Esta é a capa de hoje da The Economist: Pesadelo Americano. Mas o desenho, sendo muito inventivo, é falso. Os norte-americanos estão muito longe de ser aquele paciente atemorizado que se protege debaixo da almofada. Isso é o que os ideólogos por detrás da revista nos querem fazer crer. Se os dois candidatos presidenciais das eleições de Novembro próximo forem Bernie Sanders e Donald Trump (como a imagem sugere), a selecção terá resultado de processos democráticos, amplamente participados, de triagem dentro das duas grandes formações partidárias do sistema político norte-americano. Com eleitores activos e empenhados, não intimidados como o desenho sugere. Se o prolongado processo funcionou desde sempre, para grande orgulho da nação americana, e agora ele está a incomodar, preocupar e mesmo assustar o establishment (aqui protagonizado ironicamente por uma revista liberal, mas britânica - a The Economist), então é porque as causas para este output menos aceitável serão outras. Por detrás das selecções e das eleições radicais de protagonistas também radicais, o que se afigura mais plausível é que exista uma profunda insatisfação generalizada com a sociedade que se instituiu, resultante dos paradigmas (indisputados depois do fim da Guerra Fria) do liberalismo. O boneco da América devia estar levantado e com uns olhos irritados em vez de assustados, nestes tempos em que as vozes do povo, mesmo quando expressas em liberdade nas urnas, parecem ser um incómodo para quem se arroga o direito de deter o poder. Sobretudo porque essas vozes são quase sempre do contra. Em 2016 contra Hillary, elegendo Trump e agora em 2020, precisamente pela mesma lógica, antecipa-se um cenário em que, contra Trump, ser-se do contra é o mais poderoso argumento para eleger Sanders. Mas, insisto, os norte-americanos são colectivamente, os agentes dessa perspectiva política, não as suas vítimas, como o desenho acima pretende subtil e perniciosamente sugerir.
Nota: vale a pena ler o curioso artigo aparecido no princípio deste mês na revista Político (inglês), que postula que não existe essa coisa denominada por voto dos indecisos, pelo menos a indecisão de ir votar num ou no outro candidato. No que pode haver indecisão é entre as pessoas irem votar ou não. E um dos motores mais eficazes para motivar as pessoas a votar é o facto de detestarem o outro. Ao ler isto, dei-me a especular o quanto se poderia dever a este fenómeno o sucesso eleitoral inicial de José Sócrates. Em Fevereiro de 2005, creio que os portugueses não o conheceriam assim tão bem para lhe terem dado a maioria parlamentar que alcançou (era líder do PS há apenas cinco meses); agora o que os portugueses pensavam conhecer muito bem era a incompetência do seu rival Pedro Santana Lopes. Até foram votar mais 300 mil pessoas que nas duas eleições legislativas anteriores...