23 fevereiro 2007

A ÁRVORE DAS PATACAS NÃO SE DÁ BEM COM O CLIMA SUL-AMERICANO?

Relembrando-me da síntese que fiz do que aprendi sobre a teoria económica das relações internacionais (já lá vai muito tempo…) é que se desenvolveram interessantes modelos matemáticos que as explicavam, que nos exercícios apareciam normalmente em dois países que se chamavam simbolicamente Amendócia e Literácia. O primeiro era o arquétipo do produtor de matérias-primas (no caso, o amendoim que dava o nome ao país...) e o segundo de produtos manufacturados (os livros, também simbólicos de um país mais evoluído...).

As tais funções de troca específicas da Amendócia e da Literácia cruzavam-se e davam um ponto de equilíbrio donde resultavam as relações de troca entre um livro que equivalia a não sei quantos amendoins… Já nem sei se valia a pena calcular a derivada das respectivas funções e o resultado que dali resultaria porque, por detrás daquele modelo matemático teórico, havia a realidade do comércio mundial, onde o volume esmagador das trocas comerciais se faziam entre as Literácias da Europa, Estados Unidos e Japão.

O exemplo clássico (embora datado dos anos sessenta) envolvia o comércio automóvel, onde a ambição de um típico respeitável pai de família francês (um Volkswagen carocha) se cruzava com a de um jovem contestatário alemão, impregnado dos ventos de Maio de 68 (um Citroën 2 CV). Esse fenómeno, e todos os outros semelhantes, não eram explicados pelo modelo económico com a Amendócia e da Literácia. E ainda havia ainda um outro aspecto, creio, que lhe passava ao lado.

O modelo da Amendócia e da Literácia,por ser tão abstracto, simplificado e estilizado, contornava a questão sobre qual era o país que embalava os amendoins e aquele onde cresciam as árvores que, abatidas, se transformavam na pasta de papel que serviria para fazer os livros que a Literácia produzia. Ou seja, ignorava o potencial conflito existente entre os países produtores e os países consumidores quanto ao local onde ocorre o processamento de um produto que tenha uma ou mais fases de transformação.

Em conjunto, a tese em que se baseava o modelo – os países tenderiam a especializar-se nas actividades onde possuíssem vantagens comparativas – tendia, por sua vez, a transformar-se numa abstracção que nos parecia correcta, mas apenas do ponto de vista formal: por exemplo, ao arrepio da teoria das vantagens comparativas, a indústria da refinação de petróleo não deu, e continua a não dar, mostras de se estar a deslocalizar maciçamente para a proximidade dos locais de maior produção petrolífera…

É sob o regimento destas desagradáveis mas realistas regras empíricas que devem ser analisadas as perspectivas comerciais que se levantaram com a viagem que o presidente chinês Hu Jintao efectuou em Novembro de 2004 à América do Sul. Na altura, muito de prometedor se anteviu, com o Brasil e a Argentina antecipando um novo mercado fabuloso onde pudessem colocar os seus excedentes alimentares sempre emaranhados no proteccionismo praticado tanto pela Europa, como pelos Estados Unidos.

No outro prato da balança, equilibrando também o perigo da invasão de produtos manufacturados com grande incorporação de mão-de-obra, a preços de arrasar a produção doméstica, os países sul-americanos estavam a contar com importantes investimentos chineses no exterior, vindos de uma economia que tem vindo a acumular consecutivos e estrondosos superavites nas suas contas externas. Passados um pouco mais de dois anos e parece que o entusiasmo se esvaiu.

A China é um novo país imperialista na cena mundial mas parece que se comporta como um sacana de um país imperialista daqueles à moda antiga – como os Estados Unidos do século passado. O que a China pretende são as matérias-primas que ela pretende transformar internamente: a Argentina, por exemplo, pretende exportar óleo de soja, mas a China quer comprar é soja em grão, para ela própria refinar. E o item que mais tem evoluído nas exportações da Argentina para a China foi… petróleo.

No caso do Brasil, ao lado da soja, o outro dos componentes principais das exportações brasileiras para a China é minério de ferro. Quanto aos produtos manufacturados, normalmente de pouca sofisticação, dado o perfil médio do consumidor, os brasileiros estão a descobrir que não têm sorte nenhuma, dada a discrepância de preços em presença, embora ainda haja quem atribua as causas disso à falta de planejamento estratégico das empresas para ingressar no mercado chinês.

Ou seja, empregando uma deliciosa expressão brasileira: conversa para boi dormir… Como se o segredo das empresas chinesas fosse o planeamento estratégico!... E tudo isto, ainda por cima, para descobrir que os chineses além de uns sacanas, são uns forretas… É verdade que a China dedicou 40% do seu investimento estrangeiro à América do Sul, mas isso representou menos de 6% do investimento estrangeiro total que a América do Sul recebeu no mesmo período...

E muito desse investimento terá sido aplicado em infra-estruturas para facilitarem a extracção e transporte do petróleo argentino e do minério de ferro brasileiro…

1 comentário:

  1. É natural que a “árvore das patacas”, que creio pertencer a uma espécie endémica de Macau, não se dê pela América Latina.
    Ainda por cima quando, vendo a importância dos investimentos, se pode questionar se a tal árvore não terá uma versão “bonsaï” que, no bom estilo chinês de “adaptar” produtos estrangeiros, terá raízes japonesas...

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