24 junho 2017

UM VÍDEO (IM)PERTINENTE


Eis um vídeo de um outro grande incêndio, que é importante publicar para mostrar que o incêndio de Pedrógão Grande não foi o primeiro nem é o superlativo dos desastres do mesmo género. E é também importante vê-lo para recordar que houve outrora um estilo que era trágico, porque se tratava de narrar uma tragédia, sem que isso tivesse que ser o estilo exagerado que alguém até designou recentemente por masturbação da dor. E finalmente porque as circunstâncias do incêndio a que o vídeo se refere contradizem algumas das ideias fixadas sobre o assunto. Em primeiro lugar porque se trata de imagens de um grande incêndio que se propagou naqueles tempos míticos (1949) em que ainda havia as tais populações rurais em que, segundo o que se ouve agora na televisão, os fogos não se espalhavam com tanta facilidade; em segundo lugar porque foi um incêndio que ocorreu naqueles sítios míticos (no caso, as Landes francesas) onde a cobertura florestal era (e é) diferente da nossa (maculada pela predominância de eucaliptos e pinheiros), onde, por isso e ainda de acordo com o que se ouve na televisão, o fogo teria tido muito mais dificuldade em progredir. Mesmo assim, o incêndio tomou seis dias a ser dominado (de 19 a 25 de Agosto de 1949), e quando o foi, haviam ardido 52.000 hectares (dos quais cerca de metade eram florestas), mas, muito pior, haviam morrido 82 pessoas. Uma súbita inflexão do sentido em que soprava o vento apanhara desprevenidos toda uma frente de combatentes do incêndio; entre as vítimas contavam-se funcionários das florestas, bombeiros, militares e populares. É considerado o mais mortífero incêndio florestal na Europa Ocidental nos tempos modernos.

E, mesmo que os meios para os combater sejam hoje muito mais possantes do que há 68 anos, porque parece, pelo discurso, ser indispensável apurar responsabilidades políticas em incêndios com estas consequências, esclareça-se que o chefe do governo de então era o radical Henri Queille, o ministro do Interior o socialista Jules Moch e o da Agricultura o republicano popular (de direita) Pierre Pflimlin (De pessoas que integrassem o elenco governamental que ainda digam alguma coisa ao leitor, destaque-se o secretário de Estado da Presidência do Conselho, o (então ainda) centrista François Mitterrand). O governo veio a cair a 5 de Outubro de 1949, mas «em virtude da atitude dos ministros socialistas» conforme se pode ler no título do Diário de Lisboa daquele dia.

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