31 de Maio de 1975. Tem início a «Operação Valentina». A russa Valentina Tereshkova, então com 38 anos, fora a primeira - e até aí, única - mulher cosmonauta. O voo tivera lugar em Junho de 1963, quase doze anos antes, e, desde aí, a sua pessoa tornara-se um importante activo de propaganda soviética, tanto mais que Yuri Gagarine, o seu homólogo masculino no mesmo papel, morrera em 1968 num desastre de aviação. Na fotografia abaixo, podemo-la ver nessa sua função de embaixatriz, a acompanhar atentamente como convidada de honra os trabalhos do congresso da CGT, a central sindical comunista francesa, em Novembro de 1969. A «Operação Valentina» de há 43 anos seguia um padrão canónico e muito semelhante, só que agora em Portugal e em pleno PREC. Ainda a antiga cosmonauta estava para chegar nesse dia e já o Diário de Lisboa, na sua edição de 31 de Maio de 1975, dava notícias das suas declarações à agência noticiosa soviética TASS, os lugares comuns do costume («sentimentos de genuína amizade e solidariedade por Portugal») mas que se tornava importante porque chamavam a atenção para a hora da sua chegada ao aeroporto (16H00).
Como se percebe pela notícia do dia seguinte, o comité de acolhimento era encabeçado, nem mais nem menos, do que pelo próprio Álvaro Cunhal, acompanhado por outros elementos do comité central, enquanto que, pelo seu lado, o MFA, enviava também uma delegação da Força Aérea, encabeçada por um brigadeiro, acompanhado, numa atenção muda à questão do género, por uma enfermeira pára-quedista (a Força Aérea era então o único ramo das nossas Forças Armadas que incorporava mulheres). Como é óbvio, também o embaixador soviético, Arnold Kalinin, estava presente. E, como narra o Diário de Lisboa, «à saída do aeroporto, Tereshkova foi alvo de uma calorosa manifestação popular, o mesmo acontecendo a Álvaro Cunhal.» (No fundo, no PCP e por causa de Álvaro Cunhal nunca se deram muito bem com aquela história da denúncia do culto de personalidade que foi feita no XX Congresso do PCUS...)
Os dias que se seguirão serão despendidos em deslocações pelo país, de Setúbal ao Porto, em audiências ao presidente e ao primeiro-ministro, metódica e profusamente acompanhadas pela comunicação social, mas onde fica uma certa dificuldade em distinguir a componente institucional da partidária: numa mesma notícia, a convidada tanto almoça com oficiais da Força Aérea como depois é a atracção de um comício de uma organização satélite do PCP. Acentuando a confusão, numa das suas últimas intervenções, quando de um colóquio na Gulbenkian, Valentina agradece: «Gostaria de expressar o meu profundo agradecimento ao vosso Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, e ao secretário-geral do Partido Comunista Português e ministro, Álvaro Cunhal. Apesar da sua falta de tempo, ainda conseguiram arranjar uns momentos para me receberem, o que significa, acima de tudo, um grande apreço pelo meu país.» Toda esta operação, montada pelos comunistas, à distância de 43 anos, até se torna cómica pelo primarismo, mas não confundamos esse comunismo primário com ingenuidade.
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