Havia uma anedota antiga que falava de um infeliz que nascera com o nome de José Merda. Até que conseguiu obter autorização oficial para mudar de nome: e passou a chamar-se João Merda. Ao biografado, um futuro Vice-Rei da Índia, também aconteceu algo de semelhante. Aos 26 anos obteve autorização régia para mudar de nome e registou uma mudança também assim bizarra: deixou de se chamar Freeman Thomas para se passar a chamar Freeman Freeman-Thomas (1866-1941) - como se fosse gago. No círculo aristocrático onde nascera, Freeman Freeman-Thomas notabilizara-se pelo seu desembaraço físico – foi um grande jogador de cricket – e pelas amizades – era um dos parceiros de ténis do neto mais velho da rainha Victória, o futuro Jorge V (1865-1936). Casou bem, com uma das filhas do Conde Brassey (1836-1918), um político liberal, que chegou a ser Governador na Austrália e que lhe deu o seu primeiro cargo político como seu ajudante-de-campo em 1897.
Freeman-Thomas terá sido aquilo que se qualifica como uma daquelas pessoas simples, bem-nascidas e bem relacionadas, que por causa disso (mas só por causa disso) foram ascendendo na vida. Mas as fotografias não enganam: dão-lhe a cara de estúpido que ele deve ter sido toda a vida. Membro liberal do Parlamento em 1900, membro do governo (num cargo muito discreto) em 1905, quando o seu amigo Jorge V se tornou rei em 1910 nobilitou-o: tornou-se Lord Willingdon. Começou por ser barão, depois foi promovido a visconde (1924), conde (1931) e acabou a vida sendo marquês (1936). Pelo meio realizou uma preenchida e destacada carreira como administrador colonial coincidindo – não por acaso – com o reinado do seu amigo Jorge. Governador de Bombaim (1913), Governador de Madrasta (1919), Governador-Geral do Canadá (1926) e finalmente foi Vice-Rei da Índia de 1931 a 1936.
Na sua passagem prévia pela Índia destacou-se... por não se destacar, a não ser por questões triviais, à conta de um conservadorismo em que ele, teoricamente um liberal, passava por reaccionário quando em comparação com políticos conservadores, como foi o caso do seu antecessor no cargo de Vice-Rei, Lord Irwin. Num desses gestos com uma ampla repercussão posterior, provocou a perpétua inimizade de Mohammed Ali Jinnah (que viria a ser o líder da Liga Muçulmana e considerado o fundador do Paquistão), no dia em que, num jantar de cerimónia em Bombaim, mandou trazer algo que cobrisse o decote do vestido de noite parisiense da belíssima Ruttie Jinnah, atitude que provocou o abandono imediato e ultrajado do casal. (Não se deixe escapar o detalhe desses anos outros em que um marido muçulmano (embora pouco) se ofende com o gesto de um cristão que manda cobrir a sua esposa...)
A verdade é que, por muito que Jinnah nunca mais se dispusesse a perdoar-lhe, Lord Willingdon não era má pessoa: era apenas desesperadamente estúpido. Edwin Montagu, que por esses anos era seu superior hierárquico como Secretário de Estado para a Índia descrevia-o: é um gajo tão porreiro e um gajo tão estúpido¹. No geral, não impunha nem respeito nem receio: certo dia o Vice-Rei foi barrado à entrada não de um, mas de três clubes de Bombaim porque ia acompanhado de um Marajá indiano e os clubes eram exclusivos europeus. E ninguém pareceu temer as suas retaliações... Quando Lord Linlithgow – de que já aqui se falou – lhe sucedeu no cargo de Vice-Rei em 1936, encontrou enormes resmas de documentação oficial a aguardar assinatura. Apercebeu-se que Willingdon nem lhes pusera os olhos em cima.
Em contraste com esta personalidade displicente, a de Lady Willingdon era um pouco excessiva demais: as críticas a Maria Adelaide Freeman-Thomas (1875-1960) incidiam sobre a combinação poderosa entre a sua vulgaridade e uma vitalidade que parecia infindável. Um dos seus hobbies era a decoração e os alvos foram muitos dos inúmeros quartos do Palácio dos Vice-Reis em Nova Deli que acabaram pintados da sua cor favorita: malva. Quando Edwin Luytens, que fora o arquitecto do edifício e de muitos outros na cidade, tentou criticá-la ironicamente pelo mau gosto, o resultado não foi o esperado: «Disse-lhe que, se ela fosse dona do Partenon, ainda lhe iria acrescentar janelas panorâmicas, ao que ela me respondeu, muito séria, que não gostava do Partenon»... Apreciemo-la nesta fotografia final em que, para ficar da mesma altura do marido, se colocou no degrau seguinte. Não vem a propósito, mas faz-nos lembrar Maria Cavaco Silva.
¹ such a good fellow and such a stupid fellow.
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