20 março 2024

COMO SE FAZ UMA NOTÍCIA A PARTIR DE UMA PASSAGEM DE UMA ENTREVISTA QUE SE SABIA À PARTIDA MEDÍOCRE

A história que precede este comentário sintetiza-se assim: Donald Trump deu uma entrevista a Nigel Farage num canal qualquer de televisão do Reino Unido do qual eu nunca tinha ouvido falar. À wikipedia só lhe falta dizer por extenso que o canal é uma merda, com vários incidentes de parcialidade descarada (ainda aqui, um video sobre o canal). O entrevistador e o entrevistado são, como demagogos, uma outra merda. E a qualidade do que dali poderia sair é uma terceira merda: além de não ser jornalista profissional e de não ter jeito, sequer, para fazer perguntas e para saber ouvir as respostas, a parcialidade de Nigel Farage por Donald Trump é mais do que conhecida - para os mais distraídos, abaixo podemos vê-lo a discursar num comício da campanha eleitoral do segundo. À primeira vista, esta parecia uma entrevista destinada àqueles trumpistas incondicionais existentes no Reino Unido (a estupidez e a admiração por estúpidos é como aquelas doenças que não se conseguem erradicar apesar da expansão da vacinação). Porém, como quase ninguém iria ver aquilo, a maneira de conferir notoriedade à banalidade é destacar uma passagem em que Donald Trump insulta um antigo primeiro-ministro australiano (Kevin Rudd) que agora é o embaixador do seu país em Washington. Na verdade, trata-se de uma retaliação: logo em Novembro de 2020, na sequência das eleições que Trump se recusou a aceitar, Rudd disse de Trump aquilo que ele considera que ele é. Opinião em que está muito bem acompanhado (onde eu me incluo). Todavia, noticiosamente este é um mundo cada vez mais peculiar: por muito que se acumulem cada vez mais pessoas a dizer o pior possível de Donald Trump isso nunca chega a ser notícia destacável; o que o é - notícia destacável - é quando Donald Trump diz mal de alguém - mesmo que isso aconteça na mais medíocre entrevista que lhe possam fazer.

Tenham lá paciência, os jornalistas deixem-se eles de merdas, mas não me convencem que isto não acontece por interesse do público (que é como os paladinos da classe costumam sempre explicar estes fenómenos inexplicáveis).

1 comentário:

  1. Caro A Teixeira,
    Nao e possivel ter jornalismo diferente com o sistema economico, estrutura de propriedade dos media e formas de financiamento vigentes.
    Sabe como e denominado na giria profissional o espaco dedicado as noticias? "O buraco das noticias"
    Sabe qual e uma das primeiras medidas que qualquer empresa de media detentora de titulos jornalisticos faz quando tem problemas financeiros? Reduz a circulacao de jornais, reduz redacoes, reduz o "buraco" portanto...
    Sabe o que e o Belmiro de Azevedo chamou ao jornal "Publico" que comprou? "Perdocio"

    E preciso compreender que os jornais e media em geral nao estao a vender nem jornais, nem noticias ao publico pagante.

    Eles ESTAO A VENDE-LO A SI, A.Teixeira, A Si, a mim, a todos nos publico que le esses jornais. E estao a vender-nos a empresas de publicidade que querem aumentar vendas de productos de consumo em nome dos grandes conglomerados industriais.
    Os verdadeiros clientes destas plataformas media sao os conglomerados industriais, nao sou eu, nem voce.

    So compreendendo isto e que se pode compreender porque e que os media fazem o que fazem, como fazem, e porque o fazem ininterrupta e despudoradamente - este circo nao e para o entreter a si A.Teixeira, e para fazer de si mais sexy e apetecivel para o real cliente.
    A ideia de que e possivel reformar os comportamentos deles por via educativa ou por pressao social ou mesmo por pressao economica ao nivel do consumidor atomizado e ridicula.
    Com o sistema vigente essa mudanca que professa e anatema. Crise existencial.

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