12 abril 2015

QUATRO ANOS AVALIADOS EM SETE PARÁGRAFOS

Há já bastantes anos que considero que o Expresso não vale o preço pelo qual se pretende cobrar mas considero que o artigo de hoje de Nicolau Santos naquele mesmo jornal valerá, só por si, o preço de vários Expressos:

Fez no dia 6 de Abril quatro anos que Portugal pediu ajuda internacional. É mais do que tempo de fazer o balanço dos erros, mentiras e traições deste período e desconstruir o discurso que os vencedores têm produzido sobre o que se passou.

A 4 de Abril, Angela Merkel elogia os esforços do Governo português para combater a crise, através de um novo plano de austeridade, o PEC 4. Com o apoio da chanceler alemã e do presidente da Comissão Europeia havia a real possibilidade de Portugal conseguir um resgate mais suave, idêntico ao que Espanha depois veio a ter. O primeiro-ministro, José Sócrates, dá conta ao líder da oposição, Pedro Passos Coelho, do que se passa. Este, pressionado pelo seu mentor e principal apoio partidário, Miguel Relvas, recusa-se a deixar passar o PEC 4, dizendo que não sabia de nada e que não apoiava novos sacrifícios. O seu objectivo é a queda do Governo e eleições antecipadas (ver o livro “Resgatados”, dos insuspeitos jornalistas David Dinis e Hugo Filipe Coelho). O Presidente da República, Cavaco Silva, faz um violento ataque ao Governo no seu discurso de posse, a 4 de Abril, afirmando não haver espaço para mais austeridade. Os banqueiros em concertação pressionavam o ministro das Finanças. Teixeira dos Santos cede e coloca o primeiro-ministro perante o facto consumado, ao anunciar ao “Jornal de Negócios” que Portugal precisa de recorrer aos mecanismos de ajuda disponíveis. Sócrates é forçado a pedir a intervenção da troika. Merkel recebe a notícia com estupefacção e irritação.

O Memorando de Entendimento (MdE) é saudado por políticos alinhados com a futura maioria, por economistas de águas doces, por banqueiros cúpidos e por comentadores fundamentalistas e bastas vezes ignorantes, pois, segundo eles, por cá nunca ninguém conseguiria elaborar tal maravilha. Hoje, pegando nas projecções para a economia portuguesa contidas no MdE, é espantoso constatar a disparidade com o que aconteceu. Em vez de um ano de austeridade tivemos três. Em vez de uma recessão não superior a 4%, tivemos quase 8%. Em vez de um ajustamento em 2/3 pelo lado da despesa e 1/3 pelo lado da receita, tivemos exactamente o contrário: uma austeridade de 23 mil milhões reduziu o défice orçamental em apenas 9 mil milhões. Em vez de um desemprego na casa dos 13%, ultrapassámos os 17%. Em vez de uma emigração que não estava prevista, vimos sair do país mais de 300 mil pessoas. E em vez de a recuperação ser forte e assente nas exportações e no investimento, ela está a ser lenta e anémica, assentando nas exportações e no consumo interno. A única coisa que não falhou foi o regresso da República aos mercados. Mas tal seria possível sem as palavras do governador do BCE, Mario Draghi, no verão de 2013, ou sem o programa de compra de dívida pública dos países da zona euro? Alguém acredita que teríamos as atuais taxas de juro se não fosse isso, quando as agências de rating mantêm em lixo a nossa dívida pública? Só mesmo quem crê em contos de crianças.

Durante o período de ajustamento, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, sublinhou sempre que o nosso sistema financeiro estava sólido. Afinal, não só não estava sólido como tinha mais buracos do que um queijo gruyère. BCP, BPI e Banif tiveram de recorrer à linha pública de capitalização incluída no memorando da tróica, o BES implodiu, a CGD foi obrigada a fazer dois aumentos de capital subscritos pelo Estado, o Montepio está em sérias dificuldades — e só o Santander escapou.

O ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o primeiro responsável da tróica, Poul Thomsen, negaram durante dois anos que houvesse um problema de esmagamento de crédito às empresas. Pelos vistos desconheciam que a esmagadora maioria das PME sempre teve falta de capital, funcionando com base no crédito bancário. Como os bancos foram obrigados a cortar drástica e rapidamente os seus rácios de crédito, milhares de empresas colapsaram, fazendo disparar o desemprego. Gaspar e a tróica diriam depois terem sido surpreendidos com esta evolução. A sobranceria dos que se baseiam na infalibilidade do Excel, aliada à ignorância dos que pensam que a mesma receita funciona em qualquer lugar, tem estes resultados.

Passos Coelho disse e redisse que as privatizações tornariam a economia portuguesa muito mais competitiva, levando os preços praticados a descer. Pois bem, a EDP foi vendida a muito bom preço porque as autoridades garantiram aos chineses da Três Gargantas que os consumidores portugueses continuariam a pagar uma elevada factura energética. E assim tem sido. Os franceses da Vinci pagaram muito pela concessão da ANA porque lhes foi garantido que poderiam subir as taxas sempre que o movimento aeroportuário aumentasse. Já o fizeram por cinco vezes. O Governo acabou com a golden share na PT e não obstou à saída da CGD do capital da telefónica. Depois assistiu, impávido e sereno, ao desmoronamento da operadora. A CGD foi obrigada pelo Governo a vender por um mau preço a sua participação na Cimpor. Hoje, a cimenteira é uma sombra do que foi: deixou de ser um centro de decisão, de competência e de emprego da engenharia nacional. Os CTT foram privatizados e aumentaram exponencialmente os resultados, à custa da redução do número de balcões e da frequência na entrega do correio.

A famosa reforma do Estado resumiu-se na prática a aumentar impostos, cortar salários, pensões e apoios sociais, bem como a fragilizar as relações laborais, flexibilizando o despedimento individual, diminuindo o valor das indemnizações, reduzindo o valor do subsídio de desemprego e o seu tempo de duração. O modelo económico passou a assentar numa mão de obra qualificada mas mal paga, em empregos precários e não inovadores, em trabalhadores temerosos e nada motivados.

O programa de ajustamento fez Portugal recuar quase 15 anos. Perdemos centro de decisão e de competência e não apareceram outros. A classe média proletariza-se sob o peso dos impostos. Nos hospitais reaparecem doenças e epidemias há muito erradicadas. O investimento estrangeiro estruturante não veio, o perfil da economia e das exportações não se alterou, a aposta na investigação eclipsou-se. E tudo para se chegar a um ponto em que a tróica nos continua a dizer que já fizemos muito mas que é preciso fazer mais — e os credores internacionais nos vão manter sob vigilância até 2035. Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade mostra que este ajustamento não teve apenas algumas coisas que correram mal — foi um colossal falhanço. E, desgraçadamente, os próximos anos vão confirmá-lo.

Parece-me cristalinamente óbvio – e agora sou novamente eu e não Nicolau Santos a opinar – que o Projecto Europeu não se pode resumir para Portugal a uma história de quinze anos de uma chuva de dinheiro (1986-2000), seguida de uma década de estagnação (2000-2010), a que se seguem agora outros quinze anos de penitência. Isto não é uma história bíblica como as pragas do Egipto. A César o que é de César.

3 comentários:

  1. Contrariamente ao meu caro amigo (fórmula reflectida e absolutamente verdadeira que não visa amenizar o eventual desagrado do dono do pedaço), não é habitual encontrar nas opiniões expressas por esta personagem de lacinho ideias com que concorde ou que, pelo menos, não me suscitem reservas. Este artigo não é excepção. Entre as objecções que me levantam contam-se algumas já apontadas por si, amigo Teixeira, a um artigo, focado e datado, de uma outra jornalista. Argumentava então que: “O que não se pode fazer é cobrir os assuntos … pecando por omissão em dois aspectos cruciais: a) Subentendendo-se que … tendiam a correr bem, connosco é que correram mal - o que é manifestamente falso; b) Subentendendo-se que a questão … se começou a colocar a partir de …, quando ela se começara a colocar … antes.
    Só a omissão destes dois aspectos é que permite um certo género de revisionismo histórico - que eu reputo necessário, mas que no caso do texto … está feito de uma forma primária e excessiva.”

    Pois… mais uma vez, a focagem e datação (que acho inevitável quando se trata de um artigo de opinião jornalístico, que não deverá exceder um espaço Y ou X caracteres) não permitem mostrar o quadro completo, se é que alguma vez se pretendeu fazê-lo. Ao focarmos a árvore, deixamos de fora a floresta, o terreno, a semente e a humidade ou falta dela. Para já não falar na poda, em quem a faz, com que orientação e objectivos.

    Porque é referido o PEC4 e o que dele se poderia esperar, convirá não esquecer que foi precedido de outros e que, mesmo após o terceiro, um ministro da "propaganda" muito jovial (de que já não me recordo o nome) continuava, apressada e alegremente, a assinar contratos de trechos de autoestradas e de linhas TGV, sendo público que o PSD criticava esses investimentos já desde o tempo da Dra. Ferreira Leite.

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  2. Além de se apresentar de lacinho, costuma acrescentar-se que a personagem em questão – Nicolau Santos – se deixou «enrolar» totalmente pelo Artur Baptista da Silva. É pormenor que o diminui ainda mais, mas agora escreva-se em minha defesa que eu não concordarei com tudo o que ele escreve - assim como não discordarei de tudo o que escreve a Helena Matos. Confesso contudo que o mais lisonjeiro de tudo o que acima é escrito é ver-me citado, ainda que o seja para servir de refutação a mim mesmo.

    O que eu posso tentar argumentar em minha defesa é que no caso do qual as minhas citações são extraídas está-se a falar daquilo que aconteceu há 40 anos, a caminho de se ser analisado historicamente – e daí a disputa revisionista. Será que os raciocínios ali evocados (depois de devidamente editados) podem ser transpostos para um balanço do que aconteceu nos últimos quatro anos e ainda está em curso – ou seja, política pura e dura?...

    E em política pura e dura tudo tende a ser “feito de uma forma primária e excessiva”. Tomemos este exemplo: admita-se que gostar de uma opção política assume o valor 1; que não gostar de uma outra opção política assume o valor 0. E repare-se como a refutação de quem é (1,0) (defende Passos Coelho apesar de tudo, quando em comparação com Sócrates) tende a atacar Sócrates, como se o interlocutor fosse obrigatoriamente (0,1) (ser-se contra Passos Coelho implica que se é pró-Sócrates). Então não pode existir a posição (0,0) (crítica de Passos Coelho E de Sócrates)? Para não mencionar a (1,1), actualmente inconcebível, uma que só o distanciamento de várias décadas (40 anos?) poderá dar cabimento...

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  3. Conhecendo-nos mutuamente suficientemente bem, ambos sabemos que nenhum de nós raciocina em código binário. Pela minha parte, infelizmente, tendo cada vez mais para o conjunto vazio. Ainda assim, faço a desnecessária confissão de que, quando os protagonistas são os referidos, não consigo evitar de atribuir a um deles o código “0”, o que não implica “1” para o outro (longe disso) nem tão-pouco considerar que quem discorda de mim assume uma posição simétrica.
    Por outro lado, extravasando o nosso duo, parece-me não poder sofrer grande contestação o facto de que, em se tratando de personagens ligadas a uma determinada força política, pendam sobre elas quaisquer que sejam as dúvidas ou acusações, logo se levanta um coro de vozes indignadas de testemunhas de defesa, cegas e surdas a quaisquer argumentos, que aos beijos e abraços desatam a disparar em todas as direcções. Este panorama, sejamos justos, não se verifica quando as pessoas visadas são de outro quadrante político.
    Quanto ao momento da “política pura e dura”, será que isso justifica excessos e primarismo de um jornalista com as responsabilidades e mediatismo do indivíduo em questão? É que, se o fervor e empenho são assim tão fortes, talvez devesse e pudesse fazer algum tipo de declaração de interesses, sem o que, no palco que ocupa, é suposto manter um mínimo de isenção e equidistância.

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