9 de Maio de 1917. Há 101 anos inaugurava-se o caminho de ferro que ligava Adis Abeba, a capital da Etiópia (ou Abissínia, como era então conhecida), ao porto de Djibuti, na embocadura do Mar Vermelho. A Etiópia era um dos dois únicos países que sobrara independente da repartição de África feita pelas potências europeias (o outro, a Libéria, só o era formalmente e porque os Estados Unidos tinham pudor em assumir que possuíam uma colónia africana). A Etiópia não possuía saída para o mar (veja-se o mapa inserto de África na última figura). Para o alcançar e para se inserir no comércio internacional de uma forma consistente e moderna, o país teria que constituir uma parceria com uma das potências administrantes de uma das colónias vizinhas: ou os italianos, que controlavam a Eritreia e até tinham tentado conquistar a própria Etiópia (tentativa que lhes correra mal), ou os britânicos, que controlavam a Somália britânica, por onde passava muito do comércio externo abexim, mas que ocorria em volumes e valores reduzidíssimos, porque feito às costas das tradicionais caravanas de camelos e muares, ou ainda os franceses, que se haviam instalado na Somália francesa e aí fundado o porto de Djibuti em 1888, o rival estratégico de Adem, para as ligações marítimas entre a Europa e o Oriente, através do Canal do Suez.
As cerimónias da inauguração de há 101 anos representavam um sucesso da diplomacia francesa. A pequena história assegura-nos que uma boa parte desse sucesso se deverá ao facto de que o médico pessoal do imperador Menelik II, o doutor Vitalien, era originário de Guadalupe e negro - verdade é que a concessão para a construção e exploração da ferrovia, que fora atribuída em 1908, havia sido feita em nome do esculápio... À superação das rivalidades diplomáticas houve que adicionar os problemas técnicos da construção da ferrovia. Ao longo dos seus 784 km, a linha férrea tinha que ascender desde o nível do mar até aos 2.440 metros de altitude(!) a que se situa Adis Abeba. Em média e por cada quilómetro de via, existe um desnível de 3 metros, o que obrigou a que os engenheiros que a conceberam recorressem, em certos troços, a soluções de aparência periclitante, como a ponte que a imagem abaixo documenta. Outra solução para ultrapassar as dificuldades foi a escolha da bitola métrica (1.000 mm), mais estreita do que a bitola internacional (1.435 mm), o que deu mais liberdade à definição dos traçados escolhidos (possibilita curvas mais apertadas) e com menor custo na construção das obras de engenharia, embora essa escolha viesse a afectar futuramente a velocidade e a capacidade do tráfego da linha.
Todas essas vicissitudes tiveram finalmente o seu desfecho neste dia 9 de Maio de 1917. Apesar da duração das viagens superar o dia e meio, a uma média horária rondando os 20 km/hora(!), os grandes dias da exploração desta linha de caminho de ferro iriam ser as duas décadas que se seguiriam, até à invasão da Etiópia pela Itália em 1936. Depois disso, durante e mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a anexação da Eritreia pela Etiópia tornou supletivo o recurso a um porto estrangeiro para que a Etiópia realizasse o seu comércio externo. Foi só com a independência da Eritreia, quando a Etiópia perdeu de novo a sua fachada marítima e quando as suas relações com a sua antiga dependência se complicaram, que se tornou a pôr a questão da reactivação da ligação ferroviária entre Adis Abeba e Djibuti. Actualmente e depois de 2016, existe uma nova ligação ferroviária entre as duas cidades, construída usando a bitola padrão e cujo traçado segue de muito próximo aquele que fora o da ligação original inaugurada há 101 anos (veja-se o último mapa, em vermelho grosso a moderna, em verde fino a antiga). Mas com outra diferença significativa: os capitais para a sua construção foram, desta vez, chineses.
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