27 março 2024

UM REVÉS DE PROPAGANDA QUE ERA SOBRETUDO O REQUIEM DOS CAÇAS FURTIVOS F-117

(Republicação)
27 de Março de 1999. Ao terceiro dia da ofensiva aérea da NATO sobre a Sérvia, estes últimos conseguem um grande golpe de propaganda ao abater um F-117 da USAF, um tipo de aparelho que fora desde sempre muito gabado pela propaganda de guerra dos Estados Unidos, por causa da capacidade do avião em causa em permanecer invisível aos radares inimigos. A reputação do aparelho virava-se agora contra a propaganda dos seus construtores, ampliando o feito dos militares sérvios. A ironia de toda esta história, como os acontecimentos posteriores virão a comprovar e como eu já expliquei, aliás, aqui no Herdeiro de Aécio, é que o F-117 fora, desde o início, um projecto - o do avião invisível aos radares - conceptualmente mais do que duvidoso. Para os críticos, uma aeronave concebida para voar sobre território inimigo não podia assentar todos os seus meios de defesa na sua condição de furtiva: estaria à mercê de que um qualquer desenvolvimento tecnológico inesperado tornasse o aparelho obsoleto. É que a obsolescência de um F-117 não se comparava à de um outro aparelho equivalente do arsenal da USAF: por causa do material em que era construído, propositadamente destinado a absorver as ondas de radar, um F-117 era extremamente caro, custava o triplo de um F-16, o aparelho de combate mais comum dessa mesma geração. A reacção dos defensores do F-117 às críticas consistiu em montar uma gigantesca operação de relações públicas militares à volta do aparelho. Foi o único aparelho de combate do arsenal dos Estados Unidos que foi promovido com uma campanha teaser: foi colocado ao serviço em segredo (1983), embora não fosse secreto que era segredo... Só em 1988 é que se tornou oficial a sua existência. E quando da Guerra do Golfo (1991) as proezas das operações realizadas por aquele tipo de aparelho tinha direito a um tratamento diferenciado. Os Estados Unidos e os restantes países que englobavam a coligação empregavam uma dúzia, senão mais, de aviões diferentes (F-14, F-15, F-16, F/A-18, B-52 - e isto apenas entre os aparelhos de origem norte-americana), mas as missões protagonizadas pelos F-117 eram objecto de um carinho noticioso que fazia lembrar o destaque que se dedica às proezas de um hipotético irmão deficiente quando em comparação com as dos irmãos saudáveis.
O significado militar do abate do F-117 de há precisamente vinte e cinco anos é que o bluff fora descoberto... E, paradoxalmente, nem fora preciso qualquer avanço tecnológico. O que foi preciso foi colocar o F-117 em combate contra um inimigo tecnologicamente qualificado, o que objectivamente não acontecera até aí. Os operadores sérvios dos misseis anti-aéreos SA-3 só se limitaram a estudar as possibilidades do equipamento de radar que tinham à sua disposição. Tratava-se de uma tecnologia - soviética - que já tinha mais de 25 anos de serviço, mas que eles usaram de uma forma imaginativa (usando um dos limites do espectro do radar) por forma a obter uma vaga imagem daquilo que supostamente seria invisível. A carcaça do avião derrubado falava por si, quanto ao sucesso do expediente. Havendo um revés óbvio (veja-se o cartaz de propaganda dos sérvios), havia contudo um revés que ainda podia ser ocultado da opinião pública. Será desnecessário acrescentar que os F-117 desapareceram imediatamente da ordem de batalha sobre os céus da Sérvia!... Os F-117 só podiam operar, por muito furtivamente que fosse, em situações de superioridade aérea absoluta. O que é um contra-senso: se a superioridade aérea é absoluta, não precisa de ser furtiva. Mas a renúncia a um fiasco também pode ser bem encenada: deram-lhe mais dez anos de vida útil, o F-117 só foi oficialmente retirado do activo em 2009, depois de 26 anos de serviço. Parece razoável, se não levarmos em consideração que aparelhos equivalentes como o F-15, o F-16 e o F/A-18 são mais antigos do que o F-117 e continuam no serviço activo mais de quarenta anos depois da sua introdução. O que é engraçado é que, como avião, o F-117 veio a revelar-se uma aeronave carismática e misteriosa, cheia de admiradores, que imaginam fantasias a seu respeito. Mas como máquina de guerra foi, desde o princípio, um fiasco, como os documentos desclassificados pelo tempo entretanto decorrido vieram comprovar: há meia dúzia de anos soube-se que em 1986 os Estados Unidos quiseram vender alguns F-117 ao Reino Unido, que não os quiseram. (Quando a aldrabice posta a circular nesse tempo era que o F-117 continha tecnologias tão secretas que os Estados Unidos não as queriam compartilhar com mais ninguém... - a verdade é que ninguém de juízo queria operar aquele fiasco anunciado)

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