17 junho 2017

ANGOLA: O REI DA REPÚBLICA

Ao contrário do que se possa pensar, o problema de disfarçar os poderes pessoais em moldes que se assemelhem a (e pareçam) estruturas republicanas é um problema muito antigo, que já era conhecido na Antiguidade. Octávio (acima, à esquerda), quando alcançou o poder em Roma, não alterou a elaborada estrutura de cargos que encontrou (composta de cônsules, censores, tribunos, pretores, questores, edis...), apenas acoplou a sua pessoa (passou a ser conhecido por Augusto) à estrutura do poder republicano. Do ponto de vista formal, era possível que Augusto não desempenhasse nenhum daqueles cargos supracitados (foi eleito cônsul algumas vezes durante o seu reinado), mas nada de importante acontecia em Roma e no Império Romano que não tivesse a chancela do ocupante da Domus Augusti - um palácio que poderá passar funcionalmente por um antepassado longínquo do Futungo de Belas, situado nos arredores de Luanda. E se aqui me refiro a Angola é porque ninguém pode criticar os angolanos de falta de imaginação nesse exercício habilidoso recente de transformar o poder pessoal de José Eduardo dos Santos (acima, à direita) em poder impessoal, emanado do voto popular e da ética republicana. Neste caso, irão conseguir a proeza de associar um título republicano - o de presidente - a um título normalmente conotado com a monarquia - o de emérito: Bento XVI, como papa resignatário, usa esse predicado no seu título, o de Papa Emérito, e também João Carlos, ex-rei de Espanha, tem sido tratado assim. Já conhecia monarcas que, de presidentes da República se têm legitimado republicanamente depois por referendo, até mesmo como imperadores, como foi o caso de Napoleão III em França em 1852 ou de Jean-Bédel Bokassa no designado «Império» Centro-Africano em 1976, mas, o gesto inverso de alguém se aposentar monarquicamente de um cargo republicano com o título de "presidente da República emérito", isso é que não me lembro de outro.

Sem comentários:

Enviar um comentário