09 abril 2015

OS «GRANDIOSOS» EXÉRCITOS NACIONALISTAS ANGOLANOS

É da própria natureza das informações militares que o seu trabalho seja classificado e permaneça depois desconhecido por décadas, a não ser que as consequências dos seus erros de avaliação venham a ter implicações muito concretas na História. Será o caso do livro acima, Military Intelligence Blunders and Cover-Ups, onde se analisam os efeitos mais grandiosos de erros de avaliação das informações militares - Barbarossa (1941), Tet (1968), Yom Kippur (1973), Malvinas (1982). Mas o que nos escapa é que a esmagadora maioria das vezes, os erros (alguns deles igualmente clamorosos) de avaliação dos profissionais da espionagem militar morrem nos dossiers que, quando liberados décadas passadas, perderam a importância e já ninguém estaria interessado em os conhecer. Não fosse a dedicação de alguns. Ora foi por acaso que me deparei com páginas de um livro que contém as transcrições dos relatórios confidenciais da 2ª Repartição do Estado Maior do Exército antes e durante uma parte do período do PREC (entre Novembro de 1974 e Junho de 1975). O livro foi publicado há cerca de ano e meio e o seu autor é José Manuel Duarte de Jesus.
É um desses trabalhos raros mas não me compete nem é meu objectivo apreciar aqui o livro. Em primeiro lugar porque só o conheço parcialmente, a partir das páginas que se encontram disponíveis na internet. E em segundo lugar porque o seu conteúdo, precioso que seja para completar uma imagem que já possamos ter do que foram os tempos do PREC e de alguns aspectos de detalhe que não me lembro de ver mencionados noutras fontes, não se parece debruçar particularmente sobre a situação militar específica das forças armadas portuguesas de então, distribuídas, recorde-se, não apenas pelo Portugal a que hoje estamos habituados, mas também por África, pelas várias colónias portuguesas em fase de acessão à independência. E é precisamente sobre isso, que encontrei – em página que não posso precisar por falta de numeração, mas que exibo abaixo – um quadro que presumo terá sido elaborado naquela repartição em Fevereiro de 1975, com as suas estimativas dos efectivos combatentes dos movimentos de libertação angolanos.
Apresentando um grande total de 64.000 guerrilheiros para o conjunto das quatro formações¹ é difícil qualificar a informação sem atingir pessoalmente o seu autor pela sua completa falta de lucidez. Para comparação, os efectivos portugueses em Angola rondariam os 65.000 e este gozava de uma evidente superioridade militar no terreno, superioridade essa que seria impossível se os efectivos inimigos fossem os estimados. Apesar das dificuldades em calcular os efectivos das formações irregulares, estimativas mais lúcidas² apontam para que aquele número sextuplique (6x) ou mesmo decuplique (10x) aquilo que seria a realidade. Tal exagero seria compreensível se se tratasse de uma peça de propaganda; sê-lo-á bastante menos tratando-se de um documento classificado – portanto, a ser levado a sério. O efeito perverso óbvio é que os decisores em Portugal lidavam com os movimentos atribuindo-lhes capacidades que eles não tinham. Que o PREC tivera apontamentos do que se pode classificar por delírio colectivo, já se sabia. Que esse delírio tenha afectado uma daquelas figuras que se toma naturalmente por sóbria mesmo nos momentos mais confusos – o oficial de informações – isso é que foi novidade para mim...

¹ Chipenda refere-se a uma facção dissidente do MPLA, pessoalmente fiel ao seu dirigente Daniel Chipenda, que se viria a juntar posteriormente à FNLA.
² Por exemplo, Douglas L. Wheeler (African Elements in Portugal´s Armies in Africa, p.277) aponta para um total de 6.000 para as três formações; outras estimativas também igualmente conservadoras poderão ser vistas decompostas (FNLA, MPLA e UNITA) noutros sites (uns 10.000 no total).

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