Durante a contagem decrescente que vim fazendo celebrando o 40º aniversário das primeiras eleições livres em Portugal, fui assinalando momentos coevos mas não propriamente épicos de protagonistas políticos da esquerda, entretanto reciclados a princípios bem mais democráticos (1),(2),(3),(4). São histórias tão escrupulosa quanto embaraçosamente verdadeiras mesmo quando vistas a esta distância, e têm sido acolhidas com alguma simpatia, quiçá entusiasmo, por alguns leitores deste blogue, atentos e fiéis, situados do outro lado do espectro político. É pensando especialmente neles porque, humor nestas coisas arranja-se para todos os gostos, e para lhes dar a conhecer (ou recordar) o que era l´air du temps que aqui afixo esta notícia do jornal A Capital em 24 de Maio de 1974, onde se anuncia a constituição de um Partido da Democracia Cristã de... centro esquerda, cujos fundadores estimavam representar 40% dos portugueses. Mau grado a orientação anunciada, o Partido veio a ser impedido de concorrer às eleições de 25 de Abril de 1975 por no MFA se o considerar situado demasiado à direita. Se nos orientarmos exclusivamente pela semântica, o espectro político em Portugal era assaz esquisito nesses anos de 1974-75: não havia muitos que se orgulhassem da sua condição de direitistas empedernidos, como o fazem alguns daqueles bons leitores deste blogue, quando se riem com os delírios então proferidos por alguns vultos da esquerda. É que o pragmatismo que eles hoje invocam quando apoiam a maioria governamental apesar de tudo, é factor que, a condicioná-los hoje, estou certo que condicioná-los-ia em todas as circunstâncias...
O Partido da Democracia Cristã deu, ontem à tarde, a primeira conferência de imprensa para apresentação do seu programa. O Partido, segundo informação de um dos seus porta-vozes, não tem líderes, mas é orientado por um directório constituído pelo dr. Calvet de Magalhães, dr. Costa Figueira, dr. Henrique Formosinho Sousa e Mello, prof. eng.º Bartolomeu Monteiro, Marcelino Sequeira Nobre, dr. José Mendes de Almeida e eng.º Jorge Medeiros.
Segundo o dr. Calvet de Magalhães, o Partido tem uma orientação centro-esquerda. Acrescenta: «Estamos convencidos de que representamos a chamada maioria silenciosa e que 40% dos portugueses estão connosco».
A definição da sua linha de rumo vem inscrita num manifesto que aborda a problemática do País em cinco níveis: político, social, educativo, económico e ultramarino.
Segundo o dr. Calvet de Magalhães, o Partido tem uma orientação centro-esquerda. Acrescenta: «Estamos convencidos de que representamos a chamada maioria silenciosa e que 40% dos portugueses estão connosco».
A definição da sua linha de rumo vem inscrita num manifesto que aborda a problemática do País em cinco níveis: político, social, educativo, económico e ultramarino.
Tinha ideia que à frente do partido estava Sanches Osório, um dos capitães de Abril do posto de comando. Suponho que esse Calvet de Magalhães não fosse o conhecido diplomata.
ResponderEliminarEm todo o caso, na década seguinte, o PDC, liderado por silva Resende, de forma alguma se considerava de centro-esquerda, nem sequer de centro.
Provavelmente por deficiente cultura política (e abstendo-me de considerações sobre os promotores do PDC, que não conheço e não sei que percursos tomaram) não percebi e continuo a não perceber o que seja “demasiado à direita” nem o que esse rótulo menorize ou distinga de “demasiado à esquerda”, sendo que este último “conceito” vingou e permanece activo e legalizado enquanto que o outro terá desaparecido ou sido forçado a integrar-se em diferentes formações não rotuladas de “demasiado”.
ResponderEliminarA esta distância, atento unicamente aos programas e linhas de acção anunciadas, porque seria o PDC “demasiado” à direita e o PCP, PCTP-R, UDP, MÊS, MRPP, etc., não “demasiado” à esquerda?
Não terá a citada decisão do MFA contribuído para desvirtuar e baralhar o correcto e transparente leque de opções políticas que se apresentavam e continuam a apresentar ao eleitorado? Aquela gente não se esfumou nem transitou, certamente, em bloco, para um outro partido. Ter-se-á espalhado e integrado em dois, três ou mesmo quatro partidos de então. E alguns por lá continuarão, por esses partidos, retirando-lhes coerência ideológica, promovendo fricções, fazendo-os virar ora à esquerda ora à direita.
Ao contrário de outros países, em Portugal não há nenhuma força política que se assuma e reclame de direita. Temos é três partidos que disputam o centro, ultrapassando-se constantemente entre si tanto pela esquerda como pela direita. Temos um “centrão” e uns quantos partidos mais “demasiado” à esquerda. É um barco desequilibrado, permanentemente em risco de adornar.
Eu não demonizo o “demasiado” (o que será isso?), seja ele de esquerda ou de direita. A única razão que me parece ter sentido para se decidir excluír um movimento político é a sua aceitação ou não das regras democráticas. Não sendo cristão, acho que qualquer outra deve ficar ao critério de Deus…
A notícia e o anúncio, João Pedro, são de Maio de 1974, ainda não haviam aparecido as clivagens no MFA, especialmente o caso que refere, o de Sanches Osório, que não era "spinolista" (era de engenharia), mas também não era da ala progressista, mas que, por ter estado na Pontinha e no centro da acção, possuía uns pergaminhos revolucionários mais sólidos do que, por exemplo, Vasco Lourenço, que passara o 25 de Abril nos Açores. Suponho que Sanches Osório só se virá a aproximar do partido alguns meses depois, talvez depois do 28 de Setembro de 74. Não sei se terá reparado que, num poste anterior, onde coloquei a notícia de um comício do MES em Fevereiro de 75, o facto do PDC contar nas suas fileiras com um "capitão de Abril" ser razão para que um dos oradores dedicar ao partido uma apreciação negativa específica.
ResponderEliminarNo PREC a figura de Sanches Osório era uma chatice: estragava, para usar a expressão que Sócrates popularizou, a narrativa. E, sabendo que os outros dois partidos que foram proibidos de concorrer às eleições de 1975 foram o MRPP e a AOC, não é difícil aceitar a tese que no MFA pós-11 de Março havia quem não apreciasse particularmente aquele seu camarada.
Deduzo, mas apenas isso, que o dr. Calvet de Magalhães a que a notícia se referirá será o pedagogo, director da Escola Francisco Arruda, que virá aliás a morrer ainda nesse ano de 1974.
E uma nota final para alguém que sei metódico: entre os dirigentes do PDC de notoriedade creio que se terá esquecido, depois de Sanches Osório e antes de Silva Resende, do almirante Pinheiro de Azevedo. E sob a direcção deste último, o PDC ter-se-ia arriscado a ser tudo e mais alguma coisa...
Há que não confundir as transcrições com as opiniões. Quando se refere que o PDC foi proibido de concorrer às eleições de 1975 por estar "demasiado à direita" transcreveu-se o sentido da justificação apresentada à época pelo MFA. Diga-se aliás que o PDC combinara apresentar-se com o CDS numa coligação denominada UCDC e que, como se queixa Freitas do Amaral nas suas Memórias, por causa da decisão houve que refazer as listas do CDS à última da hora.
ResponderEliminarPor outro lado, e tentando minorar a indignação do meu interlocutor A.Costa, acrescente-se que, nessa mesma decisão de Março de 1975, o MFA decidiu proibir a participação de duas outras formações políticas, a AOC e o MRPP, estas por, alegadamente, estarem demasiado à esquerda.
Finalmente, recordar-lhe que, ao contrário do que escreve, em Portugal houve forças políticas que se assumiram e reclamaram de direita. Veja-se aqui
Por se tratar de uma transcrição é que me pergunto se a referida decisão do MFA não terá condicionado as possibilidades de escolha dos eleitores nas primeiras eleições (a que podemos ainda acrescentar o efeito psicológico das "campanhas de dinamização cultural" e "sessões de esclarecimento" acolitadas pelo MDP, PCP e sindicatos, com o seu marcado sentido ideológico).
ResponderEliminarMas tem razão, já não me lembrava de que aquela macedónia de siglas que ousou assumir-se de direita acabou mesmo por ir a votos 4 anos depois, recolhendo a magnífica expressão de 0,4%, desintegrando-se de seguida.
Em todo o caso, assumindo o papel de advogado do diabo, a verdade é que em 1980 o espectro partidário estava já consolidado na Assembleia da República e seria difícil que uma qualquer coligação de direita (que continuava a ser apelidada de "fascista", e alguns sê-lo-iam) tivesse condições de recuperar os 4 anos perdidos de exposição e argumentação na AR.