16 fevereiro 2020

IRLANDA: NÃO, NÃO TERÁ SIDO A ECONOMIA, ESTÚPIDO.

(frase que alegadamente terá ajudado Bill Clinton a vencer as eleições presidenciais americanas de 1992)
A entoação como a Euronews noticia acima os resultados saídos das eleições irlandesas, que tiveram lugar a 8 de Fevereiro passado, não consegue esconder o desagrado de Bruxelas (de quem o canal é uma espécie de porta voz oficioso). Em primeiro lugar porque Bruxelas não gosta de desfechos nebulosos e este é precisamente um deles, com os três partidos mais votados acumulando ⅔ dos lugares do parlamento e o restante ⅓ polvilhado entre quatro outras formações políticas e ainda um número nada despiciendo de independentes (são 12% dos deputados); e em segundo lugar, porque a formação que veio a reconhecida como vencedora em votos, o Sinn Féin, é um partido que, por causa do seu passado de associação com o IRA, não goza de muita popularidade no Berlaymont. Todavia, a complexidade da situação política saída das eleições não consegue esconder que os resultados foram uma derrota para os dois partidos tradicionalmente predominantes da política irlandesa. Tanto o Fine Gael, no governo, quanto o Fianna Fáil, na oposição, perderam votos e deputados. E contudo, e isto é que é o que importa frisar neste poste: não deviam... Os indicadores económicos da Irlanda são muito bons (abaixo): a taxa de desemprego cifra-se nos 4,8% e anda a descer consecutivamente há oito anos, quando o país esteve em crise e foi um Pig connosco e o crescimento económico foi de 5% o ano passado, depois de ter alcançado os 7,8% em 2017. Quem nos dera a nós, portugueses, chatear o Costa por causa de números de macroeconomia como estes... E, no entanto, os irlandeses deram uma tareia (eleitoral) a Varadkar (o outro primeiro-ministro europeu de ascendência indiana): o seu partido elegeu menos 30% dos deputados que elegera há 4 anos, apesar da aparente prosperidade que os indicadores abaixo significariam. Que é que terá acontecido? Que justificará o que parece ser um voto de protesto no que parece ser um caso de sucesso económico?
Como começa a ser, infelizmente, tradicional, parece que os cientistas políticos foram mais uma vez um fiasco nas suas análises. As sondagens só começaram a mostrar resultados com alguma aderência com a realidade revelada pelas urnas mesmo à última da hora (e eu já deixei de acreditar em tanto eleitorado impulsivo quando há eleições à vista...). E depois tornou-se preciso explicar o sucesso do Sinn Féin, que mais do que duplicou a sua votação em relação às últimas eleições a que concorrera, as autárquicas de Maio de 2019. Houve quem fosse buscar as explicações à questão de reunificação irlandesa colocada sob o novo prisma do Brexit. A explicação afigura-se talvez demasiado elaborada, perante explicações mais prosaicas que incidem, não sobre o ritmo de crescimento da riqueza mas sobre a sua redistribuição. Os irlandeses ganham muito bem: têm um rendimento per capita que, estatisticamente, é o triplo do nosso. O problema é o que eles conseguem fazer com o que ganham, dado que, por exemplo, se os seus rendimentos cresceram 13% desde a crise de 2013, o preço da habitação na capital (Dublin) subiu 62% no mesmo período (para comparação, os nossos números para o mesmo período são 9% e 15%, respectivamente). Conclusão: os jovens irlandeses não têm como alugar ou comprar uma casa. E não por acaso, descobriram agora os cientistas políticos, o Sinn Féin destaca-se nas votações recebidas entre os irlandeses mais jovens, entre a faixa etária dos 18 aos 24, mas também na seguinte, dos 25 aos 34 anos. O irónico da situação é que os cânones económicos tradicionais não têm resposta para isto: a economia irlandesa é uma das mais abertas do Mundo e tem sido, aliás, um dos emblemas dos propagandistas da globalização. Aqui não parece funcionar aquele slogan do menos Estado, melhor Estado. Se calhar há Estado a menos, há regulação a menos, e há quem esteja chateado com isso...

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