20 dezembro 2023

DISSERTAÇÃO SOBRE QUEM TEM MORAL PARA CLASSIFICAR «INDECENTES E MÁS FIGURAS» AOS OUTROS

Ontem decorreu mais uma sessão do julgamento de Manuel Pinho. Ficámos a saber que nessa sessão compareceram como testemunhas nada menos do que três antigos primeiros-ministros: Durão Barroso, José Sócrates e Pedro Passos Coelho - nomeio-os por ordem cronológica. Contudo e significativo da consistência intelectual do nosso meio mediático, em substituição do relato do que terá sido a sessão do tribunal e daquilo em que terão sido os depoimentos dos três antigos primeiros-ministros, os destaques do dia foram saturados/entupidos pelas declarações do mais recente dos ex-primeiros-ministros convocados, declarações essas que foram proferidas à entrada para a sessão do julgamento (assim se depreenderá pela fotografia acima), e cujo conteúdo se prende, não com o julgamento de Manuel Pinho, nem com as circunstâncias que o levaram a tornar-se ministro (a razão as convocatórias), mas com a actualidade política e como Passos Coelho comenta a demissão do seu sucessor António Costa. Um comentário e uma opinião - negativas - que não deveriam surpreender ninguém, considerando as circunstâncias como António Costa substituiu o mesmo Passos Coelho no cargo em Novembro de 2015, há oito anos. Mas as buzzwords «indecente e má figura» ressoaram por toda a tarde e noite informativas, como se elas tivessem sido proferidas por alguém suficientemente distanciado da luta política e dispondo de um qualquer ascendente moral sobre os demais actores políticos.
O que é ridículo. Porque entre os vários aspectos da conduta passada de Passos Coelho que nunca lhe pediram as devidas contas, um episódio injustamente esquecido, está o apoio que ele dispensou em Julho de 2017 à candidatura a Loures de André Ventura (recorde-se o vídeo acima). Um apoio tanto mais significativo quando, recorde-se, por causa do conteúdo racista e xenófobo dos discursos de André Ventura, o CDS se decidiu a retirar-lhe o seu apoio, enquanto Passos Coelho manteve o apoio do seu partido, saindo mesmo em defesa do candidato, como mais abaixo se recorda. O episódio tem seis anos, mas nunca mais ouvimos falar dele, tanto mais que a evolução política - o crescimento do Chega e as folestrias de André Ventura como seu dirigente - torna aquele casamento de conveniência progressivamente mais embaraçoso para Passos Coelho e para o PSD há medida que o tempo passa. Ali tivemos outro momento de «indecente e má figura», neste caso protagonizado pelo próprio Pedro Passos Coelho. A comparar com a atitude que então tomou, Passos Coelho pode, mas não me parece ter muita moral para se pronunciar sobre «indecentes e más figuras» de outros. Tanto mais quando percebemos que André Ventura só não aproveitará ironicamente todos os elogios que Passos Coelho lhe atribui no vídeo acima para a próxima campanha eleitoral do Chega, se não quiser...
PS: É pertinente reiterar que a figura de António Costa em todo o processo que o levou a demitir-se, podendo não ser «indecente e má», deixa bastante a desejar.

Sem comentários:

Enviar um comentário