28 maio 2018

DO JANTAR NA COZINHA ATÉ À VIVENDA DE 600 MIL EUROS

Esta photo-op foi feita numa data imprecisa da segunda metade da década de 1970 e nela aparece um Felipe González ainda muito jovem, mas já secretário-geral do PSOE e à espera da sua oportunidade de chegar ao poder, rodeado da família a jantar na cozinha do que passará por um apartamento banal da classe média espanhola. Seriam os eleitores tipo que o PSOE procuraria visar com esta fotografia a apelar à identificação do dirigente com os eleitores. Claro que se adivinha quanto aquele momento foi encenado, mas, quarenta anos passados (e os filhos de Felipe González que aparecem na imagem são agora uns quarentões maduros...), as questões domésticas de um outro líder ambicioso da esquerda espanhola são agora completamente diferentes. Pablo Iglesias não está nem aí preocupado em parecer que vive como aquilo que nocionalmente será o espanhol médio. Os espanhóis médios não compram vivendas de 600 mil euros, mas esses mesmos espanhóis médios também não estão à espera que os políticos vivam como eles: ainda há cinco anos, o também socialista José Luis Zapatero comprou a vivenda onde morava por mais de 800 mil euros, sem que o episódio tivesse gerado comoção por aí além. O problema de Iglesias é que ele tem um passado de pregar moral aos outros sobre o quanto é razoável despender na compra de habitação própria. Mas aquilo que mais involuiu na política espanhola nestes quarenta anos radica na tendência para ela se fechar da sociedade em geral (aquela em que parecia ser comum comer-se na cozinha, e a que González, mais acima, pretenderia assemelhar-se) para se concentrar no clã dos próximos. E isso percebe-se pela reacção de Iglesias que, em vez de responder à primeira, que o olha com o desdém de quem foi apanhado na armadilha do faz o que eu digo, não faças o que eu faço, prefere concentrar-se no segundo, organizando um referendo que vai, mais do que provavelmente, vencer por números significativos. Ou muito me engano ou os números do referendo interno do Podemos a respeito da vivenda de Iglesias ir-se-ão assemelhar, curiosa e paradoxalmente, mesmo invocando o folclore da democracia interna, aos das eleições do franquismo.

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