O assunto sobre o qual originalmente pretendia escrever era sobre um episódio da história atribulada entre gregos e turcos. Nela pretendia empregar ironicamente a expressão engenharia demográfica, por analogia com a tão propalada engenharia financeira que ouvimos por aí, até me aperceber que possivelmente uma boa parte da ironia se perderia, tão poucos se apercebem quanto a engenharia financeira tem de fraco significado, se algum tiver.
Nos tempos do capitalismo selvagem dos finais do século XIX, os magnatas famosos da época como Carnegie, Rockefeller, Gould ou Morgan já haviam inventado a maioria das habilidades que ainda hoje são usadas para assumir o controle de uma sociedade. Contudo, ocasiões houve em que, entre eles, tiveram que transaccionar empresas e aí, quem comprava teve que se chegar à frente e mostrar o metal sonante ou com outro substituto líquido. Entre os Tycoons* não era preciso apenas ser rico, era preciso pôr a riqueza em cima da mesa.
Em 1901, quando Andrew Carnegie se quis retirar da actividade e liquidar todos os seus interesses (sobretudo no sector siderúrgico), John Pierpont Morgan, que era banqueiro, mostrou-se interessado no negócio, tendo ele sido acordado pelo valor de 480 milhões de dólares**, dos quais um pouco menos de metade (226 milhões) pertenciam pessoalmente a Carnegie, que o recebeu em títulos do tesouro norte-americanos, depositados num enorme cofre concebido expressamente para guardar aquele enorme volume de papel.
Sendo raras estas transacções, quer pelo volume, quer pelas características, é da natureza humana que, no mundo das empresas, o tamanho das ambições seja superior ao das espessuras das carteiras, e muitas aquisições de empresas fizeram-se sem que o comprador tivesse o capital para a aquisição, pagando-a faseadamente. Chama-se depreciativamente a este método – nunca soube porquê – usar o pelo do cão, ou seja, paga-se uma entrada inicial e depois conta-se com os lucros gerados pela própria empresa que servirão para pagar as outras prestações.
Claro que o processo tem alguns riscos, e as estimativas da actividade futura têm que ser bem feitas, porque ele está dependente do ritmo e do volume das prestações dos pagamentos adicionais que foi acordado e que podem ser muito superiores à capacidade e ao ritmo de geração de lucros da empresa que foi comprada. Retirando à empresa o dinheiro que ela ainda não lucrou, ela começa a ficar descapitalizada, a entrar em dificuldades e acaba mesmo por ter de fechar. É como se uma jibóia glutona começasse a sufocar por causa do tamanho do animal que meteu no estômago.
Agora, pegue-se na mesma ambição, na mesma falta de dinheiro vivo, junte-se-lhe um banco disponível para financiar a operação (ou seja, o ex-dono recebe logo tudo, mas o banco ganha com os juros do empréstimo) e pense-se num título pomposo e temos a tal engenharia financeira. Tipicamente, é o que o engenheiro Belmiro de Azevedo pensa fazer na OPA em que anunciou pretender adquirir a PT onde, não tendo o dinheiro vivo para a comprar, pede dinheiro emprestado ao Banco Santander para o fazer.
Incidentalmente, o empréstimo é muito grande e como o dinheiro estimado do que seriam os lucros futuros da PT não chegaria para suportar os juros desse empréstimo colossal, tornar-se-ia premente para o novo dono que ele vendesse partes destacáveis da empresa para, com o dinheiro da venda, abater de imediato o valor da dívida do empréstimo… Enfim, como lembrava num outro contexto o poeta António Aleixo tudo se pode reduzir a uma questão de semântica quando lembra que a rica teve um menino e a pobre pariu um moço…
Neste caso, o senhor Jorge, do café da esquina, está a tentar comprá-lo com o pelo do cão enquanto o engenheiro Belmiro montou uma complicada operação de engenharia financeira… E como diz um amigo meu, fiquemo-nos por aqui, pela engenharia, rezando para que o adjectivo financeiro não se transfira para a arquitectura e design… O que seriam a arquitectura e o design financeiros? Notas de banco de forma elipsóide e de cores garridas?
* Expressão norte-americana dada aos grandes magnatas do mundo dos negócios.
Nos tempos do capitalismo selvagem dos finais do século XIX, os magnatas famosos da época como Carnegie, Rockefeller, Gould ou Morgan já haviam inventado a maioria das habilidades que ainda hoje são usadas para assumir o controle de uma sociedade. Contudo, ocasiões houve em que, entre eles, tiveram que transaccionar empresas e aí, quem comprava teve que se chegar à frente e mostrar o metal sonante ou com outro substituto líquido. Entre os Tycoons* não era preciso apenas ser rico, era preciso pôr a riqueza em cima da mesa.
Em 1901, quando Andrew Carnegie se quis retirar da actividade e liquidar todos os seus interesses (sobretudo no sector siderúrgico), John Pierpont Morgan, que era banqueiro, mostrou-se interessado no negócio, tendo ele sido acordado pelo valor de 480 milhões de dólares**, dos quais um pouco menos de metade (226 milhões) pertenciam pessoalmente a Carnegie, que o recebeu em títulos do tesouro norte-americanos, depositados num enorme cofre concebido expressamente para guardar aquele enorme volume de papel.
Sendo raras estas transacções, quer pelo volume, quer pelas características, é da natureza humana que, no mundo das empresas, o tamanho das ambições seja superior ao das espessuras das carteiras, e muitas aquisições de empresas fizeram-se sem que o comprador tivesse o capital para a aquisição, pagando-a faseadamente. Chama-se depreciativamente a este método – nunca soube porquê – usar o pelo do cão, ou seja, paga-se uma entrada inicial e depois conta-se com os lucros gerados pela própria empresa que servirão para pagar as outras prestações.
Claro que o processo tem alguns riscos, e as estimativas da actividade futura têm que ser bem feitas, porque ele está dependente do ritmo e do volume das prestações dos pagamentos adicionais que foi acordado e que podem ser muito superiores à capacidade e ao ritmo de geração de lucros da empresa que foi comprada. Retirando à empresa o dinheiro que ela ainda não lucrou, ela começa a ficar descapitalizada, a entrar em dificuldades e acaba mesmo por ter de fechar. É como se uma jibóia glutona começasse a sufocar por causa do tamanho do animal que meteu no estômago.
Agora, pegue-se na mesma ambição, na mesma falta de dinheiro vivo, junte-se-lhe um banco disponível para financiar a operação (ou seja, o ex-dono recebe logo tudo, mas o banco ganha com os juros do empréstimo) e pense-se num título pomposo e temos a tal engenharia financeira. Tipicamente, é o que o engenheiro Belmiro de Azevedo pensa fazer na OPA em que anunciou pretender adquirir a PT onde, não tendo o dinheiro vivo para a comprar, pede dinheiro emprestado ao Banco Santander para o fazer.
Incidentalmente, o empréstimo é muito grande e como o dinheiro estimado do que seriam os lucros futuros da PT não chegaria para suportar os juros desse empréstimo colossal, tornar-se-ia premente para o novo dono que ele vendesse partes destacáveis da empresa para, com o dinheiro da venda, abater de imediato o valor da dívida do empréstimo… Enfim, como lembrava num outro contexto o poeta António Aleixo tudo se pode reduzir a uma questão de semântica quando lembra que a rica teve um menino e a pobre pariu um moço…
Neste caso, o senhor Jorge, do café da esquina, está a tentar comprá-lo com o pelo do cão enquanto o engenheiro Belmiro montou uma complicada operação de engenharia financeira… E como diz um amigo meu, fiquemo-nos por aqui, pela engenharia, rezando para que o adjectivo financeiro não se transfira para a arquitectura e design… O que seriam a arquitectura e o design financeiros? Notas de banco de forma elipsóide e de cores garridas?
* Expressão norte-americana dada aos grandes magnatas do mundo dos negócios.
** Tendo sido a maior transacção da época e assim permanecido por muitos anos, é hoje difícil de ajustá-la a um valor equivalente actual.
Engenharia?
ResponderEliminarNão tenho nada contra… excepto quando se mascara de “engenharia política”.
Parece-me que os planos são bem concebidos, os cálculos (“- Façam as contas!”) e a obra... nasce embargada!!!