31 março 2020
A «SEGUNDA» BATALHA DE TRAFALGAR
31 de Março de 1990. Em Londres, uma marcha de protesto contra a introdução de um novo imposto municipal (conhecido por «poll tax») degenerou numa enorme batalha campal entre os manifestantes e a polícia. Marcada originalmente para ter início na Praça Trafalgar, no centro de Londres, a marcha acabou rapidamente por fugir ao controle dos organizadores, já que o local era manifestamente insuficiente para o número de manifestantes (as estimativas variam dos 70 às 200 mil pessoas). Isso, mas também a delicadeza do problema político da adopção da poll tax, prevista para entrar em vigor no dia seguinte, e que fomentara uma oposição militante, fizeram descambar a ocasião numa gigantesca confrontação entre polícia e manifestantes, como as imagens acima documentam. No final houve 113 feridos entre manifestantes e polícias, e estes últimos detiveram 340 dos primeiros. Alguém, com um forte sentido irónico, denominou os acontecimentos como a «segunda» batalha de Trafalgar. Quando a poll tax entrou em vigor já se produzira o efeito político das imagens televisivas com a desnecessária brutalidade que se vê acima. O impacto parecia sentir-se especialmente entre as classes médias britânicas, as classes que eram consideradas a coluna vertebral do apoio ao governo conservador de Margaret Thatcher. A aplicação do imposto tornou-se uma paródia, tal era o boicote ao seu pagamento - mais de ¼ dos londrinos pura e simplesmente não o haviam pago no prazo em Agosto daquele ano. Mas foi só em Novembro que Margaret Thatcher foi desafiada para a liderança do partido por um competidor marginal (Michael Heseltine). Quando foi brindada com a humilhação de ter que disputar uma segunda volta e renunciou aos cargos. E foi o fim da carreira política de Margaret Thatcher. Uma queda que começara há precisamente 30 anos. E desconfio, por tudo aquilo que ela deixou escrito nas memórias, que nunca terá percebido porquê... As grandezas políticas nunca foram incompatíveis com uma boa dose de obtusidade.
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30 março 2020
PORQUE É QUE NÃO SE DEVEM DIZER CERTO TIPO DE BABOSEIRAS EM PROGRAMAS DE TELEVISÃO...
...porque, da próxima vez que Daniel Oliveira quiser falar de Direitos Humanos a sério, haverá quem lhe chape na tromba comentários do género do que acabou de fazer a respeito de Bolsonaro... Ele não está numa tertúlia de amigos na tasca da esquina, nem ao volante de um táxi. «Não lamentará» a morte de Bolsonaro e, no entanto, quer convencer-nos que estará a ser genuíno quando arranca as vestes por causa da morte de um imigrante ucraniano às mãos de três agentes do SEF? Não sei se Daniel Oliveira se aperceberá disso, mas, a consequência dos dislates que profere publicamente é que, para ele, as vidas terão um valor relativo: a do imigrante ucraniano que foi assassinado (e que ele não conhece mas era humilde) é indisputavelmente boa; a de Bolsonaro (que ele julga conhecer porque é conhecido e poderoso e de direita) é inequivocamente má. O que eu lamento é a mediocridade que deixa medrar acriticamente estas figuras pela comunicação social. Diz muito sobre o que somos e ainda mais sobre quem gere as aparições em palco.
FORMAÇÃO DO GOVERNO COLABORACIONISTA DA CHINA NACIONALISTA
30 de Março de 1940. Formação em Nanquim de um governo nacionalista chinês que pretendia ser um rival do de Chiang Kai-shek, que estava, por sua vez, sediado em Chongqing, no interior da China e fora do alcance das unidades invasoras do exército japonês. Na realidade, e a notícia do Diário de Lisboa acima era muito sóbria quanto a explicações, o governo que tomava posse, encabeçado por Wang Jingwei, um dissidente do Kuomintang, virá a revelar-se um mero instrumento das autoridades japonesas. Ainda assim, e por força das circunstâncias políticas, ele será até 1945 um dos três pólos à volta dos quais rodopiarão as legitimidades políticas da China: Chiang em Chongqing, Wang em Nanquim e o comunista Mao (Zedong) em Yan'an.
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29 março 2020
QUE ME DESCULPEM A LEMBRANÇA, MAS EU JÁ HÁ DOIS ANOS CONSIDERAVA REPUGNANTE O COMPORTAMENTO DO MINISTRO DAS FINANÇAS HOLANDÊS...
E, que me perdoem a imodéstia, fi-lo com muito menos visibilidade mas com muito mais propriedade do que António Costa agora o fez. Porque a classificação de repugnante advém mesmo da repugnância. Mas confesso que o texto só me ocorreu porque entretanto vi este vídeo abaixo, com a presidente da Comissão Europeia a lavar as mãos ao som da Ode à alegria...
...um aspecto em que a disciplina comunitária dos holandeses, ao contrário das finanças públicas, deixará imenso a desejar como se verá de seguida. Eis então o poste original, que se intitulava:
«NA CAUDA DA EUROPA... MAS MUITO LIMPINHA! (a cauda e não a Europa)
«Podemos estar na cauda da Europa mas havemo-nos com ela com uns cuidados com a higiene que outros lá da frente mostram não ter. Vocês já imaginaram que há uma possibilidade em duas* de que Jeroen Dijsselbloem ande a limpar o rabo sem sequer lavar depois as mãos com sabão? Diga-se o que se disser, só essa probabilidade confere todo um nojo adicional à recordação de que ele, nos últimos anos, se esteve a cagar para nós...
* Segundo o mapa mais acima, a taxa de holandeses que lavam as mãos apropriadamente depois de usarem os sanitários é de apenas 50%.»
A GUERRA DO HÍFEN
29 de Março de 1990. Nos trabalhos de revisão constitucional, os grupos parlamentares dos partidos checos e eslovacos não conseguem chegar a um entendimento quanto à designação do seu próprio país: Checoslováquia ou Checo-Eslováquia? Do desacordo, que subsistia latente desde a queda do regime comunista, irá nascer aquilo que virá a ser designado ironicamente pela Guerra do Hífen (Pomlčková válka em checo, Pomlčková vojna em eslovaco), uma guerra felizmente não muito sangrenta, mas intensa e pouco fraterna, entre as duas nacionalidades constituintes de um país em que até havia celeuma quanto à forma como se havia de auto designar - um muito mau sinal quanto às perspectivas da sua coabitação. No curto prazo, o problema foi solucionado com a adopção da designação República Federativa Checa e Eslovaca. Era uma solução que tinha a vantagem de ser um pontapé democrático na gramática de qualquer das duas línguas. No longo prazo, a questão do hífen era apenas uma dos detalhes - apreciado até com algum humor pela comunidade internacional - das dificuldades das duas nacionalidades em construírem um projecto comum. Tudo viria a culminar com o divórcio de veludo em 1 de Janeiro de 1993.
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28 março 2020
OS NOMES DAS COISAS E AS DINÂMICAS DAS SITUAÇÕES
Em plena eclosão da mais grave pandemia da História recente, realizou-se uma cimeira dos ministros dos estrangeiros das sete países mais industrializados do Mundo (o G7). E o que é que resultou desse "encontro"? Não resultou rigorosamente nada. Nem de positivo, nem sequer de depreciativo, porque os restantes participantes não acolheram uma proposta americana de designar o vírus infecto nuns termos em que ele ficasse indelevelmente associado aos seus rivais chineses. Fica-nos a consolação que, por causa das novas regras impostas pela pandemia, os participantes não gastaram tempo nem recursos nem dinheiro dos seus contribuintes a juntarem-se, para depois alcançarem este desfecho de não conseguir decidir nada - mesmo nada.
27 março 2020
HUMPÁ-PÁ CONTRA MAUS-FÍGADOS (I)
O recente falecimento de Albert Uderzo torna apropriado a publicação desta aventura de Humpá-pá, desenhada por ele em parceria com o argumento de René Goscinny. Humpá-pá é um índio e as suas aventuras decorrem no século XVIII, numa data imprecisa, que se admite ser anterior à da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), quando a França perdeu a grande maioria das suas possessões na América do Norte. O companheiro de Humpá-pá é o cavaleiro francês Humberto da Massa Folhada (Hubert de la Pâte Feuilletée no original), a quem o amigo trata, com uma simplicidade desarmante, por «escalpe duplo», por causa da peruca deste último. Esta é a última aventura das quatro que foram desenhadas pelos autores entre 1958 e 1962. Posteriormente, Uderzo e Goscinny abandonaram o desenho da série, concentrando-se em Astérix, por causa do fabuloso sucesso entretanto alcançado pelo gaulês.
AS GRANDES REVIRAVOLTAS DE OPINIÃO
Há uma história da História muito engraçada, que mostra a evolução dos títulos do jornal oficial da França da Restauração (1815), por ocasião do regresso ao poder de Napoleão naquele breve interregno que ficou conhecido pelos cem dias e que acabou, como se sabe, em Junho daquele mesmo ano, em Waterloo. Já contei o episódio aqui no Herdeiro de Aécio, mas nunca é demais recuperá-lo, porque é muito cómico, de tão ridículo. Eis os títulos que acompanharam o percurso de Napoleão, foragido de Elba, até à sua chegada triunfal a Paris :
O ogro da Córsega acaba de desembarcar no golfo Juan.
O tigre chegou a Gap.
O monstro dormiu em Grenoble.
O tirano atravessou Lyon.
O usurpador está a quarenta léguas da capital.
Bonaparte avança a grandes passos, mas nunca entrará em Paris.
Napoleão estará amanhã em frente das nossas muralhas.
O imperador chegou a Fontainebleau.
Sua Majestade Imperial entrou ontem no Castelo das Tulherias, no meio dos seus fiéis súbditos.
O tigre chegou a Gap.
O monstro dormiu em Grenoble.
O tirano atravessou Lyon.
O usurpador está a quarenta léguas da capital.
Bonaparte avança a grandes passos, mas nunca entrará em Paris.
Napoleão estará amanhã em frente das nossas muralhas.
O imperador chegou a Fontainebleau.
Sua Majestade Imperial entrou ontem no Castelo das Tulherias, no meio dos seus fiéis súbditos.
É uma injustiça que a História não tenha guardado o nome do editor deste jornal (que se chamava o Monitor). O que me fez lembrar este ridículo episódio com mais de duzentos anos? Cambalhotas de opinião como estas são, infelizmente, raras de acontecer e trabalhosas de montar, e são, por isso, preciosas quando as reencontramos, como foi agora o caso de quem se deu ao trabalho de reunir as declarações encadeadas de Donald Trump a respeito do coronavírus, de há dois meses para cá. Se ainda dúvidas houvesse, fica agora a certeza que, no domínio do ridículo, o actual presidente dos Estados Unidos, tem um lugar guardadinho na História. Ao contrário do editor acima, com nome e tudo...
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26 março 2020
SE ME MOSTRARES A TUA, EU MOSTRO-TE A MINHA...
Este tempo novo de videoconferências a partir da casa de cada um também tem vindo a revelar as vicissitudes da aprendizagem dos novos modelos de comportamento. No caso do vídeo acima, a participante que aparece do lado esquerdo da imagem, ao centro, aproveitou para ir fazer uma coisa que normalmente exigiria a sua ausência da reunião mas que, neste caso, ela pôde resolver sem perder pitada do que está a ser dito. Porém, teria convido que a Jennifer tivesse desligado a câmara do seu computador, evitando que os restantes conferencistas compartilhassem os detalhes da sua ida à casa de banho... Mas engana-se quem deduzir, maliciosamente, que o título deste poste (a «tua» e a «minha»...) se refere às partes mais privadas da anatomia dos(das) videoconferencistas: estou-me a referir a bibliotecas...
E estou-me a referir a elas porque as bibliotecas passaram a servir de cenário às videoconferências teledifundidas em que se transformaram os vários programas de opinião nesta época da pandemia. Pelo menos, pareceram ter sido o cenário predominante durante a primeira semana da nova moda. Veja-se o exemplo acima, captado do programa Sem Moderação do Canal Q da semana transacta, em que, dos quatro participantes costumeiros, apenas Pedro Delgado Alves destoa do padrão. (Um comentário colateral para a atitude descuidada e descarada de José Eduardo Martins, a olhar para os sms do seu telemóvel enquanto outro fala, atitude que não o veríamos a ter se a reunião fosse presencial...) Porventura a coincidência dever-se-á ao facto de que a maioria dos computadores estão instalados nos escritórios lá de casa.
Mas isso não obstou a que a coincidência de quase todos apareceram na televisão com a biblioteca por detrás viesse a ser gozada amplamente pelas redes sociais, um gozo a um ridículo que, esse, há muito estava instalado entre nós, lembremo-nos das fotografias institucionais que acompanhavam qualquer entrevista a Vasco Pulido Valente... Seja como for, esta semana, Daniel Oliveira, quiçá por ser dos participantes no Sem Moderação aquele que é mais sensível à moda e às opiniões das redes sociais, mudou o cenário que exibe por detrás de si: cartazes; ainda intelectual, mas menos convencional. Pedro Delgado Alves pespegou-se agora à frente do que parece ser um piano. Mas o mais genuíno de todos é mesmo Jorge Coelho na Circulatura do Quadrado, que tem um décor por detrás que é o que mais se adequa ao que sabemos ser a densidade intelectual da pessoa...
VÁ LÁ EXPLICAR ISSO AO JOSÉ MANUEL FERNANDES...
Ler alguém a usar o Observador para dizer que «O jornalismo não é propaganda», faz tanto sentido como imaginar Donald Trump a dizer, atrás do palanque na Casa Branca, que a sua função como dirigente político é comunicar com Rigor e com Verdade.
A PRIMEIRA ELEIÇÃO DE VLADIMIR PUTIN
26 de Março de 2000. Vladimir Putin é eleito presidente da Rússia logo na primeira volta das eleições presidenciais naquele país, só que com uns míseros 53% dos votos. É um resultado que se aceita, mas apenas porque se tratou da sua primeira eleição para o cargo. É uma tradição política russa que quem ocupa o poder tende a despertar as simpatias do povo e costuma ser reconduzido por maiorias cada vez mais robustas a cada reeleição. Desde essa primeira vez há vinte anos que Vladimir Putin tem vindo a ser reeleito de forma mais confortável, com 64%, 71% e 77% dos votos (nesta última reeleição em 2018), mas reconheça-se que, até 2036, há ainda muito espaço de progressão para que o presidente Putin alcance os excelentes resultados que faziam a alegria dos seus antecessores do tempo do império soviético.
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25 março 2020
UMA NOTÍCIA DE PRIMEIRA PÁGINA SOBRE A GUERRA EM ANGOLA
25 de Março de 1970. Por uma vez excepcional, acontecimentos relacionados com uma das guerras que se travava em África, no caso a de Angola, merecia o destaque de uma primeira página. Um comunicado especial do comando-chefe da Forças Armadas em Angola, avalizado pela chancela da agência noticiosa oficial ANI, dava conta de um ataque ao aquartelamento de Caripande, no Leste da província, indo ao ponto de o atribuir ao MPLA, e assumindo «muitas baixas» entre as nossas tropas. Convirá explicar que Caripande era um aquartelamento vulnerável àquele tipo de acções, situado na margem esquerda do rio Zambeze e mesmo junto à fronteira com a Zâmbia (veja-se abaixo). Essa circunstância permitia que os atacantes retirassem rapidamente para território zambiano, conseguindo assim evadir-se à retaliação das tropas portuguesas. Por várias vezes o aquartelamento foi atacado precisamente da mesma maneira de que a notícia dá conta, mas os anais da guerra que hoje a contam, dão mais destaque aos ataques que tiveram lugar a 14 de Abril de 1968, em que morreu o comandante dos atacantes do MPLA, sobrinho de Agostinho Neto, e também a 16 de Fevereiro de 1971 que, devido à data e à inspiração de um aquartelado mais sarcástico, veio a ganhar a designação de "Carnaval em Caripande». Nada consta, porém, de importante a respeito desta flagelação de 25 de Março de 1970. Uma possível explicação, maliciosa, para tanta publicidade, poderá deduzir-se da forma como o comunicado está redigido: «...bandoleiros, provavelmente do chamado MPLA, acolitados naquele país vizinho, pelos menos sob as vistas dos respectivos guardas fronteiriços. Seguros da impunidade de que gozam na Zâmbia, efectuaram aquela acção que nos provocou muitas baixas.» Portugal parecia ali estar a municiar-se com um capital de queixa para pressionar depois diplomaticamente os zambianos. Parece plausível. Numa perspectiva de censura, as manobras diplomáticas do governo português até podiam ser notícia de jornal, as operações militares é que não.
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24 março 2020
EU CÁ ESTOU COMO O COELHINHO...
A propósito do falecimento de Albert Uderzo, quero-me associar numa penhorada saudação ao recém-falecido. Afinal, este blogue publicou algumas centenas de postes com pranchas desenhadas por ele: « O Combate dos Chefes», «A Volta a Gália», «Astérix e Cleópatra», «Os Louros de César», «A Zaragata», «Astérix Legionário» e «O Domínio dos Deuses». Registo porém, e em contraste com tantos outros desenhadores da mesma escola franco-belga e da mesma geração, cujas mortes passam quase completamente desapercebidas (Eddy Paape ou Tibet, por exemplo), que a de Albert Uderzo se está a revestir mediaticamente e nas redes sociais de uma exuberância quiçá excessiva, ainda para mais para um autor de uma forma de expressão artística que hoje se cinge a uma minoria mínima de apreciadores. Portanto, no meio de muitas lamentações, a minha atitude condizente com o momento é a assumida pelo coelhinho das imagens acima...
OPERAÇÃO PLUNDER VARSITY
24 de Março de 1945. A Operação Varsity, desencadeada há precisamente 75 anos, foi a última grande operação aerotransportada da Segunda Guerra Mundial. Teve lugar no baixo Reno, o objectivo das forças aerotransportadas era o de apoiar a transposição anfíbia desse grande (e largo) rio europeu pelas forças terrestres (a Operação Plunder). Esta associação entres estas duas operações costuma ser considerada como a desforra do fiasco da Operação Market-Garden, que tivera lugar em Setembro de 1944. Depois dele, tudo permanecera essencialmente na nesta região da Frente, com os Países Baixos ainda quase totalmente ocupados pelos alemães. Ao contrário do que acontecera no Outono com a associação entre a Market e a Garden, na combinação entre a Plunder e a Varsity, o desembarque das forças anfíbias atravessando o Reno precedeu a largada na outra margem dos pára-quedistas e da infantaria transportada em planadores.
Participaram na operação Varsity a 6ª divisão aerotransportada britânica (veterana da Normandia) e a noviça 17ª divisão aerotransportada dos Estados Unidos. E, apesar de não disporem do elemento surpresa, a operação revelou-se um sucesso completo, embora haja que reconhecer que, do lado do inimigo, faltava-lhes quase tudo para resistir: os meios materiais, os meios humanos e a força anímica (acima, vejam-se as fotos dos prisioneiros feitos pelos pára-quedistas...). E mesmo assim, as tropas assaltantes sofreram, sobretudo por causa dos acidentes, 2.000 baixas, ou seja 15% dos efectivos envolvidos. Não se sabia então, mas esta virá a ser a última operação aerotransportada em grande escala até à actualidade. A doutrina assentou que o custo humano destas operações, em efectivos que são tão difíceis e custosos de formar, costuma ser tão elevado, que se desaconselha o seu emprego a não ser em circunstâncias que se considerem decisivas.
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23 março 2020
REFLEXÕES RETROSPECTIVAS SOB OS BENEFÍCIOS DE TERMOS SIDO APENAS UMA SOCIEDADE «EM TRANSIÇÃO» PARA O SOCIALISMO
Foi há uns dois dias, coisas das divagações que o tempo propícia por estarmos numa bicha para aceder ao supermercado, que me lembrei o quanto é uma felicidade que os portugueses, apesar dos esforços do PREC, nunca tivessem desenvolvido o treino de formar aquelas mesmas bichas para adquirir produtos de consumo como agora. Recorde-se que essas bichas eram, até ao colapso do comunismo, um ritual de marca dos países da Europa de Leste: no caso da fotografia acima, o local é Moscovo e o produto que escasseia, pela direcção da fila, parece ser tabaco; no caso da fotografia abaixo, o local é Varsóvia e o produto que desperta a apetência de todos aqueles polacos é o sempre apetecido papel higiénico. Com o tempo disponível enquanto aguardava que houvesse vaga para entrar, lembrei-me do quanto esta pandemia do século XXI também está a submeter os circuitos de distribuição comercial do capitalismo a uma rude prova, mas, apesar das esperas e das prateleiras anormalmente vazias de alguns artigos (luvas, álcool), não é nada que se assemelhe ao que acontecia aos privilegiados que viveram o socialismo real. Tivessem as teses de Vasco Gonçalves vingado em 1975 e hoje teríamos, à porta dos supermercados e farmácias, algumas veteranas e veteranos a matar saudades e a evocar como havia sido no tempo deles...
22 março 2020
NUMAS ACERTA-SE, NOUTRAS NEM TANTO...
22 de Março de 1970. Numa discreta notícia do Diário de Lisboa desse dia, citava-se um rumor que havia sido publicado originalmente pelo seu homólogo britânico Observer, que o primeiro-ministro daquele país (o trabalhista Harold Wilson) pretenderia antecipar a data das eleições legislativas para o mês de Junho, com a intenção de apanhar os seus rivais conservadores de surpresa. Apesar de escrita com um cauteloso ponto de interrogação no fim, a notícia viria a revelar-se verdadeira. Aliás, revelar-se-ia mesmo um encadeado de surpresas: a data escolhida por Wilson fora uma delas, mas os eleitores britânicos, apesar das sondagens, tinham uma outra surpresa para o seu primeiro-ministro, pois foram os conservadores de Edward Heath a vencer as eleições em 18 de Junho.
22 de Março de 1980. Numa página sobre política nacional, o mesmo Diário de Lisboa amplifica a opinião de Vasco Pulido Valente quanto às perspectivas como decorrerão as próximas eleições presidenciais portuguesas, previstas para vir a ter lugar no final desse ano. Apesar de o jornal se ter tornado filo-comunista nos dez anos que medeiam estas duas notícias, a redacção desta mostra um anómalo respeito para com o opinador do outro lado do espectro político: «o antigo militante socialista, principal obreiro da coligação de direita e principal concorrente de Balsemão ao lugar de braço direito político de Sá Carneiro, definiu as divergências da esquerda como "estruturais" e as da coligação governamental como meramente "conjunturais".» Irá ser uma sina da longa carreira de opinador do recém falecido Vasco Pulido Valente, a capacidade de explicar-se assim tão bem, a ponto de dispensar cautelosos pontos de interrogação, persuadir mesmo os adversários políticos como os do Diário de Lisboa acima... e depois os factos mostrarem que se enganava redondamente. Não apenas Eanes se recandidatou, como venceu as eleições presidenciais em Dezembro de 1980, com as tais de "divergências estruturais" e tudo.
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21 março 2020
MANIPULAÇÃO TELEVISIVA
Na televisão, os gráficos são exibidos em questões de segundos e, quando explicados, são-no a um ritmo tão acelerado que, raramente dão espaço a que o telespectador compreenda do gráfico muito mais do que os elementos essenciais que o autor da informação quer enfatizar. No caso acima, de um programa televisivo de anteontem na CNN, a ideia seria demonstrar que o coronavírus também infecta os adultos mais novos («younger adults») em percentagens apreciáveis. Só que, para o demonstrar melhor, o gráfico acabou levando um trato de polé... Aparentemente, as faixas etárias pelas quais se distribuem os casos são equivalentes, abrangendo intervalos de 20 anos: começa-se pelos 0-19; 20-39; 40-59; 60-79; + 80. Devia ser assim. Mas depois, rebobina-se o vídeo e percebe-se que não é. Para que o gráfico desse um visual mais conforme, o intervalo seguinte dos jovens adultos foi alargado dos 20 aos 44 anos (25 anos), com 29% dos casos, a maior incidência de todos os níveis etários (aparentemente...). Porém, os intervalos seguintes são de 10 anos (45-54 e 55-64 anos), para que nenhum deles seja maior que o dos mais novos (em conjunto somariam 36%, o que seria superior ao nível etário anterior, estragando a mensagem). Para rematar, resta a constatação que 31% dos casos atingem aquilo que antigamente se designava por terceira idade, ou seja acima dos 65 anos, o que é também ainda superior aos casos registados nos jovens adultos. Ou seja: o gráfico, como aquele do défice apresentado pelo José Gomes Ferreira ao António Costa, é uma grande aldrabice. Se outrora estes truques passavam impunes, actualmente, porque os momentos ficam registados, a impunidade deixou de ser o que era. Ao contrário do que me parece que se repete com insistência desmesurada, a questão da aldrabice e da manipulação da informação não se circunscreve aos produtores avulsos das redes sociais: o problema é que, com uma frequência embaraçosa, os produtores institucionais (como aqui a CNN) são também apanhados a aldrabar e a manipular, e é assim que não se consegue preferir uns aos outros.
...ou, se calhar, consegue-se. Tome-se, para exemplo, este gráfico comparando a distribuição percentual das faixas etárias da população italiana e a distribuição (também percentual) dos casos de infecção por coronavírus. Por acaso, é muito mais esclarecedor e muito menos propenso a confusões do que o gráfico apresentado pela CNN. Por acaso, desmente completamente aquilo que a CNN pretenderia sugerir com a sua informação. Por acaso, encontrei o gráfico nas redes sociais, com o autor devidamente identificado e a identidade do autor à distância de uma pesquisa. E aqui entre nós: são acasos a mais...
O MASSACRE DE SHARPEVILLE
21 de Março de 1960. Dia do massacre de Sharpeville na África do Sul. A seu respeito pode dizer-se o mesmo que aqui escrevi por ocasião do 60º aniversário do massacre do Pidjiguiti na Guiné: «não nos podemos esquecer que estes episódios violentos terão sido, mais do que provavelmente, apenas os publicitados de uma longa lista deles, desconhecidos, que forçosamente acompanharam a implantação do regime (neste caso do apartheid) ao longo de décadas». Mas também ali recordo como todos estes episódios «foram explorados de forma muito semelhante para efeitos de propaganda: o contexto das reivindicações (normalmente laborais) é deturpado, o papel das organizações dirigentes é retocado, enquanto o número de vítimas é inflacionado». No caso de Sharpeville e como excepção, o número de vítimas é rigoroso e costuma ser secundarizado o facto de que a organização que estava por detrás dos protestos era o PAC (Pan Africanist Congress of Azania), uma dissidência do hegemónico e agora omnipresente ANC (African National Congress), que se apropriou da data. Quanto ao vídeo que inseri acima é uma recriação de um filme de 2013.
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VIRAM DO IPIRANGA AS TELAS ESTUPEFACTAS...*
* Trata-se de uma adaptação da letra do hino brasileiro, que começa com a estrofe «OUVIRAM DO IPIRANGA AS MARGENS PLÁCIDAS...»
E, já agora, pespegando uma nota de patriotismo adicional ao ridículo da cena, podiam ter escolhido uma máscara em verde e amarelo, em vez do pequeníssimo pin na lapela com as cores nacionais, que mal se nota...
20 março 2020
LAMARTINE E A ILUSÃO DE QUE SÃO AS PALAVRAS QUE CONDICIONAM OS ACONTECIMENTOS
No século XIX houve um poeta francês chamado Alphonse de Lamartine (1790-1869) que se julgava o detonador da revolução parisiense de Fevereiro de 1848, revolução essa que veio a derrubar o rei Luís Filipe de Orleães. Tudo porque, num discurso inflamado num banquete que reunira todos os vultos da oposição ao regime, pronunciara um discurso de uma eloquência apaixonada que ele cria ter ateado a fogueira da revolta. «Se suceder as baionetas destruírem a lei, então eu sei, senhores, que defenderemos a liberdade e o futuro do povo, primeiro, com as nossas palavras, depois, com as nossas vidas. Hoje, as palavras devem dar lugar ao actos.» Ergueram-se barricadas e dois dias depois o rei abdicara e o regime caía. Tudo se circunscrevera a Paris. A revolta custara a vida a cerca de 350 parisienses numa urbe que então já contaria com um pouco mais de um milhão de habitantes. Pelo resto da sua vida, Lamartine permaneceria genuíno no desgosto como assumia como predominantemente suas as responsabilidades pelo sangue derramado durante aquela jornada. Era comovente e, ao mesmo tempo, patético. Jornada sangrenta que tivesse sido, para comparação, diga-se que durante a epidemia de cólera de 1832 haviam morrido 32.000 parisienses... E os revoltosos não haviam partido para erigir e guarnecer barricadas por causa do entusiasmo de um orador no fim de um repasto.
Desde 1848 muitas explicações se sucederam para o que aconteceu nos últimos dias de Fevereiro de 1848, mormente o efeito de contágio que o episódio provocou pelo resto da Europa. A explicação que terá tido mais «saída» até aos finais do século XX foi a de Karl Marx. Hoje a revolução de 1848 está muito esquecida, e as pretensões pueris de Lamartine ainda mais. O que não invalida que se encontre por aí muita gente que, mesmo que não saiba de quem se trata, compartilha com ele a ilusão do poder das palavras. Caso de João Miguel Tavares no seu texto de ontem no Público, queixando-se do impacto da palavra guerra para descrever o que está a acontecer à economia. O comportamento das pessoas e o impacto económico que a cessação de muitas actividades estará a ter, é coisa que não me parece que possa depender da semântica escolhida para os descrever. É uma daquelas situações especiais na História em que são as circunstâncias do que está a acontecer que arrastam atrás de si as palavras e o formato de como os acontecimentos são descritos limita-se a ser uma mera consequência dos factos. O pânico existe, está espalhado, encontramo-lo por todo o lado e até nos pequenos gestos, não se espalhou por alguém lhe ter chamado uma guerra. João Miguel Tavares tem esta ilusão de que as coisas poderiam mudar por causa do que se escreve, assim como Lamartine se iludia de que os combatentes tinham ido combater para as barricadas inspirados pelo seu discurso.
A INDEPENDÊNCIA DA NAMÍBIA
20 de Março de 1990. Data da(s cerimónias da) independência da Namíbia. Uma história colonial complexa culminava nas cerimónias que as imagens abaixo mostram. A presença do secretário-geral da ONU, Javier Pérez de Cuéllar (recentemente falecido), servia para conferir ao momento a legitimidade internacional que a potência administrante (África do Sul) carecia. No resto, a cerimónia assemelhava-se a tantas outras.
Também ali houvera uma guerra subversiva especialmente activa no período entre 1979 e 1989. E também ali, toda a superioridade militar manifestada no terreno pelo exército sul-africano de pouco terá servido à mesa das negociações. Livros como o que exibo abaixo, muito informativos que sejam, dispersam-se a analisar os detalhes da guerra, ou seja árvore a árvore, perdendo de vista a paisagem e a floresta.
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ONDE ESTÁ O WALLY? EDIÇÃO CORONAVÍRUS
Nesta versão actualizada em função dos acontecimentos, torna-se muito mais fácil encontrar o Wally e tem que se escolher outro jogo para passar as horas.
19 março 2020
«NÃO SE MATAM LEÕES COM FISGA... NEM MOSCAS COM CARABINA...»
...eram os dizeres de um anúncio publicitário televisivo da década de 1960. Tão antigo que já não me lembro a que produto se destinava. Mas a imagem era muito boa, porque combinava a ineficácia do que era insuficiente (a fisga para dar cabo dos leões) com a daquilo que era excessivo (as balas para dar cabo das moscas). Notoriamente, e em questões de armamento, esta ideia da adequação dos meios ao objectivo nunca terá sido bem acolhida nos Estados Unidos. Agora têm uma crise com um vírus e vai tudo fazer fila para a porta dos armeiros. Fica por perceber se a intenção de todos estes compradores será a de disparar sobre os vírus, se é para propiciar um tratamento radical aos portadores do covid-19, assim ao jeito do enredo de base da série de TV «The Walking Dead».
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TEMPO QUE AGORA TEMOS DISPONÍVEL PARA ASSISTIR A VÍDEOS
O vídeo de cima é de Rodrigo Guedes de Carvalho a explicar-nos o que é o Estado de Emergência e o vídeo de baixo é de Joana Marques a explicar-nos o que é o Rodrigo Guedes de Carvalho. Percebe-se melhor se começarmos pelo segundo. Tanto mais que, quando Rodrigo gravou o vídeo, ainda não fora publicada qualquer legislação específica ao abrigo do Estado de Emergência e o que ele nos diz dura um escasso minuto preenchido por banalidades. Aquilo que, de concreto, as pessoas precisam de saber... ainda não se sabe. Eu acredito que pessoas como Rodrigo Guedes de Carvalho até queiram ser bem intencionadas, mas a pose assertiva que têm vindo a adoptar, mais do anula a simpatia com que poderíamos condescender com o gesto, esquecendo o estilo.
SOBRE A ARTE DE DESCONVERSAR...
Um dos momentos que mais me marcou no cinema sobre a arte de desconversar acontece na cena acima do filme italiano A Vida é Bela (1997). Quando o filho (Josué) de Guido (Roberto Begnini) decifra com algum custo os dizeres do cartaz que está afixado na pastelaria - «Não são permitidos judeus nem cães» - e perante a natural pergunta do filho, o pai tenta banalizar o seu significado.
- «Eles apenas não querem que os judeus e os cães entrem. Cada um faz o que quer. Por exemplo, na loja de ferragens do lado não gostam de espanhóis nem de cavalos. Nesta outra loja, ontem vim cá com um amigo chinês que trazia um canguru. Não nos deixaram entrar. Que é que se pode fazer?»
- «Mas nós deixamos todos entrar na nossa livraria» - contra-argumenta Josué.
- «Mas isso vai mudar. Vamos fazer um cartaz também. De quem é que tu não gostas?»
- «Eu não gosto de aranhas. E tu?»
- «Eu não gosto de visigodos. A partir de amanhã vamos escrever um cartaz proibindo a entrada às aranhas e aos visigodos. Estou farto de visigodos.»
Infelizmente, nas ocasiões da vida em que se nota que alguém desconversa, a cena costuma revestir-se de muito menos ternura...
18 março 2020
O NOVO «GURU» DA CORONAHISTERIA (1)
Apesar dos títulos, o objecto deste poste não se refere à pandemia, antes à sociologia que ela veio a revelar. Estes são dois artigos de opinião da mesma pessoa, publicados com um intervalo de cerca de duas semanas. No principio deste mês, o autor, não negando o ritmo acelerado da disseminação do vírus, negava importância ao fenómeno: «O coronavírus já está em Portugal (...). Isso é preocupante? Não particularmente (...)» A verdade é que ninguém lhe passou cartão e a sua opinião foi chutada para uma esquecidíssima página da Ovar News. Uma semana depois Jorge Buescu voltou a ter uma segunda oportunidade e desta vez já não a desperdiçou: «Estes números são absolutamente assustadores. (...) Não é exagero dizer que a Europa está a ser engolida por um tsunami.» Esta era a opinião que interessava ao Observador porque qualquer bom jornal publica aquilo que acha que os seus leitores querem ler. E, nesta hora crítica, o que os leitores desejam é assustar-se a valer com as consequências da pandemia. E um bom jornal dá-lhes isso. Ninguém liga nenhuma a que, na edição seguinte, tenha aparecido quem viesse contestar o susto. E é assim que temos um matemático, que até começara nisto por «uma questão de serviço cívico», a ver-se guindado, pelas necessidades informativas, ao estatuto de, recuperando a sua própria expressão inicial, «guru da coronahisteria», assinando hoje uma página naquele mesmo Observador por onde perpassa o dramático, o trágico e o esperançoso. É engraçado como esta crise veio mostrar que em Portugal parece existirem pessoas tecnicamente qualificadas para lidar com estas situações - e que até têm sido frequentemente solicitadas para aparecerem na comunicação social. Mas, pelos vistos, o que elas têm para dizer não é bem aquilo que ajuda os órgãos de comunicação social a chamarem a atenção sobre si.
É óbvio o propósito dos jornais no exemplo acima, onde, das declarações de «seis especialistas», a jornalista do Observador vai buscar aquela que lhe pareceu mais dramática e assustadora - «somos galhos secos à espera que o fogo nos queime» - para título do artigo. Os jornalistas não precisam de especialistas bisonhos, que, por perceberem do assunto, se mostrem comedidos naquilo que dizem. O que eles precisam é de protagonistas que, percebendo ou não do assunto, se prestem à coreografia da história que se quer contar para captar a atenção do auditório. Que, neste caso, é - tem de ser - trágica. É por isso que pessoas como Jorge Buescu (que - objectivamente - não percebe a ponta de um corno sobre epidemias) despontam para a popularidade. E a ânsia de protagonismo das pessoas faz o resto, porque há imensa gente a dispor-se a fazer figuras muito ridículas pelos seus quinze minutos de fama.
AS PRIMEIRAS E ÚLTIMAS ELEIÇÕES LIVRES NA REPÚBLICA - DITA - DEMOCRÁTICA ALEMÃ
18 de Março de 1990. Realizam-se aquelas que serão as primeiras e últimas eleições verdadeiramente livres no território que formava a República - dita - Democrática Alemã. Foi uma vitória conservadora conforme noticiava o Diário de Lisboa do dia seguinte, embora houvesse um spin grosseiro na forma como era avaliada a prestação eleitoral do partido que sucedera aos comunistas do SED (que haviam sido o poder durante 40 anos). Em qualquer país e em quaisquer eleições, qualquer partido que está no poder e se apresenta a votos e depois recebe 16,3%, sofre uma tremenda derrota. Mas o Diário de Lisboa, fiel à reputação filo-comunista que criara depois do 25 de Abril, ainda tentava consolar os seus leitores de que aqueles haviam sido «bons resultados». Fábulas.
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