O Euro tornou-se o grande pomo de contenda capaz de dilacerar a Europa. E Joseph Stiglitz é um daqueles Nobel (Paul Krugman é outro...) que adora dizer coisas que se escutam com a amplificação derivada de ter recebido o prémio. Acabou de publicar o livro acima. E a revista The Economist fez do livro a recensão que se pode ler abaixo. Não é demasiado elogioso mas acaba dando-lhe razão no essencial: Sem uma revisão do que existe, o Euro parece garantido ao fracasso e que um divórcio amigável seria preferível à situação actual, que já está a colocar em risco tudo o que foi alcançado até agora em termos de integração europeia. Já que estes livros nunca são para ler, mas apenas para se dizer que se leram, neste caso ao menos que se tome em linha de conta estas duas conclusões...
Aqueles que estejam em busca de um antídoto para as ansiedades que advêm do voto britânico pelo abandono da União Europeia devem evitar o último livro de Joseph Stiglitz. O tópico é o Euro, que tem sido a maior fonte de preocupações para a Europa e que, a crer na sua análise, vai continuar a sê-lo. É um assunto robusto, adequado a ser tratado por um economista que ande nas bocas de toda a gente. Stiglitz é um dos laureados com o prémio Nobel, é um dos economistas cabeça de cartaz do Banco Mundial e já escreveu alguns livros com a sua dose razoável de presciência, nomeadamente “Globalisation and Its Discontents”, publicado em 2002.
O argumento principal do seu livro mais recente é que, pela evolução corrente das coisas, o Euro vai tornar-se um fracasso – e que, de facto, estava fadado para isso desde o seu início. Está associado a taxas de câmbio e de juro fixas para o conjunto dos países membros que adoptassem a moeda, o que significa que eles têm que abdicar da opção da desvalorização em tempos difíceis. Para compensar, os arquitectos do Euro deviam ter criado outras mecanismos tais como títulos emitidos em conjunto, um apoio recíproco aos depósitos bancários ou um fundo comum para financiar o desemprego, para que os custos de rectificação de cada economia fossem compartilhados pelas outras. Em vez disso, o fardo recai em cada país individualmente através de políticas austeritárias como a subida de impostos e a redução de salários. Os resultados foram os piores na Grécia, onde o rendimento nacional se reduziu em um quarto desde 2007 e onde a taxa de desemprego é de 24%. Joseph Stiglitz pensa que ainda se vai a tempo de corrigir isso. Mas um divórcio amigável seria preferível à situação actual, que já está a colocar em risco tudo o que foi alcançado até agora em termos de integração europeia.
Um grande bocado do livro é dedicado a criticar os decisores políticos e a forma como têm tentado resolver a crise do Euro. Joseph Stiglitz contesta correctamente a análise de culpar-a-vítima pelo fracasso do Euro, que é a que se costuma ouvir correntemente na Alemanha. Os superavits comerciais persistentes da Alemanha e os amplos deficits da Espanha, Portugal e da Grécia são dois lados de uma mesma moeda. Na realidade, numa circunstância em que a procura agregada escasseia, a contenção parcimoniosa dos alemães, longe de ser virtude, acaba por se tornar na maior razão para o fracasso, na opinião de Stiglitz. Ele defende o remédio que foi pela primeira vez proposto por John Maynard Keynes de forçar as economias credoras a ajustarem-se tributando os seus superavits comerciais. Mas na correcção dos desequilíbrios, Stiglitz dá demasiada pouca importância aos erros cometidos pelos países em crise. O livro tem outras deficiências. O tom estridente e as auto-referências em excesso vão cansar muitos leitores. Se as frases contendo as palavras “eu” ou “meu” fossem apagadas o livro tornar-se-ia substancialmente mais fino. Há passagens em que parece que as misérias da zona Euro derivam de sinistras forças corporativas e não de um idealismo desconchavado. Argumentos similares repetem-se em vários capítulos, o que é irritante e também sintoma de uma má estruturação global do livro.
Joseph Stiglitz não é o primeiro economista a apresentar perspectivas sombrias sobre o devir do Euro, embora seja evidente que ele favoreça o seu sucesso. Uma avaliação mais alargada das responsabilidades pela confusão em que se encontra a zona Euro não iria contrariar os principais argumentos do autor; pelo contrário, reforçá-los-ia. Ajusta-se que no final ele apresente a história do Euro como uma tragédia: “Foi criada com a melhor das intenções por líderes visionários cujas visões estavam nubladas por uma compreensão imperfeita do que seriam as implicações de uma união monetária”. É pena que este tom tão desapaixonado não conste dos capítulos iniciais da obra. Joseph Stiglitz está no seu melhor quando da sua frieza analítica e é do mais cansativo quando ajusta contas pessoais. Porém, no essencial, tem certamente razão. Sem uma revisão do que existe, o Euro parece garantido ao fracasso.
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