04 agosto 2016

360º ou MUDAR MAIS DO QUE O ACESSÓRIO PARA QUE O SUBSTANTIVO SEJA O MESMO

Para modificar a reputação de um programa de TV há que fazer mais qualquer coisa do que substituir o pivot que o apresenta. Reconheça-se que, quando quiseram fazer isso com o 360º da RTP 3, a sobriedade de Ana Lourenço seria capaz de captar uma outra audiência, diferente da captada pelo histrionismo de José Rodrigues dos Santos, o que seria preferível para os objectivos de reputação do programa e dos seus autores.
Mas essa mudança não será tudo. Nos temas, que são dominados obrigatoriamente pela actualidade, não se poderá mexer muito. Tão pouco se pode fazer muito quanto é a pivot que se descontrai e lança a sua opinião para o ar. Mas a escolha dos convidados - o elenco mas sobretudo a rotatividade com que aparecem - contarão muito para essa reputação. E, já agora, a memória da equipa de produção quando os convida, também.
Que me desculpem o preâmbulo, mas assisti ontem a um trecho do 360º onde se falou da situação impossível em que se colocou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, ao tornar-se público que aceitara o convite da GALP para ir assistir a dois jogos da selecção nacional. A crítica parece amplamente maioritária, os dois convidados do 360º assemelharam-se, no consenso condenatório, à dupla dos velhos dos Marretas. Pode ver-se aqui nesta ligação, a partir dos 36 minutos. Assunto encerrado não fora o caso de um dos velhos da dupla ser... José Manuel Fernandes. O antigo director do Público era e continua a ser um dos convidados mais frequentes daquele programa. Se formos ver o 360º de há precisamente seis meses (4 de Fevereiro de 2016), lá está ele, a comentar o orçamento do PS e a permanência de Pedro Passos Coelho à frente do PSD. José Manuel Fernandes percebe de tudo. Mas o que ele não pode pretender é, como ontem tentou alegar de espírito solto, dar exemplos de deontologia a propósito destas formas controversas de aliciamento a alvos. E é aí que a produção do 360º devia ter memória: foi há precisamente dez anos, no Verão de 2006, que José Manuel Fernandes foi cobrir in loco a invasão israelita do sul do Líbano. Mas do lado de Israel e a expensas do governo israelita. O facto era assumido e isso para José Manuel Fernandes fazia toda a diferença, conforme explicava nas suas crónicas: não era segredo.
Claro que todas as crónicas que José Manuel Fernandes enviava de Israel se ressentiam em parcialidade em favor dos donos do porta-moedas que lhe pagava as despesas como se pode perceber pelo cabeçalho acima. Será uma maneira peculiar de ver o jornalismo, que me faz lembrar a isenção dos enviados especiais de A Bola ou do Record, quando em jornadas europeias, iam cobrir os jogos de equipas portuguesas contra equipas estrangeiras. Só que aí a parcialidade era patriótica. No caso de José Manuel Fernandes em Israel, a parcialidade seria ideológica, à qual se poderia acrescentar a agradabilidade de ser tilintante. A culminar, quem acompanhou a guerra através do que José Manuel Fernandes ia escrevendo dificilmente terá chegado a uma conclusão sobre o desfecho do conflito. E por muito mais do que uma questão de discordância ideológica (ou tilintante) do jornalista. Dez anos depois e com o reforço das conclusões de uma comissão de inquérito israelita, é consensual que Israel não conseguiu grande coisa do que se propusera ao desencadear a operação. Há quem conteste que tenha sido uma vitória do Hezbollah, mas não há quem defenda que se tenha tratado de uma vitória israelita. Embora acredite que José Manuel Fernandes seja pessoa para defender até isso! Adiante. O que importa é que, por esta conduta, Fernandes não tem alicerces para dar lições de deontologia seja a quem for sobre o tema dos convites subreptícios. Mas a minha maior crítica nem é para ele: é para quem lhe dá sucessivos ecrãs para que ele os aproveite pregando moral aos outros...

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