11 abril 2015

VIAGEM AO PASSADO E AO VERDADEIRO ESPÍRITO REVOLUCIONÁRIO DE HÁ QUARENTA ANOS (com alguns apontamentos de modernidade)


O M.E.S. É COMUNISTA
 
Alguns milhares de pessoas compareceram no comício promovido pelo Movimento de Esquerda Socialista ontem, à noite, no Pavilhão dos Desportos. Cantado (sic) em coro a Internacional, iniciou-se a reunião, preenchida por cinco intervenções sobre pontos fulcrais da política nacional e pela leitura de moções por trabalhadores das empresas Eurofil, Covina e Automática Electric Portuguesa.
Augusto Mateus (acima, fotografia actual) da Comissão Política Nacional do M.E.S. abriu o comício com uma intervenção subordinada ao tema «A Crise do capitalismo e a organização do movimento anticapitalista». Começou por afirmar que «a reconstrução nacional, na actual conjuntura política, é uma forma de explorar os trabalhadores». Entretanto, a reacção vai-se reorganizando e adaptando, afirmou. Em face de tal situação, será necessária uma ofensiva dos trabalhadores para derrotar o capitalismo, desbravando assim o caminho da revolução socialista: «o capital não pode ser derrotado com hesitações e compromissos».
Referindo-se ao Plano Económico elaborado pelo Governo Provisório, Augusto Mateus acentuou: «O capital não se controla, ataca-se. Há que exigir a nacionalização da banca provada e a nacionalização dos sectores básicos da indústria. Porém o processo de nacionalização por si só não chega. A nacionalização sim, mas sob o controlo dos trabalhadores». Mais adiante sublinhou que no Governo Provisório há algumas individualidades comprometidas com os grupos financeiros instalados no Ministério da Economia. «Temos que enfrentar a expressão capitalista em todos os seus aspectos». O orador é interrompido pelo público que grita: «Lutar. Criar. Poder Popular», uma das palavras de ordem do M.E.S.
O que é o Poder Popular? Como se cria? Augusto Mateus responde às suas próprias perguntas dizendo que o Poder Popular será a organização dos trabalhadores sob a forma de comissões nas empresas, nas fábricas, nos campos, nos bairros, nos quartéis. Ao desenvolver-se esta ideia o dirigente do M.E.S. sublinhou que não se deve confundir as comissões de trabalhadores com as comissões sindicais. «Nas fábricas, nos campos, os trabalhadores vencerão» foi o estribilho que acompanhou o final da exposição de Augusto Mateus.
A segunda intervenção esteve a cargo de Ferreira Guedes. Fundamentou-se sobretudo na «Questão Sindical». Foi focado o problema da unicidade sindical que tanta polémica originou entre partidos e agrupamentos políticos. «Não é por acaso que o P.S. e o P.P.D. se encontram no mesmo lado da barricada na questão sindical,» afirmou Ferreira Guedes ao criticar a atitude e a intenção de certos partidos quando defendem o pluralismo sindical. E salientou o papel dos grupúsculos ditos de extrema-esquerda que na sua oposição cega ao Partido Comunista acabam por cair no caminho da direita. «Se o P.C. controla a maioria dos sindicatos não será por isso que vamos atacar a existência de uma central única dos trabalhadores».
Ferreira Guedes deixou bem definido que o M.E.S. está empenhado numa democracia sindical e que lutará por uma autonomia dos sindicatos perante o Estado, uma vez que defende um «sindicalismo de classe». Em seguida criticou a actuação do P.C., dizendo que aquele partido tem torpedeado e atacado algumas lutas dos trabalhadores, nomeadamente na T.A.P., C.T.T., Jornal do Comércio e, mais recentemente, a manifestação de 7 de Fevereiro. Porém, também afirmou que sempre que o P.C. traçar uma linha coerente anticapitalista, o M.E.S lhe dará o seu total apoio.
Rogério de Jesus falou sobre os vários partidos reaccionários que por aí» andam a tentar enganar as pessoas». Citou a crise Palma Carlos, «na qual estiveram envolvidos Sá Carneiro, Spínola e a burguesia». Referiu-se também a Sanches Osório, que agora aparece num partido que, apelando para os sentimentos religiosos, «não é mais que a expressão hierárquica reaccionária da Igreja». O papel do C.D.S. antes do 25 de Abril: “Onde esteve? No parlamento fascista. Pois não nos venha enganar com pezinhos de lã.» Quanto ao P.P.D. «Esse partido usa e abusa das palavras como democracia e popular, esquecendo que Pinto Balsemão escreveu um livro que defendia abertamente Marcelo Caetano». Rogério de Jesus incluiu igualmente o P.S., «o tal do socialismo em liberdade», no seu leque de críticas. Dissertando sobre este conceito afirmou que «o socialismo consistia na liberdade para os trabalhadores e na opressão para a burguesia».
Colocou o P.P.D. e o P.S. no mesmo saco, ao dizer que “quando eles falam de socialismo, esganam-se e arrepelam-se a ver quem é mais social-democrata». Numa outra passagem analisou «a violência revolucionária que tanto preocupa a burguesia e os hesitantes» para dizer: «Esses esquecem a violência que os trabalhadores sofreram durante o fascismo». Rogério de Jesus terminou apelando para a união dos trabalhadores na base em acções concretas e planeadas.
Depois de lidas moções referentes à luta dos trabalhadores das empresas Covina e Eurofil, Afonso de Barros (fotografia da época), da Comissão Política, lembrou que o M.E.S. considera as eleições inoportunas e contra os interesses dos trabalhadores. No entanto, o M.E.S. já reuniu as assinaturas necessárias para a sua legalização. E intervirá no acto eleitoral como meio de divulgar as suas posições e também de lutar por uma Assembleia Popular a partir das comissões de trabalhadores (nas fábricas e nos campos), dos conselhos de aldeias, das comissões de moradores, dando origem aos Conselhos dos Trabalhadores de Zona. A estas estruturas devia competir o exercício do Poder e a eleição de uma Assembleia. Todavia, Afonso de Barros considera que o avanço da luta dos trabalhadores ainda não é bastante para se chegar a concretizar tal assembleia. Mas o M.E.S. lutará por ela. Não só neste momento como depois das eleições burguesas. Mais adiante criticou o P.C. e o M.D.P por encararem com «um certo silêncio e timidez» a questão das eleições, não denunciando firmemente o carácter desmobilizador que elas encerram.
Finalmente, Ribeiro Mendes (acima, fotografia actual) explicou «porque somos comunistas». Já que a burguesia e os seus lacaios tentam de todas as formas «anestesiar a luta dos trabalhadores», o M.E.S. acha-se no direito de confessar a sua condição de movimento comunista. Depois de declarar «os trabalhadores têm o direito de saber que espécie de comunistas somos nós» Ribeiro dos Santos (sic¹) denunciou os socialistas de fachada, salientou que «ser comunista é estar em cada momento à altura das circunstâncias» e defender «a instauração da ditadura do proletariado» que é uma ditadura que se define pela «máxima democracia para os trabalhadores e pela máxima ditadura para os capitalistas exploradores», Ribeiro Mendes acentuando que o M.E.S. não se considera o partido da classe operária antes lhe competindo «a tarefa imediata da luta pela unificação das forças de vanguarda capazes de fazer a coordenação das lutas parcelares e a sua síntese política concretizada num projecto socialista alternativo ao domínio da burguesia e às tintas (sic) do compromisso reformista».
O comício terminou com a leitura e aprovação de uma moção anticolonialista, de apoio ao M.P.L.A. e de uma moção exigindo a saída de Portugal da N.A.T.O.

Notícia publicada no Diário de Lisboa de 20 de Fevereiro de 1975.
¹ Ribeiro Santos tornara-se um nome muito citado na imprensa daqueles tempos, mesmo um ícone, mas de uma formação rival do M.E.S., o M.R.P.P. Isso explicará o deslize do jornalista.

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