Hoje, quando se completam precisamente 30 anos sobre a execução de Pablo Escobar, considero muito oportuno republicar esta comparação entre aquele conhecido traficante de cocaína colombiano e um agora esquecido traficante de escravos tanzaniano do século XIX, mostrando como os critérios mudaram radicalmente, e em mais do que um aspecto, de um caso para outro.
Se houver que dar um rosto ao tráfico de escravos do Século XIX este senhor de olhar bondoso da fotografia acima será um candidato ideal. O seu nome era Hamad bin Muḥammad bin Jumah bin Rajab bin Muḥammad bin Sa‘īd al-Murghabī (1837-1905) mas a sua reputação foi estabelecida através da alcunha de Tippu Tip, uma onomatopeia do som das espingardas que os seus homens usavam quando das expedições para a captura de escravos na África Oriental, em regiões que actualmente fazem parta da Tanzânia, da Zâmbia e do Congo. A maioria dessas capturas eram para exportação (mesmo assim, em 1895 estimava-se que trabalhassem 10.000 escravos nas suas plantações) mas dava-se a curiosidade de, por essa altura, a quase senão mesmo a totalidade da sua clientela ser oriunda do mundo islâmico. Aparentemente, a condenação moral e o combate ao tráfico de escravos pelas potências europeias fizera com que as possessões do Índico que precisavam de mão-de-obra, como acontecia com a África do Sul, Maurício ou a Reunião, passassem a recorrer à substituição dos escravos africanos por trabalhadores indianos vindos livremente. Para além disso, Tippu Tip contava com aquilo que hoje se designa com uma boa imprensa: fora anfitrião do famoso jornalista e explorador africano Henry Stanley (1841-1904) que dele fizera uma descrição muito lisonjeira nas crónicas dos jornais que acompanhavam as suas viagens. No final da sua vida foi publicada na Europa uma autobiografia sua onde, como seria de esperar, não há muito espaço dedicado às mais de uma centena de milhar de pessoas cuja vida fora destruída pelas suas actividades...
Justapondo tráficos de moral condenável, vale a pena comparar o tratamento dado acima a Tippu Tip, mais o tráfico de escravos que o fez prosperar, ao que foi e ainda é dado àquele poderá ser considerado como o rosto mais conhecido do tráfico de cocaína do Século XX: o colombiano Pablo Escobar (1949-1993). É absurdamente contraditório o facto de, na moral prevalecente, os argumentos que são aduzidos para analisar e condenar os intervenientes num dos tráficos é convenientemente esquecido para o outro: enquanto no de escravos se esquecem as indispensáveis contribuições dos potentados nas áreas de produção (África) para depositar as culpas exclusivamente nos consumidores finais do produto nas colónias europeias da América por o dinamizarem, no tráfico de cocaína acontece rigorosamente o oposto e os consumidores finais parecem ser sempre exonerados dessas mesmas culpas e elas são transferidas precisamente para os potentados das áreas de produção da cocaína na América do Sul… Ao contrário de Tippu Tip, Pablo Escobar nunca conseguiu contar com boa imprensa. Porém, o seu desaparecimento por assassinato, ocorrido há precisamente trinta anos e sem que o mesmo pareça ter tido uma influência decisiva no tráfico (que se terá multiplicado ainda mais depois da sua morte), veio demonstrar que a notoriedade negativa que adquirira era, no mínimo, desproporcionada. Emparelhando as suas histórias ainda mais, independentemente da forma como elas hoje são conhecidas ou ignoradas, refira-se a curiosidade de que as mansões de ambos, Tippu Tip e Pablo Escobar, erigidas pelas suas fortunas igualmente imorais, se tornaram em locais de atracção turística, tanto em Zanzibar como em Medellín.
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