10 agosto 2016

O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM CURSO ERA ASSIM...

No Agosto quente de 1975, pela primeira vez desde há largos anos, como se podia ler numa das páginas do Diário de Lisboa de então, duas listas apresentavam-se às eleições para o sindicato dos jornalistas. Uma delas (A) tinha por mote Por uma Informação em Defesa das Massas Populares e dos Trabalhadores, Contra a Manipulação Partidária e o mote da outra (B) era Por um jornalismo ao serviço do Povo. Podiam parecer dois motes entusiasmados (embora a primeira lista usasse muito mais palavras com maiúscula que a segunda), mas, adoptando uma tradição que se iria consolidar futuramente entre a classe, ao narrarem as suas disputas político-profissionais, os jornalistas mostravam-se relutantes, mesmo depois das Liberdades de Abril, em explicar aos seus leitores nos órgãos de comunicação social onde trabalhavam como eram esses bastidores no seu sindicato. A notícia acima (clicar em cima para a ler melhor) é exemplar dessa relutância em se exporem. O texto pretende-se anódino e distanciado, embora as simpatias da direcção do jornal se percebam literalmente à distância: das quatro colunas dedicadas à notícia, 2¾ eram dedicadas à primeira lista - que não divulgara ainda, naturalmente, o seu programa... - a tal que se propunha, entre outros propósitos louváveis, combater a manipulação partidária... Na realidade, o leitor do Diário de Lisboa que estivesse mesmo interessado em aprofundar quem era quem em tal disputa, ter-se-ia que socorrer de uma habilidade, daquelas que todos os leitores de jornal da época haviam desenvolvido até 24 de Abril e que teimava em não cair em desuso: a de saber ler nas entrelinhas. Só isso, a que era necessário adicionar um conhecimento das simpatias políticas de alguns dos membros das listas, lhe permitiria classificar a lista A como mais próxima do status quo político daquele momento, então representado pelo V Governo provisório de Vasco Gonçalves, e a lista B como uma aliança de circunstância envolvendo simpatias que iam desde os socialistas até aos maoistas do MRPP. Isto eram as opções que se deparavam à classe dos jornalistas portugueses em pleno apogeu do PREC: era-lhes possível escolher entre duas listas de esquerda, uma próxima dos comunistas e do poder revolucionário e uma outra que arrebanhava todos os que eram contra isso. Como creio que o leitor apreciará que esta história seja contada até ao fim, adiante-se que foi a Lista B - Por um jornalismo ao serviço do Povo que ganhou as eleições de 12 de Agosto de 1975, talvez numa antecipação da reversão que o PREC iria sofrer. Mas uma reflexão sobre os números envolvidos numa disputa que felizmente se travou nas urnas e que se apresentava como importantíssima, também são motivo de reflexão de como as batalhas políticas da altura se disputavam numa escala limitadíssima: a lista B venceu com 196 votos contra 158 da lista A, mais sete votos nulos (361 participantes). Um desabafo só compreendido por uma geração que viveu esses tempos: ele deve ter havido dezenas de RGAs mais participadas do que isto...

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