08 agosto 2016

OS EXTREMOS DA ÉTICA REPUBLICANA

A pretexto da história das viagens pagas pela GALP parece ser oportuno fazer o contraste entre os chefes de Estado que terão representado as posições mais extremas quanto ao entendimento do que seria razoável como usufruto das prerrogativas de função. De um lado estará Francisco Craveiro Lopes, presidente entre 1951 e 1958, que se revelaria um maníaco da probidade. A página da Wikipedia que lhe é dedicada narra um episódio em que, nem mesmo numa situação extraordinária e estando em causa a saúde da sua nora grávida, o presidente se terá disposto a disponibilizar uma viatura de função. Também uma biografia do actual presidente Marcelo Rebelo de Sousa começa precisamente por uma descompostura recebida de Craveiro Lopes por seu pai, então membro do governo, por ter levado o filho - Marcelo - para a tribuna durante uma cerimónia. Já se passaram mais de cinquenta anos (o actual presidente era então uma criança) e a prática estará esquecida, mas o comportamento presidencial induziu a que tivesse existido uma espécie de moda de exibir um certo ascetismo por parte dos membros da administração do Estado durante a década de 1950. Do outro lado, a uma distância de 35 anos, estará Mário Soares, a quem se reconhece um entendimento bastante lato do que seria a razoabilidade do usufruto das prerrogativas da função presidencial. Ao contrário do presidente anterior, a página que lhe é dedicada na Wikipedia não se alarga muito sobre as pequenas histórias que ele foi protagonizando durante as 145 viagens ao estrangeiro que realizou durante os dez anos em que ocupou o cargo, mas fotografias como aquela em que aparece a cavalgar uma tartaruga gigante durante uma visita às Seicheles são o paradigma do despesismo da sua presidência - as Seicheles são um país-arquipélago do Índico com a mesma população que o concelho de Paredes. Emblemático da confusão genética da presidência de Mário Soares sobre o que será seu e o que será do Estado, é o facto de haver imensas peças que lhe foram oferecidas quando das visitas de estado e que hoje estão à guarda da Fundação com o seu nome, em vez de o estarem na presidência da República. Os tempos vão de feição a que tenha que se dizer o óbvio: que aquilo lhe foi ofertado por ele ser presidente da República, não por ser o Mário Soares.

Pessoalmente, tenho alguma dificuldade em compreender como é que se confunde uma coisa com outra mas reconheço que, feita essa confusão, é quase automático que quem assim pensa, se iluda que convites como os feitos pela GALP, recentemente denunciados, foram motivados pela amizade e estima dos convidantes pelos convidados... Em jeito de esclarecimento final, diga-se que considero que Mário Soares vale politicamente várias vezes Craveiro Lopes, mas isso é toda uma outra história.

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