11 março 2020

O BANQUEIRO

Não se pode dizer que a notícia da morte de José Oliveira e Costa tenha sido acompanhada de evidentes manifestações de pesar. Como o deixaram expresso alguns jornais, foi um banqueiro que foi condenado a 15 anos de prisão e que acabou por não cumprir nem um só dia de prisão da pena a que fora condenado. Quanto à reputação de que gozam os banqueiros em Portugal, o falecido ombreia com Dias Loureiro e com os Espíritos Santos (aquelas escutas!) na responsabilidade pelo seu arrasamento. Hoje qualquer banqueiro é suspeito até prova em contrário. Quanto à eficácia da justiça em Portugal, o exemplo de Oliveira e Costa demonstrou que não é preciso ser-se presidente de clube de futebol para se gozar de uma imunidade prática às suas sanções. Mas a constatação de que os banqueiros podem ser pessoas muito chãs e banais, escroques mas estúpidos, é algo que de há muito era sabido, como se comprova por esta passagem da série política Yes, Minister, já com quase quarenta anos (1981), e que aqui aproveito para publicar em alusão ao antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, ontem falecido. O episódio é um dos iniciais, intitula-se «Qualidade de Vida», uma expressão então muito na moda (nós tivemos por cá um ministério assim designado) e o enredo assenta no facto de que um banco da city londrina quer ampliar o seu arranha-céus com mais seis andares, numa altura em que é politicamente conveniente mostrar preocupação com o desfiguramento da paisagem. Sir Desmond Glazebrook preside a esse banco. E Sir Humphrey Appleby dispensa apresentação.

Sir Humphrey Appleby: - Não leu o Financial Times desta manhã?
Sir Desmond Glazebrook: - Nunca o leio.
HÁ – Bom, sendo um banqueiro, você não devia ler o Financial Times?
BG – Não percebo o que está lá escrito. Vem cheio de teorias económicas.
HÁ – Então porque é que o compra?
BG – Oh, já sabe, é como se fizesse parte do uniforme. Demorei para aí uns trinta anos a tentar perceber as teorias económicas de Keynes e quando achei que conseguira, as pessoas começaram a engraçar com estas novas teorias monetaristas, como aquele livro do «Eu quero ser Livre» do Milton Schulman... (nota: na verdade Liberdade para Escolher)
HA – Milton Friedman...
BG – Porque é que eles têm de se chamar todos Milton? Eu cá tinha-me ficado pelo Milton Keynes.
HÁ - ...Maynard Keynes.
BG – Tenho a certeza que há um Milton Keynes qualquer...
HÁ – Pois. Há... mas... Deixe lá. Sente-se, se faz favor. Portanto não chegou a ler o discurso do ministro à Associação de Arquitectos ontem à noite em que ele atacava os arranha-céus e que foi muito bem recebido.
BG – Mas o nosso não é um arranha-céus!
HÁ – Quantos andares tem?
BG – Trinta e oito. Ou melhor... quarenta e quatro com os seis adicionais que queremos construir.
HÁ – É que ele disse que o máximo que devia ser permitido era... oito.
BG – Mas você não pode dar a volta a assunto? Uma coisa progressiva: oito, doze, dezoito,... por aí acima. Afinal, é a sua função, não é, tratar dessas coisas?
HÁ – É. Mas as coisas agora estão difíceis por causa destes manifestos ambientalistas.
(...)
A cena prossegue. Para aqueles que forem mais duros de ouvido e que se sintam mais à vontade com o inglês escrito, a cena aparece descrita abaixo, na versão em livro da série.
Numa fase posterior, esta mesma personagem de Sir Desmond Glazebrook, o banqueiro ignorante e estúpido, há-de reaparecer, e acabar sendo nomeada para presidir ao Banco de Inglaterra, precisamente por não perceber nada de finanças. Constate-se que este último aspecto da vida política tornou-se muito mais exigente nestes últimos quarenta anos: Mário Centeno, que anda a namorar o cargo equivalente cá em Portugal, sabe decerto quem foi Milton Friedman...

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