Miguel Sousa Tavares, convidado num daqueles programas de tv em que é interessante o convidado parecer interessante e exprimindo a sua opinião sobre as redes sociais em geral e o facebook: «... ou então para reencontrar os colegas de escola da primária. Eu não quero reencontrar os meus colegas da primária. Não quero. Já passei pela primária. Não tenho grandes recordações. Eu não quero. Os que encontrei, porreiro, os que não encontrei... Agora, que chatice! Vou agora fazer um almoço com os colegas de escola da primária... Da última vez que vi eram assim (deste tamanho), agora, sei lá eu, pá, o que é que eles são. Não me interessa. Francamente, não me interessa. (...)» E a audiência ria, em aprovação.
Os colegas da primária não lhe interessam... é como quem diz. Não lhe terão interessado até interessar a Miguel Sousa Tavares vender-nos um novo livro sobre a sua infância. Por causa dele, livro, haverá toda uma nova perspectiva a explorar da sua infância, mormente a da escola povoada pelos tais colegas que agora recuperaram interesse, talvez, pelo interclassismo da experiência...
Há uma passagem que envolve o colega Alípio e uma lição de vida. Ou melhor, duas lições de vida. Uma, para o Miguel carapau original e outra - creio eu que muito desperdiçada... - para as pessoas que continuam a levar a sério o que Miguel Sousa Tavares diz.
«A isso, a esse espaço, se resumia o “recreio” de todos os alunos. E um dia, não sei por que razão, desentendi-me com o Alípio, durante um jogo, e atirei-lhe com a bola à cabeça. Por azar, nesse dia, a bola era uma pedra, e, por azar maior, acertei-lhe em cheio e ele começou a sangrar. Soou a campainha para as aulas e voltámos lá para dentro, com o Alípio tentando suster o sangue que lhe escorria da cabeça com um lenço escuro de sujidade acumulada, que retirara de um bolso das calças. A D. Constança apercebeu-se e inquiriu-o:
— O que te aconteceu, Alípio?
O Alípio, mudo.
— Atiraram-lhe uma pedra à tola — disse alguém lá de trás.
— Quem é que te atirou a pedra, Alípio?
O Alípio, mudo. Levantei o braço, antecipando-me à voz atrás de mim. Fez -se um silêncio de filme de suspense. Todos conheciam as regras: um par de reguadas em cada mão. Não que a D. Constança gostasse do método, mas era o que estava em vigor, então. Igual para todos, supostamente. Mas atrever-se-ia ela com o menino Miguelzinho? Atreveu-se, sim. Começando no silêncio do Alípio à rapidez com que alguém falou por ele, foi toda uma lição de vida…»
— O que te aconteceu, Alípio?
O Alípio, mudo.
— Atiraram-lhe uma pedra à tola — disse alguém lá de trás.
— Quem é que te atirou a pedra, Alípio?
O Alípio, mudo. Levantei o braço, antecipando-me à voz atrás de mim. Fez -se um silêncio de filme de suspense. Todos conheciam as regras: um par de reguadas em cada mão. Não que a D. Constança gostasse do método, mas era o que estava em vigor, então. Igual para todos, supostamente. Mas atrever-se-ia ela com o menino Miguelzinho? Atreveu-se, sim. Começando no silêncio do Alípio à rapidez com que alguém falou por ele, foi toda uma lição de vida…»
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