11 agosto 2023

ORDERRR! ORDERRR!

John Bercow é um daqueles casos que comprova amplamente a muito conhecida definição do filósofo espanhol Ortega y Gasset: o Homem é o Homem e a sua circunstância. E a circunstância que, mais que acompanhar John Bercow, o projectou e mesmo o acabou por popularizar mundialmente, foi o processo acidentadíssimo como decorreu o Brexit. Nunca me preocupei em saber o nome de qualquer speaker da Câmara dos Comuns antes de Bercow; e creio que não me preocuparei em saber o dos seus sucessores. No entanto, depois do referendo de Junho de 2016 e até 31 de Janeiro de 2020, quando o Reino Unido abandonou a União Europeia, as imagens de John Bercow a presidir aos trabalhos da Câmara dos Comuns, clamando repetidamente por Orderrr! Orderrr!, tornaram-se um símbolo da impreparação e do desnorte das elites políticas britânicas para as consequências de uma consulta popular cujo resultado as havia surpreendido.

Esta autobiografia de John Bercow revelou-se mais interessante porque se distingue de todas as outras que eu havia lido de políticos britânicos. Disraeli, Gladstone, Lloyd George, Churchill, Attlee, Harold Wilson, foram parlamentares britânicos (naturalmente: no Reino Unido não se pode fazer parte do governo sem se ser deputado), mas notabilizaram-se sobretudo como primeiros-ministros, como membros do executivo. Não é o caso de Bercow, cujas aspirações se cingiram a ser parlamentar e que as circunstâncias levaram a que se tornasse o primeiro entre eles, presidindo à Câmara dos Comuns entre 2009 e 2019, o que, clama, fez com muito orgulho. As convulsões que acompanharam o Brexit (2016-20) apanharam-no portanto no final do seu desempenho, speaker experimentado em todos os truques regimentais da casa, para irritação do governo, por ironia formado pelo seu partido de origem (conservador).
O livro, no entanto, porque escrito quase em cima dos acontecimentos, a partir dos finais de 2019 e ao longo de 2020, ano em que foi publicado, e porque não se havia ainda fechado o ciclo das consequências do Brexit, peca por não ter a profundidade histórica de deixar alguns assuntos assentar. Exemplo: na página 320 (a rematar o capítulo 9) pode ler-se esta passagem: «In a contest as to who has been the worst Prime Minister since 1945, it is hard to choose between Anthony Eden and Theresa May» (Numa competição sobre quem foi o pior Primeiro-Ministro depois de 1945, é difícil escolher entre Anthony Eden e Theresa May). Depois do livro ter sido publicado (a minha edição paperback data de 2021), os desempenhos naquele mesmo cargo de Boris Jonhson, assim como a passagem meteórica pelo mesmo de Liz Truss em 2022, creio que tornaram aquela competição pelo pior primeiro-ministro mais alargada...

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