No Agosto quente de 1975, pela primeira vez desde há largos anos, como se podia ler numa das páginas do Diário de Lisboa de então, duas listas apresentavam-se às eleições para o sindicato dos jornalistas. Uma delas (A) tinha por mote Por uma Informação em Defesa das Massas Populares e dos Trabalhadores, Contra a Manipulação Partidária e o mote da outra (B) era Por um jornalismo ao serviço do Povo. Podiam parecer dois motes entusiasmados (embora a primeira lista usasse muito mais palavras com maiúscula que a segunda), mas, adoptando uma tradição que se iria consolidar futuramente entre a classe, ao narrarem as suas disputas político-profissionais, os jornalistas mostravam-se relutantes, mesmo depois das Liberdades de Abril, em explicar aos seus leitores nos órgãos de comunicação social onde trabalhavam como eram esses bastidores no seu sindicato. A notícia acima (clicar em cima para a ler melhor) é exemplar dessa relutância em se exporem. O texto pretende-se anódino e distanciado, embora as simpatias da direcção do jornal se percebam literalmente à distância: das quatro colunas dedicadas à notícia, 2¾ eram dedicadas à primeira lista - que não divulgara ainda, naturalmente, o seu programa... - a tal que se propunha, entre outros propósitos louváveis, combater a manipulação partidária... Na realidade, o leitor do Diário de Lisboa que estivesse mesmo interessado em aprofundar quem era quem em tal disputa, ter-se-ia que socorrer de uma habilidade, daquelas que todos os leitores de jornal da época haviam desenvolvido até 24 de Abril e que teimava em não cair em desuso: a de saber ler nas entrelinhas. Só isso, a que era necessário adicionar um conhecimento das simpatias políticas de alguns dos membros das listas, lhe permitiria classificar a lista A como mais próxima do status quo político daquele momento, então representado pelo V Governo provisório de Vasco Gonçalves, e a lista B como uma aliança de circunstância envolvendo simpatias que iam desde os socialistas até aos maoistas do MRPP. Isto eram as opções que se deparavam à classe dos jornalistas portugueses em pleno apogeu do PREC: era-lhes possível escolher entre duas listas de esquerda, uma próxima dos comunistas e do poder revolucionário e uma outra que arrebanhava todos os que eram contra isso. Como creio que o leitor apreciará que esta história seja contada até ao fim, adiante-se que foi a Lista B - Por um jornalismo ao serviço do Povo que ganhou as eleições de 12 de Agosto de 1975, talvez numa antecipação da reversão que o PREC iria sofrer. Mas uma reflexão sobre os números envolvidos numa disputa que felizmente se travou nas urnas e que se apresentava como importantíssima, também são motivo de reflexão de como as batalhas políticas da altura se disputavam numa escala limitadíssima: a lista B venceu com 196 votos contra 158 da lista A, mais sete votos nulos (361 participantes). Um desabafo só compreendido por uma geração que viveu esses tempos: ele deve ter havido dezenas de RGAs mais participadas do que isto...
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