28 de Maio de 1968. Depois de um mês inteiro de agitação crescente por toda a França, François Mitterrand adivinha que se aproxima o colapso do poder gaullista em França e começa a movimentar-se antecipadamente de acordo com isso. Organiza uma conferência de imprensa no Hotel Continental, onde comenta o referendo ao projecto de Lei que foi aprovado no dia anterior pelo governo de Georges Pompidou e cuja data foi marcada para 16 de Junho. Recusando qualquer outro resultado que não a vitória do Não, François Mitterrand posiciona-se desde logo como candidato presidencial às eleições que se sucederão à inevitável demissão do general de Gaulle. Mais do que isso, promete a dissolução da Assembleia Nacional e a realização de novas eleições em Outubro. Sobretudo, num momento mais imaginativo, preconiza a formação de um governo de gestão (por acaso, uma figura inexistente no quadro constitucional francês) «composto de dez membros, sem exclusividades e sem doseamentos». Arrebatado pelo entusiasmo, Mitterrand propõe-se mesmo ser ele a encabeçar esse governo, embora, magnânimo, equacione que «haja outros que ambicionem legitimamente essa mesma posição, a começar», acentua, «pelo senhor Mendès-France». Quanto instado a pronunciar-se sobre a presença dos comunistas nesse hipotético governo, o prospectivo chefe de governo repete a fórmula: «sem exclusividades e sem doseamentos». Perante esta manobra de antecipação, a reunião entre a formação de Mitterrand (a FGDS - Federação da Esquerda Democrática e Socialista) e o Partido Comunista Francês (PCF), que estava prevista para as 21H00 daquele dia, foi por sua vez, antecipada para as 17H00.
Uma reunião em que as duas delegações se limitaram a produzir um comunicado que, descodificado, mostrava que não se haviam entendido em coisa nenhuma: «Após terem procedido a uma troca de informações e a uma discussão das soluções que ambas preconizam para a crise actual, as duas delegações decidiram submeter o resultado das mesmas às respectivas organizações. Os trabalhos prosseguirão nos próximos dias.» Os acontecimentos das próximas semanas iriam ridicularizar todo este bonapartismo de François Mitterrand. Em vez do referendo realizaram-se eleições legislativas que mostraram o que pensava a França profunda, a que não se via nos jornais, porque não atirava pedras aos CRS, não fazia greves, nem dava conferências de imprensa prematuras, esfolando as carcaças dos animais políticos que ainda não tinham morrido. As formações da esquerda saíram quase completamente esmagadas dessas eleições de Junho de 1968, conforme se observa pela evolução da composição da Assembleia Nacional (abaixo), em relação à que fora eleita apenas um ano antes. A França profunda teve medo e as habilidades de um François Mitterrand apenas acentuou a sua expressão nas urnas. Um Mitterrand que se ridicularizou e que vai pagar caro esse desembaraço nas eleições presidenciais do ano seguinte, onde, depois dos 44,8% que recolhera em 1965, nem chegará a concorrer. Não conheço expressão francesa equivalente mas, em português, esta atitude de Mitterrand nos finais do mês de Maio de 1968, designava-se - e continua a designar-se, 50 anos depois - por «ir com demasiada sede ao pote».
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