13 junho 2017

UM PORMENOR CHAMADO IRLANDA DO NORTE

Durante a fase do apuramento, os resultados eleitorais registados na Irlanda do Norte passaram praticamente desapercebidos e a notoriedade política daquela parcela do Reino Unido só saltou para os cabeçalhos a partir do momento em que se falou do apoio dos unionistas locais ao futuro governo de Theresa May, para que os conservadores passassem a contar com uma maioria nos Comuns. De uma certa forma e para quem tenha memória, é uma ironia para quem se recorde das três décadas (1968-1998) em que as parangonas da informação foram abastecidas regularmente com o que acontecia na Irlanda do Norte. O livro acima explica os The Troubles da Irlanda do Norte nas suas causas e nas suas manifestações e fá-lo de uma forma razoavelmente distanciada, um achado num assunto que raramente é abordado de uma forma que não sectária. O que falta ao livro é um capítulo final onde se narre as negociações bem sucedidas (em curso quando o livro estava a ser escrito) que levaram à assinatura do Acordo de Sexta-Feira Santa em Abril de 1998. A Irlanda do Norte tem vivido, se não em paz, num ambiente muito mais distendido desde então - e já lá vão 19 anos. Mas a impressão mais forte que o livro nos deixa é que para além das duas comunidades que se confrontam - protestantes e católicos - há, dentro de cada comunidade, duas abordagens distintas para o conflito - a dos moderados e a dos radicais. Assim o conflito no Ulster foi (é) duplo: intercomunitário mas também intracomunitário - aspecto de que se falou sempre muito menos. Cada um dos quatro grupos exprimia-se através de uma formação política. Entre os protestantes há o UUP moderado e o DUP radical. Entre os católicos há o SDLP moderado e o Sinn Féin radical - que mais não é do que a expressão política do IRA. Todo este desvio narrativo é para explicar algumas bases antes de regressar à tal fase do apuramento dos resultados eleitorais na Irlanda do Norte no passado dia 8 de Junho. Elegendo apenas 18 dos 649 lugares em disputa, aquilo que ali acontece é apenas um sideshow, complicado ainda para mais com o facto de os partidos que ali concorrem serem distintos dos do resto do Reino Unido. Poucos lhe prestam atenção. Mas, para quem conheça a História da Irlanda do Norte desde há cem anos, não pôde deixar de ficar de cenho franzido depois dos escrutínios, ao constatar que entre os 18 lugares em disputa, 10 haviam sido conquistados pelo DUP radical protestante e 7 haviam sido conquistados pelo Sinn Féin radical católico. O deputado eleito restante é um independente. E pela primeira vez em muitos anos nem UUP, nem SDLP estão representados em Westminster. Para quem reconheça os sintomas, esta radicalização na política local nada prenuncia de bom. Depois de quase 20 anos de acalmia há por ali qualquer coisa a fermentar. E como é que as coisas se podem complicar ainda mais? Quando as necessidades da própria política britânica fazem com que seja a própria Theresa May a necessitar da colaboração dos 10 deputados do DUP para conseguir contar com uma maioria na Câmara dos Comuns. Theresa May que, entre muitas outras fraquezas, também não terá cultura histórica nem política, estar-se-á a preparar para arranjar uma parceria com um partido de cariz religioso para se desenrascar da enrascada onde se meteu ao convocar as eleições antecipadas. Por considerar que a inclusão do DUP na base de apoio governamental em Londres vai perturbar os equilíbrios políticos em Belfast, o seu rival directo Sinn Féin já advertiu que a concretização desse acordo tornar-se-á um problema para a própria situação política norte-irlandesa e John Major, um longínquo antecessor de Theresa May como primeiro-ministro conservador (1990-97), extremamente envolvido à época no processo que conduziu à paz em 1998, já veio dizer publicamente quanto a situação na Irlanda do Norte lhe parece frágil (abaixo). Resolver o problema imediato em Londres levando o DUP para a área do poder arrisca-se a criar outro problema, quiçá bastante maior, em Belfast, para mais envolvendo Dublin. Mas desde David Cameron e o seu compromisso de realizar o referendo, passando por Boris Johnson e Nigel Farage que fizeram campanha por uma opção para a qual não se responsabilizaram, acabando em Theresa May e a sua convocação antecipada de eleições, a política britânica parece entregue a uma espécie de xadrezistas que só sabe ler (e reagir a)o jogo que está em cima do tabuleiro.

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