21 fevereiro 2007

UM BOM ROMANCE, UMA BELA HISTÓRIA

Um dos exemplos mais perfeitos do sucesso (raro) na cooperação anglo-francesa (para além do Concorde...) são os livros de Dominique Lapierre e Larry Collins. Conjuntamente com os seus antecessores Paris Já Está a Arder? (sobre a libertação de Paris na Segunda Guerra Mundial em 1944) e Oh Jerusalém (sobre a criação do Estado de Israel em 48), o livro Esta Noite a Liberdade (referente aos acontecimentos que conduziram à independência da Índia e do Paquistão em 47) criou um certo tipo de romance que veio depois a ser muito copiado numa determinada época, embora com menos sucesso.

Esta Noite a Liberdade é uma investigação jornalística aprofundada que se tornou num excelente exemplo do que é um trabalho vivo, bem escrito e documentalmente irrepreensível sobre os acontecimentos que cobre, mas que não deve ter as pretensões a constituir uma verdadeira análise histórica. Falo por experiência própria de quem começou prematuramente a quere extrair conclusões sobre aqueles acontecimentos a partir da sua leitura até que a bibliografia complementar (o pluralismo é sempre indispensável nestes casos...) me ter mostrado quão enganado estava.


O livro contém quatro figuras principais, sendo uma delas dominante. As primeiras são visíveis no topo da capa da versão inglesa do livro. Da esquerda para a direita: Mohandas K. Gandhi, Louis Mountbatten, Muhammad Ali Jinnah e Jawaharlal Nehru. Creio que será dispensável apresentar o Mahatma Gandhi, Mountbatten foi o último Vice-rei britânico na Índia, enquanto Jinnah e Nehru eram, à data dos acontecimentos, os líderes incontestados das duas facções políticas (e religiosas) que se preparavam para disputar, à mesa das negociações, o futuro da Índia.

A figura dominante do livro é Lord Louis Mountbatten, o único sobrevivente dos quatro à data em que os autores o escreveram e que foi extremamente prestável nas entrevistas que concedeu aos autores. Além de pessoalmente muito cativante, todos os outros testemunhos são unânimes em considerar que Mountbatten sempre fora de um egocentrismo e de uma imodéstia ímpares. Nas suas memórias, o pouco caridoso (mas muito arguto) Marechal Alan Brooke adicionava a essas características a superficialidade e uma opinião nada abonatória sobre as suas capacidades intelectuais.

Mas os dois jornalistas cativaram-se pela figura avuncular do velho Almirante (que veio a ter um fim trágico, assassinado pelo IRA em 1979) e o livro vem a incorporar, dessa forma, também as suas animosidades pessoais, especialmente as relativas ao líder da comunidade muçulmana, Jinnah, que era uma figura sóbria, sombria, ascética, nos limites do antipático (a fazer lembrar fisica e comportamentalmente Álvaro Cunhal), o que irritava sobremaneira o Vice-rei porque se mostrava um negociador temível e irredutível, para mais completamente impermeável ao charme pessoal de Mountbatten, que ele considerava irresistível.

É evidente, e muitos outros livros sobre o mesmo assunto comprovam-no*, que o Império britânico das Índias não se dividiu em 1947 em dois grandes países (Índia e Paquistão) por causa da teimosia de Muhammad Ali Jinnah ou dos fantasmas dos conflitos entre comunidades por ele levantados. Colocar o problema nesses termos, como o faz o livro de Lapierre e Collins é indicativo quanto Alan Brooke devia estar correcto a avaliar as incapacidades de julgamento de Mountbatten e quão profunda foi a influência das suas opiniões sobre os dois jornalista quando elaboraram o livro.

Mas não hajam quaisquer dúvidas sobre o prazer que tirei da sua leitura, e o sucesso que acredito que uma eventual versão cinematográfica do livro poderia ter. Simplesmente há que ter presente que é um belo romance, que conta uma bela história, mas não é a História, e às vezes há tendência para se confundirem estas duas coisas…

* Por exemplo, Raj, The Making of British India, de Lawrence James (1997), The Proudest Day, de Anthony Read & David Fisher (1997) ou Pakistan, A Modern History, de Ian Talbot (1998).

2 comentários:

  1. Belo título, o que o Herdeiro escolheu.
    Talvez lhe tenham vindo à lembrança os dois primeiros versos da canção de Michel Fugain "C'est un beau roman, c'est une belle histoire".
    A canção tem por título "Une belle histoire" e é mesmo uma bela canção.

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  2. É engraçado e é mais do que provável que tenham sido os versos da canção a influenciar-me na escolha do título que adquire a musicalidade do começo da canção de Michel Fugain.

    O objectivo inicial era o de realçar que o livro de Lapierre e Collins é um romance trabalhando os acontecimentos hístóricos, não um livro histórico.

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