17 abril 2015

PLETÓRICO*

Procurei deixar que a poeira assentasse no caso dos (não) pagamentos das contribuições para a segurança social por parte de Pedro Passos Coelho para tentar demonstrar quanto o fervor e a informação em excesso acabam por se tornar nocivas para a compreensão do que é essencial. Por encomenda do Expresso/SIC/Visão, a Eurosondagem colocou uma data de perguntas (5) a propósito do tema (acima). Mas, no meio daquela aparência de eficiência, há apenas duas respostas com interesse político: uma expressiva maioria (5 para 2) não acreditou nas explicações do primeiro-ministro; uma maioria menos clara, mas ainda assim significativa (3 para 2) é de opinião que a aldrabice não é razão suficiente para que ele se demita. Ou seja, para dos portugueses, mentir-lhes descaradamente não é causa suficiente para a demissão de um primeiro-ministro ou, sendo-o para aqueles eticamente mais exigentes, estes últimos não terão grande confiança que o problema se pudesse resolver com a substituição do titular do cargo. A esta distância temporal percebe-se que o resto das respostas perderam o interesse.
* Pletórico: figurativamente diz-se daquilo que, pelo excesso, acaba por se tornar nocivo.

1 comentário:

  1. As justificações do PM são esfarrapadas? Em certa medida sim, mas não o seriam sempre? E sendo-o deveriam levá-lo a demitir-se? Julgo que não, por vários motivos que tanto ele como os inquiridos terão levado em conta. O primeiro deles, talvez o mais relevante, já foi identificado por si na alternativa que coloca no seu último parágrafo. De facto, nada indicia que a substituição do actual titular resolvesse o que quer que seja. Atentando ao seu antecessor e ao assumido putativo sucessor, as dúvidas que se levantam são demasiadas e levarão muitos a pensar: para pior já basta assim.
    Por outro lado, como a certa altura chegou a ser referido, o número de cidadãos que viveram situações semelhantes é enorme, envolve milhares de pessoas que – apesar de não serem candidatas a PM, função que entendem exigir titulares probos e sem rabos-de-palha – não se sentirão completamente à vontade para usar de excessivo zelo na condenação de comportamentos que elas próprias já tiveram e de cujos motivos ainda se lembram.
    Quem sempre trabalhou por conta de outrem não terá certamente a mesma sensibilidade e compreensão para estes fenómenos, que são bem mais vulgares e “normais” do que possam pensar. Eu, que ao longo do meu percurso profissional já estive, por duas vezes, largas temporadas em situação semelhante, não teria qualquer problema em justificar-me. Mas eu não sou PM… A saber:
    1 – Quando alguém exercia uma actividade por conta própria e, ao mesmo tempo, descontava como trabalhador por conta de outrem, estava isento e, por isso, não era obrigada a pagar como independente. No entanto haveria que ter dois cuidados: a) tinha de apresentar um requerimento a pedir e justificar essa dispensa; b) havendo suspensão da actividade por conta de outrem, terminava automaticamente aquela isenção. Note-se que o processo poderia ser retomado, caso se voltasse a ter um contrato de trabalho por conta de outrem, mediante a apresentação de novo requerimento.
    2 – Nem sempre os rendimentos obtidos na actividade por conta própria eram regulares, em valor e/ou periodicidade, o que tinha implicações em termos de disponibilidades momentâneas para satisfazer as respectivas cotizações.
    3 – Proceder à entrega dos requerimentos e/ou aos pagamentos em causa implicava tempo para deslocações aos serviços de tesouraria da S.S. e a permanência em longas filas de esfera que nos tomavam meio dia de trabalho, quando não todo um dia.
    4 – Havia a possibilidade de optar por diferentes níveis de contribuição, que não permaneciam sempre estáveis, o que, conjugado com o já referido nos pontos anteriores, obrigava os utentes a possuírem um mínimo de organização e gestão pessoal, que nem todos tinham.
    5 – Por tudo o que acima já foi exposto, não era raro nem de estranhar que, mesmo assumindo as respectivas multas e juros, muitas pessoas apenas se deslocassem à S.S. de tempos a tempos, evitando o enorme transtorno mensal.
    Aliás, antes de existir a possibilidade de fazer a entrega da declaração de IRS pela internet, eu também preferia assumir a multa e fazer a entrega duas ou três semanas após o fim do período normal, na esperança de evitar aquelas tenebrosas filas que se começavam a formar ainda de madrugada.
    Resumindo: A questão não era tentar fugir ao pagamento. Esse, mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor multa e juros, acabava sempre por ser feito. Pretendia-se “apenas” diminuir o castigo das longas horas de fila, frequentemente à chuva e ao vento.

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