09 fevereiro 2007

ELEGIA PARA UMA CADEIRA VAZIA

Depois do sketch de Marcelo dos Gato Fedorento quero recordar outros bons momentos audiovisuais do passado, quando os audiovisuais se limitavam ao cinema e televisão, e a televisão era única. O autor da proeza chama-se Hermínio Martinho e era na altura (em 1985) o dirigente máximo do Partido Renovador Democrático (PRD), recém fundado, que reclamava o patrocínio do Presidente da República, Ramalho Eanes.

Na época, o Primeiro-Ministro era Mário Soares e o seu governo tinha o apoio parlamentar do que se convencionou chamar Bloco Central (PS + PSD), com 176 deputados em 250. No entanto, é perceptível que o recém aparecido PRD estava a criar uma forte erosão na militância e nas simpatias das bases, especialmente as do PS. De dentro do PS, houve quem lembrasse de contra-atacar, usando a televisão, que estava ao dispor do governo.

A manobra pretendia-se subtil, e consistia, não em negar absolutamente a importância futura do PRD, mas em minorá-la, limitando-lhe as expectativas futuras às de um pequeno partido. Para isso, desencantou-se um programa de informação, completamente fora do baralho, um debate para onde se convidaram os dirigentes dos pequenos partidos e apenas esses, como se à RTP lhe tivesse dado um assomo de igualitarismo.

Mesmo o critério para os convites era em si bizarro. Na realidade, com representação parlamentar, só havia um pequeno partido: a UDP, com um deputado (Mário Tomé). Depois havia umas ficções de pequenos partidos, como o PPM, a UEDS, a ASDI ou o MDP, que ocupavam, ou tinham ocupado cadeiras no parlamento, mas apenas quando concorriam em coligação com os grandes partidos – o PPM chegara a ter 6 deputados!

Só que a indispensabilidade da presença do PRD – que não tinha histórico nem, obviamente, representação parlamentar – forçava a constituição da lista dos pequenos partidos convidados, recorrendo a critérios indefensáveis, porque excluía dela partidos com líderes ambiciosos, como o PSR de Louçã ou o MRPP de Garcia Pereira, os dois bem capazes de ter a sua noite televisiva, mas estragando o arranjinho

Chegada a hora do programa, lá estavam os partidos que tinham ou tinham tido representação parlamentar (os mencionados dois parágrafos acima) e mais o PRD, que era o que interessava. Ouviu-se uma analogia a uma espécie de II Divisão, como no futebol, Lopes Cardoso (UEDS) manda uma cacetada ao PRD e ao envolvimento de Eanes com o partido, metade assumido, e o moderador dá a palavra a Hermínio Martinho…


Este, pega numa folha com uma declaração preparada de antemão, aproveita para dizer que para o seu partido, que se revê na ética do General Eanes, os partidos são todos iguais e que não há partidos de primeira e de segunda, e que, não concordando com aquele modelo do debate, apenas ali fora para o denunciar, pegando nas suas coisas e abandonando o estúdio com passo majestoso. Ficou lá a cadeira vazia, a dominar o resto do debate…

É simbólico da erudição e da falta de sentido prático de Gonçalo Ribeiro Teles (PPM), que depois deste episódio e obtuso à intenção real do programa, ele ainda se tenha lembrado de dizer, mais para o fim do programa, desenvolvendo a metáfora da II Divisão, que era importante que a RTP passasse a promover debates no modelo Taça de Portugal, entre pequenos e grandes partidos… É evidente que, engolido o fiasco, na Direcção da RTP ninguém mais se lembrou de ressuscitar aquele modelo…

No PS bem se podiam lamentar pelo fracasso da manobra. O PRD obteve 18% dos votos, elegeu 45 deputados para a Assembleia da República e tornou-se no terceiro partido nacional nas eleições seguintes, no Outono de 1985. É impossível estimar quantos votos poderão ter sido adquiridos naquela noite, por causa daquela saída majestosa e inesperada de Hermínio Martinho, mas suspeito que muitos terão sido…

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