31 maio 2018

MARCELO PREPARANDO-SE PARA RECEBER ANGELA MERKEL

Agora que Angela Merkel está por cá, não há como pôr à prova a imaginação arrebatada do nosso presidente, para que ele desencante uma indumentária que seja simultaneamente tão primevamente tradicional, nossa, mas que ao mesmo tempo combine com um padrão de cores que agrade tanto à ilustre visitante.

OPERAÇÃO VALENTINA

31 de Maio de 1975. Tem início a «Operação Valentina». A russa Valentina Tereshkova, então com 38 anos, fora a primeira - e até aí, única - mulher cosmonauta. O voo tivera lugar em Junho de 1963, quase doze anos antes, e, desde aí, a sua pessoa tornara-se um importante activo de propaganda soviética, tanto mais que Yuri Gagarine, o seu homólogo masculino no mesmo papel, morrera em 1968 num desastre de aviação. Na fotografia abaixo, podemo-la ver nessa sua função de embaixatriz, a acompanhar atentamente como convidada de honra os trabalhos do congresso da CGT, a central sindical comunista francesa, em Novembro de 1969. A «Operação Valentina» de há 43 anos seguia um padrão canónico e muito semelhante, só que agora em Portugal e em pleno PREC. Ainda a antiga cosmonauta estava para chegar nesse dia e já o Diário de Lisboa, na sua edição de 31 de Maio de 1975, dava notícias das suas declarações à agência noticiosa soviética TASS, os lugares comuns do costume («sentimentos de genuína amizade e solidariedade por Portugal») mas que se tornava importante porque chamavam a atenção para a hora da sua chegada ao aeroporto (16H00).
Como se percebe pela notícia do dia seguinte, o comité de acolhimento era encabeçado, nem mais nem menos, do que pelo próprio Álvaro Cunhal, acompanhado por outros elementos do comité central, enquanto que, pelo seu lado, o MFA, enviava também uma delegação da Força Aérea, encabeçada por um brigadeiro, acompanhado, numa atenção muda à questão do género, por uma enfermeira pára-quedista (a Força Aérea era então o único ramo das nossas Forças Armadas que incorporava mulheres). Como é óbvio, também o embaixador soviético, Arnold Kalinin, estava presente. E, como narra o Diário de Lisboa, «à saída do aeroporto, Tereshkova foi alvo de uma calorosa manifestação popular, o mesmo acontecendo a Álvaro Cunhal.» (No fundo, no PCP e por causa de Álvaro Cunhal nunca se deram muito bem com aquela história da denúncia do culto de personalidade que foi feita no XX Congresso do PCUS...)
Os dias que se seguirão serão despendidos em deslocações pelo país, de Setúbal ao Porto, em audiências ao presidente e ao primeiro-ministro, metódica e profusamente acompanhadas pela comunicação social, mas onde fica uma certa dificuldade em distinguir a componente institucional da partidária: numa mesma notícia, a convidada tanto almoça com oficiais da Força Aérea como depois é a atracção de um comício de uma organização satélite do PCP. Acentuando a confusão, numa das suas últimas intervenções, quando de um colóquio na Gulbenkian, Valentina agradece: «Gostaria de expressar o meu profundo agradecimento ao vosso Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, e ao secretário-geral do Partido Comunista Português e ministro, Álvaro Cunhal. Apesar da sua falta de tempo, ainda conseguiram arranjar uns momentos para me receberem, o que significa, acima de tudo, um grande apreço pelo meu país.» Toda esta operação, montada pelos comunistas, à distância de 43 anos, até se torna cómica pelo primarismo, mas não confundamos esse comunismo primário com ingenuidade.

30 maio 2018

OS «RELATOS» COM UMA ESTRANHA RESSONÂNCIA À HISTÓRIA DE ANNE FRANK

Entre as coisas disparatadas que se argumentaram a propósito da discussão da despenalização da eutanásia, vale a pena destacar esta passagem de uma resposta avalizada pelo PCP, a uma sessão de perguntas e respostas que afixou on-line. Os relatos vindos da Holanda, onde a morte antecipada está instituída na lei, dão conta de idosos com maiores rendimentos que emigram para as zonas de fronteira com a Alemanha para evitarem a possibilidade de serem eutanasiados. Deixemos de parte - e não devíamos - a pertinência de questionar quem é que relata tais relatos. Esqueçamos a questão de se designar o país por Holanda e não por Países Baixos, quando eles, comunistas, ainda hoje se encrespam quando designamos genericamente por Rússia, aquilo que outrora foi o império russo, denominado União Soviética. E ultrapassemos a incorrecção semântica de ninguém emigrar quando permanece no país de origem. Mas, quem leia aquele magnifico parágrafo explicativo e conheça o enquadramento d'O Diário de Anne Frank, constata que a descrição relatada se assemelha cruelmente à perseguição dos judeus nos Países Baixos durante a Segunda Guerra Mundial, só que aqui reencarnados nos idosos e no perigo de serem eutanasiados em vez de exterminados. Remate de ironia final: pelos relatos a que os comunistas têm acesso, agora é a proximidade da fronteira com a Alemanha o indício de salvação, quando há 75 anos era daquele país que vinha o perigo. A sério: é demasiado estúpido para não se aproveitar dele o caricato.

MAIS DEPRESSA SE APANHA UM CARAPAU DO QUE UM COXO

Os colegas da primária não lhe interessam... é como quem diz. Não lhe terão interessado até interessar a Miguel Sousa Tavares vender-nos um novo livro sobre a sua infância. Por causa dele, livro, haverá toda uma nova perspectiva a explorar da sua infância, mormente a da escola povoada pelos tais colegas que agora recuperaram interesse, talvez, pelo interclassismo da experiência...


Há uma passagem que envolve o colega Alípio e uma lição de vida. Ou melhor, duas lições de vida. Uma, para o Miguel carapau original e outra - creio eu que muito desperdiçada... - para as pessoas que continuam a levar a sério o que Miguel Sousa Tavares diz.

«A isso, a esse espaço, se resumia o “recreio” de todos os alunos. E um dia, não sei por que razão, desentendi-me com o Alípio, durante um jogo, e atirei-lhe com a bola à cabeça. Por azar, nesse dia, a bola era uma pedra, e, por azar maior, acertei-lhe em cheio e ele começou a sangrar. Soou a campainha para as aulas e voltámos lá para dentro, com o Alípio tentando suster o sangue que lhe escorria da cabeça com um lenço escuro de sujidade acumulada, que retirara de um bolso das calças. A D. Constança apercebeu-se e inquiriu-o:
— O que te aconteceu, Alípio?
O Alípio, mudo.
— Atiraram-lhe uma pedra à tola — disse alguém lá de trás.
— Quem é que te atirou a pedra, Alípio?
O Alípio, mudo. Levantei o braço, antecipando-me à voz atrás de mim. Fez -se um silêncio de filme de suspense. Todos conheciam as regras: um par de reguadas em cada mão. Não que a D. Constança gostasse do método, mas era o que estava em vigor, então. Igual para todos, supostamente. Mas atrever-se-ia ela com o menino Miguelzinho? Atreveu-se, sim. Começando no silêncio do Alípio à rapidez com que alguém falou por ele, foi toda uma lição de vida…»

QUEM SE RIU NO FIM DE MAIO DE 1968


30 de Maio de 1968. Depois de quatro semanas de acontecimentos que encheram os cabeçalhos de toda a imprensa mundial, um, até aí vacilante, presidente Charles de Gaulle reaparece, anunciando a dissolução da Assembleia Nacional francesa e a realização de eleições legislativas. A intervenção de de Gaulle é rematada por um apelo para que os seus apoiantes promovessem uma manifestação nas ruas de Paris. De uma forma obviamente antecipada e concertada, essa manifestação tem lugar ao fim da tarde desse 30 de Maio e, se na opinião da maioria dos observadores, o poder caíra na rua ao longo desse mês, é também dessa rua que a direita sociológica gaullista o vai agora resgatar, derrotando o movimento estudantil no seu próprio terreno. Não é por acaso que as imagens desse dia exibirão, para além de gigantesca moldura humana (fotografia abaixo), as desocupações das ocupações que haviam sido realizadas anteriormente pelos estudantes ou a substituição das bandeiras vermelhas de Maio por bandeiras tricolores. Depois de nove milhões de grevistas terem paralisado a França em 25 de Maio, o governo recuara até onde pudera, assinando os Acordos de Grenelle no dia 27, mas o verdadeiro epílogo dramático de Maio de 1968, são os acontecimentos de há precisamente 50 anos, esta vitória da rua e na rua de uma maioria sociológica dos franceses, vitória essa que o resultado das urnas de 23 e 30 de Junho se encarregará posteriormente de confirmar. Se os verdadeiros românticos gostam de desfechos trágicos, os nostálgicos do Maio de 1968 que estiveram metaforicamente do outro lado da barricada destes gaullistas não parecem gostar de tais desfechos, pois as suas narrativas, sendo muito ricas em evocações, raramente são metodicamente cronológicas até ao fim do mês.

29 maio 2018

OS BOMBARDEAMENTOS QUE SE PODEM EVOCAR E OS BOMBARDEAMENTOS QUE É MELHOR ESQUECER

Ainda 29 de Maio de 1943. No mesmo dia, os bombardeiros aliados atacaram a cidade francesa de Rennes quanto a cidade alemã de Wuppertal. Em Portugal, um jornal do dia seguinte noticiava, objectivamente, tanto um quanto outro. O bombardeamento sobre França tivera lugar de tarde e fora da responsabilidade da Força Aérea americana, o sobre a Alemanha fora nocturno, como se tornara habitual nas acções de bombardeamento da RAF britânica. Não se mencionavam os custos humanos porque ainda seria cedo para isso, nem os estragos, porque isso constituiria segredo militar. Mas as narrativas contabilizam 195 mortos no caso francês e 2.732 mortos no caso alemão. A escala parece ter sido substancialmente diferente, mas não será isso que explica o tratamento completamente distinto dado a acontecimentos de natureza idêntica, tal como aconteceu com estes dois episódios simultâneos depois de 1945. Se, no caso de Wuppertal, os acontecimentos puderam continuar a ser evocados, terríveis mas merecidos no quadro da justiça da Guerra, no caso de Rennes, aquilo que aconteceu deixou de ser falado, que ele parece que há certas tragédias que, precisamente por não serem lineares nas culpas de autores e das vítimas, o melhor é serem esquecidas.

ROSIE, A REBITADEIRA

29 de Maio de 1943. A edição desta semana da revista The Saturday Evening Post aparece ilustrada por uma capa que é um desenho de Norman Rockwell, um desenho destinado a tornar-se célebre, muito depois do conflito que o motivara (a Segunda Guerra Mundial) ter terminado. Denominaram-no de «Rosie, the Riveter», que eu traduzi para Rosie, a Rebitadeira. Como muitos dos desenhos de Rockwell, também este é mais complexo do que parece à primeira vista. A Rosie - sabemos que se chama assim porque é esse o nome que aparece na lancheira - apresenta-se-nos sentada numa atitude que é descaradamente posada. Mas essa pose autoconfiante é o único retoque da feminilidade tradicional no conjunto. Mais do que gorda, a constituição de Rosie faz-nos lembrar aquelas mulheres maciças e robustas. Só a musculatura dos braços torna plausível que a rebitadeira a ar comprimido, que está depositada no seu colo, seja mesmo o seu instrumento de trabalho e não um adereço. A ganga da roupa, a graxa da cara, reforçam a identidade operária do ambiente. A sanduiche indica que se trata de um momento de pausa, assim como os óculos repuxados para a testa e o visor levantado por cima da cabeça. O segundo assemelha-se a um halo de santo, algo que Rosie não é, considerada a forma como ela simultaneamente espezinha um exemplar do «Mein Kampf». Naquele momento, o desenho é sobretudo um exercício de propaganda de guerra, a maneira de mostrar que os Estados Unidos estavam a mobilizar a sua mão de obra feminina para funções que não lhes eram tradicionais, com o objectivo de aumentar a sua produção industrial. Depois da guerra, o desenho adquiriu outras conotações simbólicas, mas essas já no âmbito das questões da igualdade dos géneros. E, por detrás de um desenho com história, há sempre a história do seu desenho. O modelo de Norman Rockwell para Rosie chamava-se Mary Doyle, tinha 19 anos e era... telefonista. Obviamente mesmo sendo ruiva e respeitando a fisionomia, Mary estava muito longe de possuir a compleição como Rockwell a desenhou. O artista posteriormente contactou-a, pedindo-lhe desculpa por a ter retratado daquela forma tão... avantajada. A última vez que o desenho original foi transacionado e se soube o preço, em 2002, alcançou o valor de 4,9 milhões de dólares.

28 maio 2018

DO JANTAR NA COZINHA ATÉ À VIVENDA DE 600 MIL EUROS

Esta photo-op foi feita numa data imprecisa da segunda metade da década de 1970 e nela aparece um Felipe González ainda muito jovem, mas já secretário-geral do PSOE e à espera da sua oportunidade de chegar ao poder, rodeado da família a jantar na cozinha do que passará por um apartamento banal da classe média espanhola. Seriam os eleitores tipo que o PSOE procuraria visar com esta fotografia a apelar à identificação do dirigente com os eleitores. Claro que se adivinha quanto aquele momento foi encenado, mas, quarenta anos passados (e os filhos de Felipe González que aparecem na imagem são agora uns quarentões maduros...), as questões domésticas de um outro líder ambicioso da esquerda espanhola são agora completamente diferentes. Pablo Iglesias não está nem aí preocupado em parecer que vive como aquilo que nocionalmente será o espanhol médio. Os espanhóis médios não compram vivendas de 600 mil euros, mas esses mesmos espanhóis médios também não estão à espera que os políticos vivam como eles: ainda há cinco anos, o também socialista José Luis Zapatero comprou a vivenda onde morava por mais de 800 mil euros, sem que o episódio tivesse gerado comoção por aí além. O problema de Iglesias é que ele tem um passado de pregar moral aos outros sobre o quanto é razoável despender na compra de habitação própria. Mas aquilo que mais involuiu na política espanhola nestes quarenta anos radica na tendência para ela se fechar da sociedade em geral (aquela em que parecia ser comum comer-se na cozinha, e a que González, mais acima, pretenderia assemelhar-se) para se concentrar no clã dos próximos. E isso percebe-se pela reacção de Iglesias que, em vez de responder à primeira, que o olha com o desdém de quem foi apanhado na armadilha do faz o que eu digo, não faças o que eu faço, prefere concentrar-se no segundo, organizando um referendo que vai, mais do que provavelmente, vencer por números significativos. Ou muito me engano ou os números do referendo interno do Podemos a respeito da vivenda de Iglesias ir-se-ão assemelhar, curiosa e paradoxalmente, mesmo invocando o folclore da democracia interna, aos das eleições do franquismo.

FRANÇOIS MITTERRAND A «IR COM DEMASIADA SEDE AO POTE»


28 de Maio de 1968. Depois de um mês inteiro de agitação crescente por toda a França, François Mitterrand adivinha que se aproxima o colapso do poder gaullista em França e começa a movimentar-se antecipadamente de acordo com isso. Organiza uma conferência de imprensa no Hotel Continental, onde comenta o referendo ao projecto de Lei que foi aprovado no dia anterior pelo governo de Georges Pompidou e cuja data foi marcada para 16 de Junho. Recusando qualquer outro resultado que não a vitória do Não, François Mitterrand posiciona-se desde logo como candidato presidencial às eleições que se sucederão à inevitável demissão do general de Gaulle. Mais do que isso, promete a dissolução da Assembleia Nacional e a realização de novas eleições em Outubro. Sobretudo, num momento mais imaginativo, preconiza a formação de um governo de gestão (por acaso, uma figura inexistente no quadro constitucional francês) «composto de dez membros, sem exclusividades e sem doseamentos». Arrebatado pelo entusiasmo, Mitterrand propõe-se mesmo ser ele a encabeçar esse governo, embora, magnânimo, equacione que «haja outros que ambicionem legitimamente essa mesma posição, a começar», acentua, «pelo senhor Mendès-France». Quanto instado a pronunciar-se sobre a presença dos comunistas nesse hipotético governo, o prospectivo chefe de governo repete a fórmula: «sem exclusividades e sem doseamentos». Perante esta manobra de antecipação, a reunião entre a formação de Mitterrand (a FGDS - Federação da Esquerda Democrática e Socialista) e o Partido Comunista Francês (PCF), que estava prevista para as 21H00 daquele dia, foi por sua vez, antecipada para as 17H00.
Uma reunião em que as duas delegações se limitaram a produzir um comunicado que, descodificado, mostrava que não se haviam entendido em coisa nenhuma: «Após terem procedido a uma troca de informações e a uma discussão das soluções que ambas preconizam para a crise actual, as duas delegações decidiram submeter o resultado das mesmas às respectivas organizações. Os trabalhos prosseguirão nos próximos dias.» Os acontecimentos das próximas semanas iriam ridicularizar todo este bonapartismo de François Mitterrand. Em vez do referendo realizaram-se eleições legislativas que mostraram o que pensava a França profunda, a que não se via nos jornais, porque não atirava pedras aos CRS, não fazia greves, nem dava conferências de imprensa prematuras, esfolando as carcaças dos animais políticos que ainda não tinham morrido. As formações da esquerda saíram quase completamente esmagadas dessas eleições de Junho de 1968, conforme se observa pela evolução da composição da Assembleia Nacional (abaixo), em relação à que fora eleita apenas um ano antes. A França profunda teve medo e as habilidades de um François Mitterrand apenas acentuou a sua expressão nas urnas. Um Mitterrand que se ridicularizou e que vai pagar caro esse desembaraço nas eleições presidenciais do ano seguinte, onde, depois dos 44,8% que recolhera em 1965, nem chegará a concorrer. Não conheço expressão francesa equivalente mas, em português, esta atitude de Mitterrand nos finais do mês de Maio de 1968, designava-se - e continua a designar-se, 50 anos depois - por «ir com demasiada sede ao pote».

27 maio 2018

PAÍSES EXEMPLARES ONDE SE VIVEM «AS MAIS AMPLAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS»

Com a participação - oficial - de apenas 46% dos eleitores e a recusa de 14 países da região em validar os resultados desse mesmo escrutínio, exemplar é o adjectivo apropriado que estava a faltar, capaz de honrar na desfaçatez o legado histórico de Álvaro Cunhal e a sua famosa expressão das «amplas liberdades democráticas». Olhem se os comunistas têm ganho em 25 de Novembro de 1975! Pelo padrão de exigência, que eleições exemplares teríamos tido cá em Portugal!

A TERCEIRA BATALHA DO AISNE

27 de Maio de 1918. Desde a 01H00 da manhã os I e VII exércitos alemães desencadeiam um nutrido fogo de artilharia sobre as posições francesas do VI exército. Apesar da designação e do comandante, o general Duchêne, três das oito divisões que o compõem são britânicas, ali colocadas para recuperar de combates anteriores naquela Primavera, já que aquele sector da frente era considerado calmo e improvável um ataque alemão. As cerca de 4.000 peças de artilharia, que emudeciam as 1.000 que os franco-britânicos tinham para lhes opor e mostravam que as avaliações da 2ª Repartição do GQG sobre as intenções do inimigo haviam estado totalmente erradas. Pelas 03H30 segue-se o ataque da infantaria, 17 divisões de Stoßtruppen que conferem aos assaltantes uma superioridade numérica que torna as ofensivas de 1918 completamente distintas dos assaltos às trincheiras canónicos dos anos precedentes, onde os defensores dispunham de todo o tempo para reagir, guarnecer as metralhadoras e abater os assaltantes expostos na no man´s land. Agora os assaltantes aproveitam-se da escuridão da noite para submergir as trincheiras, neutralizando quem se oponha, e partindo rapidamente em direcção ao próximo objectivo, ainda mais à retaguarda. O mapa acima mostra a evolução da frente ao longo do dia 27 de Maio de há cem anos, desde o traçado inicial, a vermelho, com as posições sucessivas, à alvorada, ao meio dia e ao pôr do sol. No fim do dia, os alemães estavam sobre o rio Vesle, a 15 km das trincheiras de onde haviam partido.
Como aconteceu com a divisão portuguesa em La Lys, também as grande unidades visadas pela ofensiva alemã tinham sido aniquiladas: da 22ª divisão francesa contavam-se 300 homens, da 61ª divisão uns 800 e da 157ª divisão 1.200. Para referência, uma divisão, conforme o seu grau de desgaste devido aos combates, teria originalmente entre 10 a 15.000 homens. A 50ª divisão britânica, pelo seu lado, cingia-se apenas a 1.400 homens . Os britânicos, sempre sacanas na habilidade em atribuir aos aliados a responsabilidade pelos desastres militares quando sofridos em conjunto, neste caso atribuindo à inabilidade táctica de Duchêne a causa para a hecatombe deste primeiro dia da terceira Batalha do Aisne, tiveram (merecidamente) nesse dia a duvidosa honra de produzir o prisioneiro de guerra de mais alta patente a ser capturado, o brigadeiro-general Hubert Rees, comandante da 150ª brigada (acima). Com apenas 36 anos, Rees era apenas capitão em Agosto de 1914, quando chegara a França, comandando uma simples companhia, mas, as circunstâncias de guerra, conjugadas também com a sua competência, haviam feito que tivesse sido sucessivamente promovido às quatro patentes superiores nos anos de guerra que se seguiram: major, tenente-coronel, coronel, brigadeiro. Naquele dia de há cem anos, porém, toda a veterania e o profissionalismo de Hubert Rees foram inúteis. À laia de compensação, podemo-lo ver, ao infeliz brigadeiro Rees, no dia seguinte, a ser entrevistado pelo próprio Kaiser Guilherme II, numa visita de inspecção que este fez para acompanhar a ofensiva alemã. Mas, para quem esteja interessado, existe este vídeo abaixo (com a duração de 11 minutos), com a versão animada da batalha.

26 maio 2018

UM «LATTE» QUE NUNCA MAIS ACABA...

Nunca se depararam com fotografias que, só de olhar para elas, vos surge instintivamente o título? É o caso desta, em que o enquadramento dá à cor da água da inundação uma possível interpretação diversa. E o facto de o estabelecimento ser um «Starbucks», com todo o pretensiosismo inerente, obriga a que o líquido seja comparado a um gigantesco «latte», à italiana, bebida internacionalizada, e não ao nosso prosaico galão lusitano...

QUANDO O NACIONALISMO ALEMÃO SE CONFUNDIA COM O NAZISMO

Esta fotografia foi tirada na Primavera de 1938 (mais precisamente a 10 de Abril). Pela profusão de fardas, cruzes gamadas e proclamações afixadas nos cartazes, nada a distinguirá de outros grandes comícios promovidos pelas autoridades nazis da época. Acontece que o local da foto é o Luna Park de Buenos Aires, na Argentina... a 12.000 km de Berlim. O número de imigrantes alemães e de seus descendentes vivendo então na Argentina contavam-se por muitos centenas de milhares, perto de 100.000 haviam chegado apenas nos últimos vinte anos. O comício reuniu 20.000 deles. Celebrou-se o Anschluss (a anexação da Áustria), que ocorrera no mês anterior. Cantou-se o hino patriótico «Deutschland über Alles» mas também o hino nazi «Horst-Wessel Lied». É um fenómeno que a derrota da Segunda Guerra Mundial fez entretanto esquecer, quanto o nazismo se conseguiu então apoderar de todas as expressões do nacionalismo alemão, a ponto de torná-los indistinguíveis. Outras ditaduras (italiana, portuguesa, espanhola) não o quiseram, ou não o conseguiram, fazer entre as comunidades das suas diásporas. Se hoje ainda é muito comum (e injusto) associar-se alemães e nazismo, importa recordar que há oitenta anos isso era tolerado e até mesmo encorajado pelos antepassados daqueles que hoje se queixam da injustiça.

A ISLÂNDIA MUDA OS SENTIDOS DO TRÂNSITO

26 de Maio de 1968. Há precisamente cinquenta anos, e quase nove meses depois da Suécia o ter feito (operação cujo cinquentenário também foi aqui foi assinalado no blogue), a Islândia torna-se o último país nórdico a alterar os sentidos do trânsito para a tradicional condução pela direita. Após isso e na Europa, circulando pela esquerda, só ficaram a restar as ilhas britânicas.

25 maio 2018

O PIRATA BOREAL

Estando nós em finais de Maio e com tantos - onde me incluo - por aí a tiritar de frio, lembrei-me de ilustrar a atipia da época com esta fotografia de uma ignota paragem de autocarro da Rússia, onde se destaca a presença de um pirata, reconhecível não só pelo chapéu característico, mas também por uma desadequada camisola de manga cava, figura nitidamente mal encalhada em tais paragens tão continentais e tão boreais...

O DESASTRE DO DIRIGÍVEL «ITÁLIA»

25 de Maio de 1928. Existe uma história hoje completamente esquecida da corrida para a conquista dos pólos. A que se travou pela supremacia de quem seriam os primeiros a sobrevoar o Pólo Norte envolveu uma personalidade tão improvável quanto Umberto Nobile (1885-1978), um engenheiro aeronáutico italiano que se notabilizara na construção de dirigíveis e como explorador do Ártico, já que em 12 de Maio de 1926, no comando do dirigível Norge (que ele próprio concebera, mas que recebera esse nome porque o financiamento da expedição viera dos noruegueses), se contara entre os três primeiros homens a sobrevoar o Pólo Norte. A expedição foi cheia de incidentes, de picardias entre o autor do software da expedição, o explorador norueguês Roald Amundsen (1872-1928), e Nobile, que fora o indiscutível autor do hardware, sem o qual ela não teria sido possível.
Em disputa estivera também o prestígio pátrio, assunto em que a Itália, então governada por Mussolini, não brincava: assim, quando o Norge sobrevoou o Pólo, lançaram-se três bandeiras, correspondentes às nacionalidades dos exploradores, mas deu-se o acaso da italiana ser maior que as outras... para grande irritação de Amundsen e dos noruegueses que haviam financiado a expedição. Amundsen, que já fora o primeiro explorador a alcançar o Pólo Sul em 1911, era um ego difícil de aturar, mas aquilo que se percebe de Nobile, nomeadamente a sua promoção de imagem - como é o caso do cãozinho de mascote que o acompanhava para todo o lado... - torna difícil escolher a quem dar razão. Para aquilo que nos interessa, dois anos depois, na Primavera de 1928 e agora com o patrocínio italiano, Nobile encabeçava, agora sem rival, uma outra expedição mais ambiciosa, composta por mais elementos (16) e a bordo de uma nova aeronave devidamente baptizada Itália (fotografia inicial).
E é aqui que apanhamos os acontecimentos de 25 de Maio de 1928, de há precisamente 90 anos. Na viagem de regresso do primeiro dos sobrevoos programados sobre o Pólo, e quando a aeronave regressava à base por causa da meteorologia desfavorável, o dirigível acabou por perder demasiado hidrogénio, afundando-se subitamente e embatendo no solo. A maior parte da cabine partiu-se, deixando no solo dez dos dezasseis tripulantes, com parte dos meios que transportavam. Entretanto, aliviada de peso, a aeronave readquiriu rapidamente altitude e prosseguiu uma viagem a partir de então desgovernada, transportando aprisionados nos destroços que haviam subsistido os outros seis membros da tripulação, dos quais nunca mais se soube nada. Entre os dez homens que haviam ficado no solo, um morrera e quatro (entre os quais Nobile) haviam ficado feridos.
Tudo isto aconteceu em poucos minutos, mas a saga do desastre do dirigível Itália, só agora começara, uma saga dos sobreviventes, mas que será também uma saga dos seus salvadores, já que o resgate dos primeiros, que só se concretizaria dali por sete semanas, a 14 de Julho de 1928, virá a custar aos segundos dez vidas, a acrescer às nove mortes entre a tripulação do Itália. Mas algo que impressiona quando se segue esta história é o ritmo plácido a que os acontecimentos são noticiados, conforme os breves despachos diários que se podiam ler no Diário de Lisboa daquela época (mais acima). Como se percebe pela sua leitura, até ao fim do mês de Maio não se dá conta de qualquer verdadeiro sinal de alarme pela ausência de comunicações do dirigível.
Só no dia 1 de Junho é que se fala em accionar os primeiros meios de salvamento, que irão provir de uma enorme diversidade de países e que vai ser um outro acontecimento internacional. Quarenta anos depois dos acontecimentos, no Verão de 1968, a revista Tintin publicava uma história de BD a respeito do desastre e dos acontecimentos subsequentes. Lendo-a, fica-se a saber que Amundsen veio a morrer aquando das operações de busca e salvamento do seu antigo rival, embora não se perceba como se forjara essa rivalidade. Para desfecho da história, recuperava-se a imagem positiva da solidariedade internacional, mas não sem antes referir que Umberto Nobile fora considerado pelas autoridades italianas como o bode expiatório pelo que acontecera. De que hoje quase ninguém se lembra.

24 maio 2018

«THE AFFAIR»

Ninguém me paga pela promoção mas, nem que seja pela imaginação das capas, vale sempre a pena dar uma vista de olhos à The Economist (acima). Na próxima edição da revista, o tópico de capa tem o interesse de nos explicarem quem é que na América gosta, e porque é que gosta, de Donald Trump. Não querendo agoirar, diz-me a experiência que, quando os artigos vêm com esta excelente apresentação, acabam por se revelar um desapontamento, por causa das expectativas criadas. Mas espero que não seja o caso deste «The Affair - Why corporate America loves Donald Trump». Pelo que se tenta adivinhar da redacção do título, não deixa de ser curioso que seja uma das publicações que mais pugna pela liberalização de tudo como solução para tudo, que aponte o dedo à corporate America como uma mão que está a amparar tal figura, uma figura do proteccionismo que, valha a verdade, se está a revelar única no historial político dos Estados Unidos.

COM A VERDADE ME ENGANAM, COM A VERDADE SE IRRITAM

O comportamento de alguns jornalistas ditos económicos, daqueles dados a analisar coisas, faz-me lembrar o comportamento tradicional dos seus colegas de uma outra especialidade, especialidade essa que, apesar de característica noutros países, nunca vingou em Portugal: os jornalistas das páginas de apostas desportivas, nomeadamente as apostas sobre corridas de cavalos. Porquê? Porque mesmo não sabendo nada de específico a respeito de uma determinada corrida, os jornalistas de apostas estão obrigados a manifestar uma opinião, mesmo que ela não passe de uma reciclagem camuflada – e essa camuflagem pode ser mais ou menos bem-sucedida – do favoritismo que é atribuído pelo público a cada cavalo (acima), as denominadas odds – e aqui, tanto nas apostas como na economia, os anglicismos técnicos trazem um apport de respeitabilidade ao analista. É questão assente que um jornalista de apostas não pode não ter um favorito num Derby. Na prática, e porque o assunto apenas está embrulhado por uma camada diáfana de cientificismo, a página de apostas desportivas nos jornais estrangeiros assim como a maioria dos artigos dedicados à economia nos jornais portugueses tendem a tornar-se num ecossistema fechado. Pela própria essência do seu discurso, um Camilo Lourenço, por exemplo¹ e se ele tiver um grande auditório, há-de ser um grande auditório cativo (no caso de não ter, é um mistério jornalístico porque lhe continuam a dar notoriedade...). O preâmbulo já vai longo, mas é útil para retratar a traços grossos as características do protagonista da historieta que se segue. Que começa com mais uma notícia recente e alarmista, na linha das que interessam por provocarem o clickbait, a notícia do crescimento da “dívida directa do Estado em Abril deste ano para 245,5 mil milhões, representando 127,1% do PIB”.
A questão da nossa dívida pública presta-se à confusão, já que há (pelo menos) dois organismos a contabilizá-la (o IGCP e o Banco de Portugal), os critérios de contabilização variam, pode ser apresentada em valor absoluto ou em % em referência ao PIB e a variação de um mês para o outro é circunstancial, pode nada nos dizer sobre a tendência. É um tópico já muito mastigado, que, apesar de se ter prestado a projéctil de arremesso político, como o fez o Observador até há uns dois anos, hoje caiu em desuso para tais propósitos. Não é por ali que se amachuca a reputação de Centeno. Para os genuinamente interessados, há até um blogue maçudamente dedicado ao assunto. E depois há aqueles jornalistas económicos e aparentados que acima descrevi, e que não se podem dar ao luxo de confessar que não têm qualquer palpite (tip) sobre qual o favorito para uma qualquer corrida. Vão a todas. Mesmo quando a notícia saiu de moda como aqui, têm que ir às sobras do jantar e dizer qualquer coisa. O problema é quando essa coisa é escrutinada... e essa coisas são facilmente escrutináveis usando o Google. Assim, aquilo que em Abril de 2018 é para ser subentendido como algo inequivocamente grave, 245,5 mil milhões de dívida, correspondentes a 127,1% do PIB (acima), comparar-se-ão favoravelmente com a situação de há um ano, Abril de 2017, em que os números eram 247,4 mil milhões e 130,6%, respectivamente (abaixo). Mas o corolário da historieta não é a notícia a que, como é costume quando os autores são estes jornalistas ditos económicos, lhe falta o contexto que lhe reduziria o impacto. O corolário é a reacção de um desses ditos jornalistas analistas quando se lhe envia um comentário assinalando a contradição do que escreveu: o comentário é apagado, o autor desamigado, porque este género de jornalismo económico não será para ser uma ciência, factualmente confirmada ou desmentida, antes algo em que, vivendo como um ecossistema nas e para as redes sociais, se evita a discordância, porque a Verdade ali até pode ser tóxica.
¹ «Numa altura particularmente conturbada para os lados do Sporting e de Bruno de Carvalho, a principal questão a resolver até nem é a sua liderança mas tem um nome: empréstimo obrigacionista (...)», Camilo Lourenço, 11 de Abril de 2018.

JORNALISMO: DE BESTA A BESTIAL

Há 38 anos, nos quatro dias que vão de 20 a 24 de Maio de 1980, a avaliação da diplomacia portuguesa feita pelo Diário de Lisboa (comunista) ia aos extremos da incoerência. O "estrondoso fracasso" da "Europa que não quisera ouvir Freitas do Amaral" dava lugar à presença do presidente (americano) Jimmy Carter em Lisboa. A diplomacia fora da "AD" (Aliança Democrática, então no poder) no caso do fiasco, mas entretanto passara à responsabilidade de indeterminados, neste segundo caso de um contrariado sucesso diplomático.

23 maio 2018

O LIVRO DE AUTO-AJUDA DO SÉCULO XXI

Publicado originalmente em 1936, o famoso livro «Como fazer amigos e influenciar pessoas» terá sido o livro de auto-ajuda por excelência das gerações que a ele recorreram pelo resto do século XX. Foram vendidos mais de 50 milhões de exemplares. Mas, se tivesse que eleger o livro de auto-ajuda mais promissor para o nosso século XXI apostaria neste (ficcional): «Como evitar tudo - a irresponsabilidade ao alcance de todos». Coerentemente, e ao contrário de Dale Carnegie, o autor do potencial «best-seller» não se assume. Mas cada vez que nos deparamos com uma figura pública com relutância em assumir as suas responsabilidades, descobre-se mais um dos seus leitores...

O EXEMPLO DO DIA
Porque a descrição está um pouco abstracta em demasia, escolhi um exemplo de hoje, fresquíssimo como peixe de lota, de um desses comportamentos inconsequentes, de quem evita tudo e acha que o que acontece não se aplica a si próprio: Luís Montenegro, a comentar na TSF o escândalo do dia, quando se descobriu que o ministro Siza Vieira (quem?...) acumulara o cargo com a gerência de uma empresa imobiliária. Em primeiro lugar, o enfâse crítico de Montenegro para com a ignorância de Siza Vieira é surpreendente para quem se recordar de como Montenegro se comportou quando de uma outra distracção, mas essa de Pedro Passos Coelho e a respeito de uns pagamentos à Segurança Social, aqui há coisa de uns três anos. Essa, pelos vistos, era "concebível". Mas isso será o menos: ainda há seis semanas, fora o próprio Montenegro a ser o protagonista do escândalo do dia, quando se soubera que o seu escritório de advogado tinha tido e mantinha uma relação muito próxima com duas autarquias PSD da região. Será que Montenegro está convencido que o conhecimento dessa moscambilha, a si, pessoalmente, o terá robustecido politicamente para comentar de cátedra o que acontece aos outros?

22 maio 2018

O EUROCORPS

22 de Maio de 1992. Na Cimeira franco-alemã de La Rochelle, os dois países decidiram expandir a sua cooperação militar até à formação de um Corpo de Exército, que veio a receber a denominação de Eurocorps. Eram outros tempos, em que Kohl e Mitterrand, enquanto não se cansavam de manifestar a sua mais profunda amizade recíproca, também não se deixavam ultrapassar em europeísmo pelo parceiro. Vinte e seis anos depois do anúncio da sua constituição, aquilo que seria para ser (obviamente) o embrião de um futuro exército europeu - enfatizando a expressão de Alexandre O'Neill - permanece assim uma coisa em forma de assim. A organização apenas subsistirá porque, embora não atrase nem adiante em relação ao quadro de segurança colectiva representado (ainda e sempre) pela NATO, politicamente é uma chatice para os dois patrocinadores reconhecerem que a iniciativa se revelou um fiasco.
Existe um Quartel-General, sedeado em Estrasburgo, e guarnecido por cerca de 1.100 efectivos. Mas as unidades combatentes, que poderão elevar os efectivos do corpo até aos 50 mil homens, em caso de activação do corpo, permanecem sob controlo das forças armadas nacionais (veja-se abaixo o mapa da direita). Aos dois países fundadores juntou-se depois a Espanha, a Bélgica e o Luxemburgo, mas as adesões ficaram-se por aí. Outros países associaram-se (abaixo, a verde intermédio): a Itália, a Grécia, a Roménia e a Turquia. Mais significativo e assinalados a verde claro, houve países que se associaram, mas que entretanto se dissociaram (a Áustria e a Finlândia) ou estão em vias de o fazer (a Polónia): estes últimos três países têm o traço comum - significativo! - de que todos eles tiveram uma história comum de interferências da Rússia nas suas autonomias. Para aquilo que iriam à procura, o Eurocorps não parece ser a resposta.

A IMPLOSÃO DO USS SCORPION

22 de Maio de 1968. Um submarino nuclear norte-americano, o USS Scorpion, desapareceu em pleno Atlântico Norte. Para além do facto de que os acidentes com submarinos se saldam frequentemente pela perda de toda a tripulação (99 homens neste caso), é também um facto característico seu as dificuldades posteriores em investigar e conseguir apurar as causas que os provocaram. Os destroços encontram-se no fundo do mar, muitas vezes a vários quilómetros de profundidade (3 km no caso do Scorpion). A acrescer ao ambiente lúgubre, desde o princípio desse ano de 1968, que aquele já era o quarto submarino a desaparecer dessa maneira inerentemente misteriosa: há uma última comunicação com a base e depois deixa de se saber do navio. Em Janeiro, fora o israelita INS Dakar e o francês Minerve que haviam desaparecido no Mediterrâneo com dois dias de intervalo, e em Março fora o K-129 soviético a desaparecer no Pacífico Central. O encadeado de acidentes provocou uma certa psicose do submarino a que lhe acontece algo de misterioso que alguns anos depois veio a ser aproveitado pelo argumento do filme 007 «The Spy Who Loved Me» (abaixo).

21 maio 2018

O FRACASSO DE UM DOS «NOSSOS GRANDES» FISCALISTAS

Para quem já se tenha esquecido, aqui há coisa de um ano, em Junho de 2017, Cristiano Ronaldo foi acusado de fraude pelo Fisco espanhol. E em resposta tivemos direito a uma explicação televisiva (na SIC Notícias) do advogado de Cristiano Ronaldo, o brilhante fiscalista António Lobo Xavier que explicou ao auditório que, pelo contrário, o craque do Real Madrid não devia nada, acrescentando enfaticamente que «o critério escolhido por Ronaldo (até) de(ra) mais dinheiro ao Fisco espanhol». Mas, como na Hacienda espanhola serão poucos os que seguem a Quadratura do Círculo, foi assisado que se esperasse pela continuação do caso antes de formar opinião. Caso esse que teve um episódio significativo anteontem, episódio esse que passou praticamente desapercebido no meio da confusão gerada pelo caso da academia do Sporting. A redacção do título da notícia abaixo, ainda que benigna para Cristiano Ronaldo ( é ele que se dispõe a pagar e nem parece que esteja a ser coagido a isso; mas paga os 14 milhões todos e não bufa!), vem reforçar aquela minha impressão que há muita gente que, entre nós goza de uma excelente reputação pessoal e profissional, mas que tem manifestas dificuldades - porque uma não acompanha a outra - em projectá-las para lá de Badajoz...

«MALANDRO QUE É MALANDRO NÃO ESTRILHA, MUDA DE ESQUINA»

O ditado popular é português, mas a prática, essa receio que ainda tem que ser aprendida com os exemplos flagrantes das malandragens alheias - como será o caso acima. A nossa malandragem doméstica, quando se considera acima do popular e por pior que seja aquilo que tenha feito, nunca se considera malandra, não tem nada que mudar de esquina...

A FRENTE OCIDENTAL A 21 de MAIO de 1918

Há precisamente cem anos era assim que se apresentavam os exércitos dos dois lados das trincheiras da Frente Ocidental. A concentração de unidades alemãs (a vermelho) na região da Flandres era ainda o resultado das Ofensivas da Primavera que, apesar das vitórias tácticas, não haviam conseguido alterar a situação estratégica em prol da Alemanha. Do lado oposto, predominava a cor azul das divisões francesas, quando em comparação com a recentemente reduzida secção de frente das abaladas divisões do império britânico (em cor de laranja). Quanto às recém chegadas divisões norte-americanas (em grená), elas ainda são demasiado poucas e encontram-se demasiado dispersas para criarem uma mancha colorida a esta escala. Mas o mapa pode ser observado em mais detalhe. Note-se o anacronismo de que o mapa conter as fronteiras internacionais de 1919.

20 maio 2018

O MOTOR A JACTO DE FRANK WHITTLE

15 de Maio de 1941. (...devia ter sido publicado há cinco dias  mas distraí-me...) Dava-se o primeiro voo experimental de um aparelho britânico propositadamente concebido para o motor a jacto, o Gloster E.28/39. Trinta anos depois disso, no Verão de 1971, a revista Tintin semanal publicava a história de BD abaixo, onde o herói era aquele que fora considerado o inventor de tal engenho: Frank Wittle (1907-1996). Quem a lesse deduziria que a descoberta do motor a reacção fora uma façanha britânica e que os aviões equipados com aquele motor revolucionário chegaram a ter um contributo significativo para a vitória aliada no final da Segunda Guerra Mundial...
...mas a história era uma e a História é outra. Antes dos Glosters britânicos, já o Heinkel He-178 alemão em 1939 e também o Caproni Campini italiano em 1940, ambos movidos por motores a reacção, haviam realizado voos pioneiros. E, quanto à importância dos Gloster Meteor como «adversários de eleição contra» as bombas voadoras V-1 (como se lê nesta última página acima), vale a pena ter presente que os Gloster foram responsáveis pelo abate de 14 daqueles engenhos, num total de 4.261 bombas voadoras V-1 abatidas de todas as formas (aviação, artilharia anti-aérea ou balões de intercepção) - ou seja, uma participação de 0,3%...