07 abril 2015

«THE BLOOD TELEGRAM»

O tema do livro já aqui o havia abordado no blogue, ainda que sem grande desenvolvimento: são os acontecimentos que, ao longo de quase todo o ano de 1971, conduziram à eclosão de uma terceira Guerra entre a Índia e o Paquistão, guerra essa que veio a culminar com a secessão e independência do Bangladesh, que até aí fora uma província paquistanesa. Quanto ao livro propriamente dito, o seu título é digno de atenção. Em primeiro lugar por se tratar de um trocadilho que faz sentido em língua inglesa: blood telegrama pode traduzir-se literalmente por telegrama sangrento; mas Blood Telegram pode ser também a alusão ao diplomata norte-americano Archer Blood (1923-2004), que, colocado na época como cônsul em Daca, foi o autor de um importante telegrama daquele período, alertando Washington, mas sobretudo a opinião pública e publicada norte-americana, para as consequências graves que a imposição da lei marcial pelas autoridades paquistaneses estava a ter na população bengali, os assassinatos e o êxodo que estava a gerar. Mas o título possui também o interesse, de parecer inspirado no zimmermann telegram, um episódio de 1917 que culminou com a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. Sobre este outro tema já a celebrada Barbara Tuchman escrevera em 1958 um livro intitulado precisamente The Zimmermann Telegram. Os prémios entretanto recebidos por este The Blood Telegram (vencedor do Prémio Lionel Gelber 2014, finalista do Prémio Pulitzer 2014) parecem sugerir, pela analogia dos títulos e dos estilos que o autor, Gary Bass (1969-....), se sentirá recompensado na sua ambição de emular Barbara Tuchman.
A verdade é que praticamente ninguém se lembra da Guerra Indo-Paquistanesa de 1971. Mas outra verdade é que este livro também não é um livro sobre essa Guerra ou a situação política que a ela conduziu. Essa ignorância também não se deverá à falta de livros dedicados ao assunto. Contudo, o que este livro tem de importante para despertar o interesse do leitor norte-americano típico é que ele acompanha a crise centrado do ponto de vista da sala oval da Casa Branca. E aí, a partir das transcrições das conversas ora desclassificadas do presidente Richard Nixon com o seu conselheiro de segurança Henry Kissinger, é que o assunto se torna particularmente interessante. Ouvindo-os na intimidade, as opiniões de dois dos homens mais importantes do Mundo naquela época tornam-se de uma simplicidade grosseira, assustadora ao pensar-se nas responsabilidades que então possuíam. Há comentários de Nixon a respeito dos indianos que soam típicos de um racismo de taxista, a sua conduta da política externa parece exclusivamente norteada pela simpatia que lhe merecia Yahya Khan, o presidente paquistanês, quando em contraste com a antipatia (retribuída) para com Indira Gandhi, a primeira-ministra da Índia¹. E a sempre tão propagandeada (de lúcida) realpolitik de Henry Kissinger sai totalmente embaciada de todo o episódio quando, entre outros malabarismos, o encontramos a tentar aliciar os chineses para uma escalada do conflito, envolvendo-os na guerra em apoio do Paquistão, quando a derrota destes já se anunciava. Explique-se que, como a Índia solicitara o apoio político da União Soviética, a entrada da China em jogo arriscava-se a alastrar o conflito para além das fronteiras do armamento convencional... e da previsibilidade. Mas, apesar de ser também apoiante dos paquistaneses, Zhou Enlai não se prestou naquelas circunstâncias a ser um joguete de um capricho dos norte-americanos e que não podiam fazer grande coisa, atascados como estavam com a Guerra do Vietname.
Mas, como em quase tudo na vida, também na Geoestratégia há a acção e há a promoção e esta costuma ser - injustamente - mais importante que a primeira. Em Dezembro de 1971, os Estados Unidos, muito por culpa de quem (mal) os dirigira, haviam sofrido uma humilhante derrota diplomática directa diante da Índia; e indirecta diante da União Soviética. Dois meses depois, Fevereiro de 1972 (e em The Blood Telegram já não se fala em nada disto...), Kissinger conseguira erigir e engalanar um palco para que Nixon nele brilhasse, reatando relações com a China. É o que interessa. É nisso, muito mais do que como teórico, que Henry Kissinger se revela imbatível, pois hoje quase todos se lembram de uma coisa como a expressão máxima do jogo geoestratégico (acima) e quase ninguém se lembra da outra...

¹
Até então (1971), Richard Nixon estivera por três vezes na Índia e por seis vezes no Paquistão, nos dois casos apenas uma delas (Julho/Agosto de 1969) como presidente, o que não parece deixar muitas dúvidas quanto às suas inclinações e simpatias pessoais.

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