capaz ao exibir João Rendeiro a ser capturado em pijama. Comparado com isso, será um pecado bem menor a publicação da identidade do «novo amor» de Marcelo que, ainda oculta, já parece ter adquirido a reputação de ser um dragão(!). Por outro lado, Marcelo tem exercido uma presidência que, para além de imensamente palavrosa, é muito dada a intimidades, veja-se que ainda mesmo há dias fomos notificados da sua operação às duas hérnias e permitam-me recordar aquele inesquecível boletim clínico de há quatro anos (abaixo) que dava conta da recuperação do seu trânsito intestinal. Ora se a merda do presidente pode ser assunto de Estado, por maioria de razão acho que os cidadãos estarão no direito de lhe pedir satisfações sobre o que se passa (metaforicamente) com o seu coração.
NÃO 15 MINUTOS, MAS 15 MIL EUROS DE FAMA
Se a expressão (mal) atribuída a Andy Wahrol fala de 15 minutos de fama a respeito da celebridade instantânea, a edição de há cinquenta anos do Diário de Lisboa (também um Domingo) destacava um caso concreto dessa celebridade abrupta, mas agora devida a um prémio do Totobola de 3 mil contos (15 mil euros), arrecadado por uma jovem de 20 anos chamada Maria Rosa. A pobre moça, que não se lembrara de preencher a cruzinha do boletim que lhe conferiria direito ao anonimato em caso de prémio, recebia agora propostas de todo o país. A reportagem, que tinha uma chamada de primeira página e que era desenvolvida nas duas páginas centrais contava, muito sucintamente, a história da jovem Maria Rosa, que viera de uma povoação rural da região de Tomar para a grande cidade aos 17 anos e que agora se via na posse de uma pequena fortuna (pelas estimativas do pordata, o prémio equivaleria a quase 800 mil euros aos valores actuais). O noivo, um alfacinha do Alto do Pina nunca nomeado pelo nome, é uma presença demasiado insistente ao longo da reportagem... Confesso que gostaria de saber alguma novidade desta Maria Rosa.
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18 dezembro 2021
RODRIGUES DOS SANTOS, O «ORELHAS» E NÃO O «CHICÃO»
Quem olhar com atenção para a fotografia fica a perceber que José Rodrigues dos Santos, o «Orelhas» que nos pisca o olho no final do telejornal, estima muito os livros e envolve-os em capas de plástico. Mas o meu pretexto para publicar este texto é outro: é o de constatar que ninguém se projecta mediaticamente com uma associação de apelidos tão banal quanto «Rodrigues dos Santos». O que nos leva ao outro homónimo de José, o Francisco. Além de ele não escrever livros, nem se exibir a ler livros, o Francisco já é um segundo «Rodrigues dos Santos». O que é, reconheça-se um handicap, para mais quando ele insiste nos dois apelidos em detrimento da muito mais apelativa alcunha de «Chicão». Não devia fazê-lo. Aquilo que ele pensa que ganhará em respeitabilidade, perde-o em notoriedade. Exemplo: na notícia abaixo, assim numa leitura rápida, de quem estarão a falar? Do «Orelhas» ou do «Chicão»?
17 dezembro 2021
POR MIM 'TÁ BEM ASSIM ou COMO DEUS PODE ESCREVER DIREITO POR LINHAS TORTAS
Na fotografia temos João Rendeiro (encoberto) a entrar para a ramona de macacão azul e três grandes microfones (da esquerda para a direita, SIC, TVI e CMTV) empunhados por outros tantos jornalistas que estão encarregues de fazer as perguntas mais cretinas que se lembrem, perguntas que já se sabe que os visados nunca têm intenção de responder. Quanto ao que está a acontecer ao ex-banqueiro lá por terras (sul-)africanas, por mim 'tá bem assim. Azar o dele que escolheu fugir para um país em que parece que o sistema judicial e penal está subfinanciado (já foi a segunda vez que as suas audiências em tribunal se atrasam por causa da falta de electricidade!). E se, no tribunal não pagam as contas da luz, é razoável especular como será a comida na prisão... Estas coisas dos países de terceiro mundo não têm apenas os benefícios dos valores das cauções serem tão ridículos como 2.200 €; as condições de detenção também são de terceiro mundo. É bem feito porque assim João Rendeiro fica pior do que teria ficado se se tivesse mantido por cá e acabado por ir para a Carregueira. Por algum motivo, os escroques veteranos (como Vale e Azevedo que estranhamente, e ao contrário de Manuel Pinho, não tem sido evocado quando se fala de Rendeiro), os escroques que já lá estiveram dentro, quando andam a fugir à justiça fazem-no em países civilizados como o Reino Unido.
A INVASÃO DE GOA, DAMÃO E DIU
17 de Dezembro de 1961. Começa a invasão de Goa, Damão e Diu pelas forças armadas indianas. Em Lisboa, nesse dia e nos dois dias seguintes, em sucessivas edições, os jornais fingiam ir dando conta da situação no terreno, em textos que eram compostos sobretudo de proclamações de propaganda e das escassas informações que chegavam de Goa. Na realidade as forças armadas indianas procediam à invasão e as mais conscienciosas unidades militares portuguesas resistiam simbolicamente e depois rendiam-se para não serem aniquiladas. As outras rendiam-se simplesmente. Embora se tenha tornado pacífico admitir, depois do 25 de Abril, o quanto a situação portuguesa na Índia era militar e politicamente insustentável a longo prazo, dessa admissão não costuma constar o quanto a situação estava eivada de hipocrisia, não apenas dos intervenientes (Portugal e Índia), mas por parte de todos os grandes actores internacionais. O plano indiano consistia em anunciar que vamos invadir as possessões portuguesas na Índia, mas muito contrariados, que nós até somos muito pacíficos, não se lembram do Gandhi? O plano português resumia-se a ir aguentando e, na eventualidade da situação escalar militarmente, o que se esperava da guarnição local é que se batesse sem esperança mas que produzisse um bom punhado de mártires para conferir ainda mais peso mediático aos protestos diplomáticos como Portugal iria tentar reverter a situação. No terreno, e como se percebe pela evolução dos títulos acima, a esmagadora maioria da guarnição não se prestou a esse papel, não se registaram muitos episódios heróicos de defesa da Pátria. A posição tutelar dos Estados Unidos era outro monumento à hipocrisia, refreando os indianos para que encontrassem uma solução pacífica para a questão das possessões portuguesas. Ora, como muito bem saberia a Administração Kennedy depois da Abrilada, qualquer inflexão da política externa portuguesa, e assim qualquer solução pacífica para o problema, só se processaria com a remoção de Salazar e isso acabara de fracassar. A Índia também não se livraria das acusações de hipocrisia pois, para tomar a iniciativa da invasão, dera um grande pontapé em todo o seu discurso oficial associado ao pacifismo como fora a imagem de marca do combate político de Mahatma Gandhi, o fundador espiritual do país. Descobria-se para a ocasião que a Índia era um país que se reclamava muito pacífico, mas que não o era a todo o transe, acontecia-lhe tomar a iniciativa de invadir territórios adjacentes. No ano seguinte, talvez embriagados pela vitória, os indianos irão tentar repetir o método brusco na resolução de um diferendo fronteiriço com os chineses e, merecidamente, vão levar um enxerto de porrada.
O último figurante da tetralogia das hipocrisias foi o nosso mais antigo aliado, o Reino Unido. Aquilo que se possa dizer sobre o comportamento britânico na época sintetiza-se bem com este vídeo que está disponível no You Tube: nele aparece primeiro o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano de então, Triloki Nath Kaul (o titular da pasta era o primeiro-ministro Nehru), a explicar a posição indiana e depois aparece o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Alberto Franco Nogueira, a defender a parte portuguesa. Havendo lógica e imparcialidade e a ordem deveria ter sido a inversa: começa-se tradicionalmente a ouvir o queixoso. Mas isso será o menos porque, dos cerca de seis minutos que o vídeo tem de duração, cinco são dedicados aos argumentos dos indianos e um (apenas) à perspectiva portuguesa - por muito errada que estivesse, a equidade de tratamento das duas partes parece coisa que não passa por ali. É curiosa a junção destas duas personalidades neste vídeo. Se Franco Nogueira é hoje considerado aquele que teria sido o mais lídimo continuador do salazarismo depois de Salazar, T.N. Kaul já então era tomado de ponta pela diplomacia norte-americana e considerado um dos membros mais pró-soviéticos da equipa dos Negócios Estrangeiros da Índia.
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16 dezembro 2021
QUANDO QUEREM QUE O UNIVERSO MARVEL EXPLIQUE OS RESULTADOS DA VACINAÇÃO
O Universo Marvel é o universo compartilhado onde ocorrem as histórias na maioria dos títulos de quadradinhos americanos publicadas pela Marvel Entertainment, uma subsidiária da Walt Disney. Entre as figuras mais conhecidas desse universo contam-se personagens de super-heróis como o Homem-Aranha, o Capitão América, ou então o Íncrivel Hulk, a que agora há quem queira adicionar em Portugal, o Almirante das Vacinas. A explicação (de facebook...) que se pode ler mais abaixo é lacónica mas cristalina, para que até as crianças a consigam compreender: toda a gente sabe como a criminalidade dominaria Gotham City, se não fosse o Batman... Aqui, sem os super poderes do Almirante, os resultados pioraram porque toda a gente envolvida desaprendeu o que andara a fazer.
A VITÓRIA INDIANA NA TERCEIRA GUERRA INDO-PAQUISTANESA
16 de Dezembro de 1971. Assinatura da rendição do exército paquistanês estacionado no Bangladesh. Pelos indianos assinou o general Jagjit Singh Aurora (de turbante, a assinar na fotografia do lado esquerdo) e pelos paquistaneses o general Amir Abdullah Niazi (de boina, a fazer o mesmo na do lado direito). Os oficiais que aparecem por detrás são todos indianos. A independência do Bangladesh, que fora proclamada em Março daquele ano, tinha finalmente o seu dia.
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ESTREIA MUNDIAL DO CONCERTO nº 3 PARA PIANO DE PROKOFIEV
16 de Dezembro de 1921. Esta estreia do Concerto para Piano nº 3 em Dó maior reúne uma ou duas curiosidades. A primeira delas é que a peça foi estreada com a interpretação ao piano do próprio Serguei Prokofiev. A segunda curiosidade é que, apesar do compositor ser russo, e dos europeus se continuarem a considerar a si próprios como o centro do mundo cultural, a estreia teve lugar em Chicago, e o acompanhamento foi da Orquestra Sinfónica de Chicago, dirigida pelo maestro (alemão) Frederick (Friedrich) Stock. Mesmo que os Estados Unidos ainda não dispusessem dos quadros próprios para o efeito, a Primeira Guerra Mundial produzira uma tal transferência de riqueza do Velho para o Novo Mundo, que se tornara muito mais fácil promover certos acontecimentos do outro lado do Atlântico. Fossem eles estreias de música erudita, fossem eles descobertas sobre física nuclear. A versão do Concerto para Piano nº 3 que se reproduz acima não é obviamente a da estreia de Dezembro de 1921, mas uma versão bastante posterior, mas ainda interpretada por Prokofiev, em Junho de 1932 e acompanhado pela Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida pelo italiano Piero Coppola.
O «PÂNTANO POLÍTICO»
16 de Dezembro de 2001. Mesmo apesar do seu partido ter vencido as eleições autárquicas que acabavam de se realizar, o primeiro-ministro António Guterres apresenta a sua demissão depois de seis anos à frente do governo. Uma declaração pública que celebrizou a expressão da «criação de um pântano político», mas onde se tende a esquecer como era a continuação da frase: «...que minaria as relações de confiança entre governantes e governados». Vinte anos contados depois, ocorre-me perguntar se será que ao menos se mantêm as mesmas relações de confiança que (alegadamente) vigorariam naquela época e que Guterres proclama pretender preservar?... Reconheçamos que, depois da sucessão de um Durão Barroso e de um José Sócrates, é difícil argumentar que sim.
15 dezembro 2021
INCLUÍDO NA SÉRIE DE COMO TAMBÉM OS PRESÉPIOS EVOLUEM COM OS TEMPOS...
Para que não nos esqueçamos que em Israel, o local onde supostamente esta cena teve lugar há 2000 anos, a questão que tem estado a ser discutida - rejeitada por enquanto - é a da quarta dose da vacina!
«UM MAU QUARTO DE HORA POLÍTICO»
Por esta vez vamos socorrer-nos do antetítulo do artigo de há cem anos do Diário de Lisboa, que dava conta do impasse político que então se vivia. Resumindo o artigo, as facções militares responsáveis pela quartelada que ocorrera em Outubro de 1921 (no seguimento da qual ocorrera o triste episódio da Noite Sangrenta) haviam-se cindido em dois comités revolucionários rivais. Uns instalara-se no ministério do Interior, o outro no governo civil de Lisboa. E, se os dois comités se se entendiam na recusa do nome de Cunha Leal para chefiar o governo, já não se conseguiam entender quanto ao nome que propunham como alternativa. O irónico da situação é que, segundo se depreende da notícia, Cunha Leal (que fora ferido por se opor aos assassinatos da Noite Sangrenta, daí a hostilidade dos revolucionários) contaria com o apoio dos partidos políticos («Os partidos mostram-se dispostos a dar-lhe - Cunha Leal - todo o apoio...») e esse apoio seria também extensível ao próprio presidente da República, António José de Almeida. E no entanto a notícia acaba dando nota que uma "comissão" de revolucionários "procurara" este último «indicando-lhe o nome de Mesquita (de) Carvalho». Para quem esteja interessado em conhecer a continuação da história, diga-se que António José de Almeida se marimbou para a comissão que o procurara assim como para os restantes «outubristas», por quem sentia uma indisfarçável hostilidade e nomeou mesmo Francisco Cunha Leal como chefe de governo mas com a missão de organizar eleições legislativas, que vieram a ter lugar - uma quase coincidência - a 29 de Janeiro de 1922. Como se sabe, as próximos eleições legislativas serão a 30 de Janeiro de 2022.
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14 dezembro 2021
UM EXERCÍCIO DE OPINIÕES COMPARADAS SOBRE A JUSTIÇA...
Acima, à esquerda temos um artigo de opinião publicado hoje e da autoria de um senhor professor chamado André Lamas Leite, que é mais um dos artigos que ataca Rui Rio por causa do tweet que associa o folclore das notícias sobre a prisão de João Rendeiro ao ciclo eleitoral. Para mim, o ataque terá sido ao circo mediático e à incompetência dos jornalistas, mas o opinador preferiu interpretá-lo como um ataque ao aparelho judicial e à incompetência dos seus agentes. É um paladino, mas torna-se rapidamente num paladino ridículo. Ainda vai na quinta linha do seu texto e já está a qualificar de impecável o trabalho da PGR e da PJ na recaptura de João Rendeiro. Ora, para mim e para a maioria dos portugueses, digo eu, o tal adjectivo de impecável deveria ter ficado guardado para o caso de não terem deixado fugir João Rendeiro, o que aqui infelizmente não se pode aplicar... E, porque agora os jornais antigos já não desaparecem por ter servido para forrar o caixote do lixo, vamos recordar o que dissera o mesmo André Lamas Leite nessa sua mesma coluna de opinião, por ocasião da fuga do ora capturado Rendeiro (acima à direita). Nessa ocasião eu esperaria, por simetria e coerência de critérios, que o trabalho hoje impecável fosse originalmente qualificado de medíocre. Afinal, não nos podemos esquecer que só houve trabalho impecável porque nessa momento se havia feito um trabalho de merda deixando fugir o Rendeiro. Mas não. Até a prosa, tão contundente quando o alvo é Rui Rio, era nessa altura estranhamente condescendente: «os colectivos de juízes (...) deveriam ter estado mais atentos». «Se (...) tivessem elementos concretos (...) da hipótese de fuga.» Mas não tinham... e nem podiam ter, por várias razões ali expressas. Enfim, conclui-se que a opinião de Leite é mais um daqueles exemplos tão tipicamente nossos de que a culpa morre sempre solteira. Afinal, a comparação destes dois artigos constituirá uma das melhores constatações de uma passagem citada da moção de estratégia de Rui Rio, passagem essa que tanto parece incomodar André Lamas Leite e onde se refere que a justiça vive «com traços marcantes de corporativismo e não sujeita ao escrutínio público».
Em paralelo a isto tudo, parece que propositado para desclassificar as opiniões corporativas de André Lamas Leite, realce-se que há quatro dias - portanto ANTES do folhetim Rendeiro - o DCIAP publicou um comunicado oficial sobre o encerramento das investigações de nove anos(!) sobre o processo das negociações das PPP. Foram acusados três arguidos, dos quais dois antigos secretários de Estado de governos socialistas. As notícias já andavam por aí, mas o verdadeiro restolho mediático - que é o que interessa e que foi aquilo que Rui Rio verdadeiramente atacou no seu tweet - só hoje terá começado. E só para rematar, enquanto escrevia este texto, Manuel Pinho foi detido!
13 dezembro 2021
A FALTA DE VERGONHA
Por esta vez, hão-de reparar que estou a publicar - título e tudo - um poste que não é meu. Eu também me indigno com este exibicionismo desnecessário da intimidade das pessoas, mesmo que sejam foragidos à justiça. Todos os que escrevemos nas redes sociais somos mais ou menos propensos a este género de indignações. Contudo, há quem vinque, nessa hipotética igualdade, que há quem seja mais igual que os outros, enriquecendo as suas páginas com notas chamando a atenção para as suas participações em outros formatos de comunicação mais formais - conferências, artigos, aparecimentos em programas de rádio ou televisão. É outra categoria, concordo, mas é uma categoria que exige de uma outra responsabilidade. Se eu aceito, no caso acima, que a inculpação da falta de vergonha se possa diluir por uma vaga definição (...alguma comunicação social...) se ela tivesse sido produzida pela esmagadora maioria das pessoas, já fico com um indisfarçável desconforto quando o autor das duas expressões é o embaixador Francisco Seixas da Costa e quando um dos mais proeminentes veículos da tal falta de vergonha foi o canal CNN Portugal. Não lhe fica bem àquele esconder-se atrás de "alguns" quando é conhecida a sua relação próxima com um deles. É que todos estaremos recordados da recente contratação do embaixador para o painel de comentadores da CNN Portugal, ocasião que foi acompanhada da publicitação de algumas simpáticas palavras suas a respeito do novo canal (acima): «...um padrão novo de leitura, crítica e independente, da conjuntura internacional». Com essas palavras sábias na memória, se a fotografia de um sujeito em pijama acabado de acordar for um «padrão novo de leitura», confesso-vos que prefiro os «antigos» padrões... Mas também confesso que me suscita curiosidade saber se a indignação mais acima expressa por Francisco Seixas da Costa se irá revestir de algo mais consequente, no que diga respeito ao que ele possa dizer à ou nas suas aparições na CNN Portugal, a respeito daquele mau gosto desnecessário a exibir João Rendeiro de pijama. Para já, o que se pode constatar pela troca de mensagens que inseri no fim do quadro, é que o texto foi apagado do facebook, porque o autor considera que «muita gente já tinha dito por ali o mesmo». Não é prometedor.
Adenda: Ontem deparei-me com outro episódio decalcado do de cima, envolvendo António Lobo Xavier no seu programa (colectivo) de opinião e ainda a mesma CNN Portugal. A indignação pela fotografia era a mesma, assim como o cuidado era o mesmo em evitar referir que a fotografia ultrajante fora exibido algumas horas antes naquele mesmo canal onde Xavier se indignava. Apesar das distâncias políticas que separam este último de Seixas da Costa, os franceses têm um aforismo que explicará a situação: «Les beaux esprits se rencontrent» que eu posso tentar traduzir - mal - por «é um encontro de almas aparentadas». Enfim, como eu já aqui definira, é gente que sabe estar.
«ELEIÇÕES EM JANEIRO, PRENDE-SE O RENDEIRO»
O que é incómodo neste tweet - a ponto de provocar uma reacção do presidente da República que, como de costume, devia era ter ficado calado... - é que ele faz uma crítica mais profunda do que seria esperado pela coreografia tradicional da nossa comunicação social. Por essa coreografia, os políticos servem para criticar os políticos; os jornalistas gostam de fingir-se neutros. Só que neste caso, para além da crítica ao fuzué encenado pelo director da Judiciária, aproveitando o Sábado que é um dia tradicionalmente desprovido de notícias, a crítica de Rui Rio incidiu sobretudo na boiada dos canais noticiosos que o perseguiu, ao director, pelo resto do dia, em que ele saltitou de canal em canal repetindo sempre a mesma história, em que, ao contrário do que se deduzia das suas palavras e do que se noticiara, descobria-se afinal depois que nem fora a PJ a intervir directamente no assunto... Ou que a extradição seria para acontecer só daqui por vários meses... Ou seja, conhecendo-lhe os vícios, quando uma operação mediática destas é bem montada, o governo nem precisa de se mexer para recolher os eventuais louros da notícia, já que é a própria dinâmica do circo mediático que o faz. E os jornalistas ficaram muito chateados quando alguém os acusou de se demitirem de escrutinar a notícia e de parecerem, ao menos, neutrais. Só que é assim que, magnânimo, «António Costa felicita Polícia Judiciária pela detenção de João Rendeiro» - esta frase é tanto mais significativa quanto este é, indiscutivelmente, um assunto de justiça, e o primeiro-ministro celebrizou-se, noutras circunstâncias, pelas frases acentuando a separação entre «aquilo que é da justiça e aquilo que é da política». Mas isso era por causa do embaraço das acusações que pendem sobre José Sócrates, se calhar aqui essa distinção já não vale... Por seu lado, o Marcelo «não comenta casos» (de justiça), mas agora (mais uma vez...) comentou. Terá sido por causa da saturação com toda esta hipocrisia, que o desbocamento (de Rui Rio) se estará a tornar uma virtude na política portuguesa? Por alguma razão surgiu um ditado popular que desde este fim de semana se tornou tradicional: Eleições em Janeiro, prende-se o Rendeiro.
A PROCLAMAÇÃO DA LEI MARCIAL NA POLÓNIA
Domingo, 13 de Dezembro de 1981. O general Wojciech Jaruzelski proclama a Lei Marcial na Polónia. Por detrás da seriedade da situação, não havia como não reparar em mais uma das caricatas piruetas argumentativas que os comunistas eram obrigados a fazer por todo o Mundo, onde Portugal não era excepção. Depois de décadas a criticarem regimes militares autoritários, nomeadamente os da Europa do Sul (Portugal, Espanha, Grécia) e da América Latina (Brasil, Argentina, Chile), agora os comunistas portugueses tinham que dizer qualquer coisa de benigno a respeito de um regime militar autoritário - note-se como Jaruzelski se apresenta aos polacos na televisão - só porque era a defender o comunismo. Como se lê abaixo, a culpa era da «actividade desestabilizadora das forças contra-revolucionárias» e a condenação do acto era uma «grande campanha anti-comunista» cujo objectivo real era «procurar distrair o povo português». Mais patética ainda era a atitude da sua «correia de transmissão laboral», a CGTP, numa acção repressiva em que os primeiros visados eram os trabalhadores e os sindicatos e que recorria ao expediente - batidíssimo! - da «escassez da informação».
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O ZÉNITE DA IMAGEM DA FRANÇA MODERNA
13 de Dezembro de 1971. Começa a (primeira) Cimeira das Lajes, reunindo os presidentes dos Estados Unidos (Richard Nixon) e de França (Georges Pompidou). Também presente, como anfitrião, o presidente do Conselho de Ministros português, Marcello Caetano. Para não me repetir, recupero um texto sobre o tema, originalmente publicado em Fevereiro de 2014.
Hoje, já se pode reconhecer sem controvérsias que o zénite da influência francesa no Mundo no período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial terá sido alcançado durante a presidência de Georges Pompidou (1969-1974), no final do período que ficou conhecido pelos Trente Glorieuses, e não sob a égide do seu muito mais conhecido e controverso antecessor Charles de Gaulle (1958-1969), observe-se a marca que este último deixara, vincada pela capa da Time que foi publicada por ocasião da posse de Pompidou em Maio de 1969. É verdade que o ascendente de que Pompidou usufruiu fora pavimentado pelo seu famoso antecessor, mas também é verdade que o comportamento diplomático desassombrado de de Gaulle, que em 1963 vetou ostensivamente a adesão do Reino Unido à CEE, em 1966 retirou a França da estrutura militar da NATO ou em 1967 apelou ao separatismo do Quebec enquanto visitava o Canadá, criara ao general uma reputação de enfant terrible, que predispôs os actores políticos internacionais a acolher favoravelmente qualquer sucessor que parecesse mais razoável.
Mesmo assim, a razoabilidade de Georges Pompidou pode parecer anedótica quando lemos a posição francesa expressa por si a respeito da adesão britânica à CEE: No que concerne à Inglaterra, a nossa posição é clara. Não alteramos uma linha que seja à posição que temos adoptado até agora e mantemos a solicitação feita aos nossos parceiros da Comunidade que permaneçam solidários connosco enquanto a Grã-Bretanha não apresentar propostas decentes para o estabelecimento do acordo financeiro. Propor-se ser membro de pleno direito da Comunidade suportando 3% dos seus encargos é obsceno. Quando nos encontrarmos na presença de fórmulas que sejam, não ainda satisfatórias mas ao menos decentes, aí poderá haver uma inflexão na nossa atitude. Na Cimeira da CEE em Haia, em Dezembro de 1969, é o discurso prévio de Pompidou, mostrando-se reticente ao alargamento da comunidade, que condiciona algumas passagens do discurso que o chanceler alemão Willy Brandt virá a proferir sobre aquele mesmo assunto. Numa Cimeira actual, decerto que os papéis se inverteriam…
Mas a ocasião em que a imagem da França mais alto se terá projectado internacionalmente (imagem essa mais uma vez protagonizada por Georges Pompidou), terá acontecido dois anos depois, em Dezembro de 1971, e curiosamente em Portugal, na ilha Terceira, nos Açores. Foi o local escolhido (simbolicamente a meio Atlântico) por norte-americanos e franceses para a realização de uma Cimeira que juntava os seus dois presidentes: Richard Nixon e Georges Pompidou. No Verão daquele ano de 71, os Estados Unidos haviam abandonado o padrão-ouro de Bretton Woods que fizera do dólar a divisa de referência do comércio mundial nos últimos 25 anos. Aplaudida internamente, a medida provocara uma desvalorização brusca da divisa norte-americana com as consequentes perturbações nos câmbios e no comércio internacional. Era para estabelecer um novo acordo cambial com o importantíssimo bloco económico composto pelos (então) seis países da CEE¹ que os Estados Unidos conferiam aquela preeminência aos franceses. E estes, com o seu sentido de mise-en-scène, não desperdiçaram a oportunidade…
Os franceses começaram por derrotar os norte-americanos num campo onde estes não gostam de perder: o da tecnologia. Nixon chegou à Base das Lajes viajando no avião presidencial (Air Force One) que naquela época era um Boeing 707. Pompidou viajou de Concorde² e os seus construtores tiveram a preocupação de fotografar o presidente norte-americano na pista com a coqueluche aeronáutica anglo-francesa por detrás (acima). Nixon alojou-se no complexo norte-americano da própria Base Aérea. Os franceses alugaram o que de mais sofisticado em termos arquitectónicos e paisagísticos a Terceira podia oferecer para alojamento, a estalagem da Serreta, para, não apenas instalar Pompidou, mas também insistindo para que as principais reuniões lá tivessem lugar. Intercalado, o anfitrião Marcello Caetano procurava retirar do evento os benefícios em termos de imagem pessoal e de regime que pudesse (abaixo). Lembro-me que, num daqueles fait-divers que a propaganda da altura era pródiga, se deu destaque ao nascimento de um bebé durante a cimeira a que foi dado o nome de Ricardo Jorge…
Do Ricardo Jorge, que hoje estará próximo de completar os 50 anos, a História perdeu o rasto. Do que ficou decidido pelos seus dois padrinhos também. O acordo para a fixação de novos câmbios entre o dólar e as moedas das principais economias europeias, qualificado (como de costume) de histórico, ainda não fora implementado pelos norte-americanos dois meses depois. E já estava totalmente esquecido um ano depois. Mas, enquanto durara, os franceses haviam dado o seu melhor para que o evento se parecesse com um encontro entre iguais…
¹ Alemanha Federal, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo.
² Não havia nas Lajes escada adequada para aquele tipo de aparelho. Houve que improvisar.
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12 dezembro 2021
UMA SUGESTÃO DE PRENDA DE NATAL: OS GENERAIS E OS MARECHAIS DE ESTALINE
Agora que se aproxima o Natal e pensando especialmente numa pessoa que se confessa leitor assíduo deste blogue, lembrei-me de publicar aqui, para seu particular proveito (mas não só...), duas sugestões de prenda de Natal abrangendo especificamente os altos comandos soviéticos durante o período da Segunda Guerra Mundial. Chamam-se - não muito imaginativamente... - Os Generais de Estaline e Os Marechais de Estaline. O primeiro está escrito em inglês, o segundo em francês. O primeiro foi publicado em 1997 (embora a edição original seja de 1993, quase logo depois do colapso da União Soviética, quando os arquivos ainda estavam acessíveis), o segundo é muito recente, publicado no princípio de 2021. Apesar de compartilharem o tema, há aspectos em que se distinguem, aspectos esses que vale a pena realçar no quadro que apresento mais abaixo.
O primeiro livro (abaixo, à esquerda) reúne um conjunto de 26 generais (e Marechais) soviéticos ordenados por ordem alfabética, a que se adicionou um capítulo final de 12 páginas denominado «os fantasmas de Estaline», dedicado a todos aqueles não nomeados previamente e que foram executados nas Grandes Purgas antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. O segundo livro enumera apenas Marechais e, entre eles, apenas os que foram nomeados por Estaline até ao fim da Segunda Guerra Mundial (donde ele saiu Generalíssimo!) e apresenta-os por sua vez por ordem cronológica de nomeação. Em suma, há 26 nomeados no primeiro livro, 17 no segundo, mas apenas 11 são comuns aos dois livros. E, como se percebe pelo espaço que é dedicado a cada nomeado, a profundidade da análise das respectivas personalidades e carreiras é superior no segundo livro. Espero que, depois de uma leitura atenta destes dois livros, o meu amigo Luís Pascoal consiga perceber porque é que o Exército Vermelho se tornou em 1944/45 na mais poderosa máquina militar a que se assistira até então. Era muito mais sofisticada do que apenas força bruta, ao contrário do que a propaganda ocidental posterior dos tempos da Guerra Fria nos quis fazer crer.
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11 dezembro 2021
O MEU MOMENTO «À LAVOURA» E O «AGRADECIMENTO» DO DIRECTOR DO JORNAL
Contemos a história da forma mais sintética. Hoje o Público traz um artigo de opinião de Bárbara Reis a respeito daqueles pais que ofereceram uma pistola ao filho de 15 anos, que este usou para desencadear um daqueles tiroteios nos liceus por que a América se tristemente celebrizou. E que depois se estende para a incompreensível cultura das armas que se perpetua naquele país. Um bom artigo que termina com um erro de lógica: há mais tiroteios fatais do que mortos provocados por esses tiroteios, o que não faz sentido de todo. Como explico no comentário que ali deixei, vai para mais de oito horas. Entretanto, passadas umas duas horas e meia, recebi este agradecimento mais abaixo do director do jornal, no qual ele me agradece o meu envolvimento. Deve ser uma daquelas merdas de respostas automáticas e a intenção do Público deve ser não fazer a ponta de um corno (se, ao menos, me explicasse porque estou errado...). Enfim, o que mais uma vez se conclui é que as relações do jornal Público com os seus leitores (ainda que envolvidos) serão tão consequentes como as leis para limitar o uso de armamento nos Estados Unidos.
Adenda: Quase 14 horas depois da publicação do meu comentário, cerca de 10 horas depois do agradecimento do director, e 5 horas depois da publicação deste poste, a autora respondeu ao comentário, acolhendo a crítica e rectificando o texto. Como concluo no comentário anexo: Considerando os precedentes de relacionamento que já registei com este jornal, é sempre bom registar um caso positivo, o que é uma grata surpresa.
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