27 julho 2017

VER O FILME AO CONTRÁRIO


Alguém me chamou a atenção para o artigo que hoje Helena Garrido assina no Observador. Normalmente costumo sugerir quem me lê que leia também o artigo que comento. Neste caso, eu obviamente li-o, mas vou abrir uma excepção: o artigo é quase todo um desinteressante tratado de traulitada política pura e dura (quem é que ainda se recorda que Helena Garrido foi promovida pela sua especialização em economia ?...), como se percebe logo pelo antetítulo adoptado: Maioria de Esquerda. O que importa comentar (e que até vou transcrever aqui para o próprio blogue) é o penúltimo e o último parágrafos, o momento em que, parecendo partir de uma perspectiva distanciada e filosófica, se chega às (previsíveis) lamentações e à exibição do corporativismo da classe dos jornalistas. Escreve Helena Garrido e (comento eu):

Finalmente, mas não menos importante, temos assistido nos últimos tempos a um crescendo de agressividade contra o jornalismo e os jornalistas. (Declaração de interesses: sou jornalista). Sim, os jornalistas cometem erros como todos os profissionais. (Mais do que isso: os jornalistas vivem em alguma parte dos erros cometidos pelos outros profissionais, desde um maquinista que descarrila o comboio até aos juízes que se saem com uma sentença disparatada. Os políticos, então, podem agradecer inteiramente a reputação de que a classe goza aos jornalistas). O número de erros cometidos hoje é maior do que no passado? É provável. A velocidade imposta pela informação em tempo real, a concorrência e a crise financeira em que se encontram os media levam a admitir que se cometam mais erros. (Tudo isso são balelas; é o mesmo género de argumento que serviria para defender que, por exemplo, como cada vez há mais tráfego aéreo, se justificaria que houvesse cada vez mais acidentes de aviação para noticiar, quando se verifica precisamente o contrário). Mas é o jornalismo em geral menos rigoroso do que no passado? Em alguns temas que até estariam ausentes dos media no passado é provável – o recente caso do vídeo de Paco Bandeira é exemplo disso. (Também exemplo de transformar em informação aquilo que não o é, e de desprezar o que o é, porque, a par do vídeo com sete anos de Paco Bandeira, não se encontram simultaneamente muitas análises prévias ao que poderia vir a ser o resultado das eleições em Timor-Leste, num exemplo do que é informação séria tradicional). Mas nas matérias importantes, o rigor da informação transmitida é até superior, quer pelas ferramentas que hoje se tem para cruzar fontes, quer pela possibilidade de disponibilizar nos sites algumas fontes dessa informação. (É bem verdade, mas conviria acrescentar que a pressão para a qualidade também vem de fora: aquilo que antigamente desencadeava algumas cartas críticas ao director - a que se podia, ou não, dar seguimento - hoje pode transformar-se no escárnio das redes sociais em poucos minutos) Claro que esse poder de informar melhor – como por exemplo, o de saber quase de imediato que um site espanhol divulgou a lista das armas roubadas em Tancos – incomoda muito mais o poder. (Ao contrário do que Helena Garrido opina, aqui não há nada de novo e este é mesmo o lado para onde "o poder" dorme melhor. "O poder" tem e sempre teve os seus jornais e sempre comprou quase todos os jornalistas que lhe apeteceu. E "o poder" não é só o da "Maioria de esquerda" - ou "de direita" - que ela escolheu para antetítulo. Há esse tipo de poder e há os outros tipos de poderes de que Helena Garrido parece não se dar conta. Ou ela pensa que o Luís Amaral mantém o jornal onde ela escreve apenas como hobby e para exercer a sua vasta benemerência? Ou não sabe que é algo de muito semelhante que acontece com a Sonae e o Público e com os outros órgãos de comunicação social? Ou pensará que Nicolau Santos está à vontade para escrever o que lhe apeteça sobre as dificuldades actuais da Impresa em financiar-se?)

Estamos a olhar para sintomas na nossa sociedade que nos deviam preocupar. (aos jornalistas ou aos leitores?) Porque, para agora citar livremente uma frase atribuída a Bertolt Brecht (que não é dele), hoje o que se passa pode estar a ter efeitos negativos na outra tribo ou partido que não é o nosso. Ou pode estar a condicionar a opinião de pessoas de quem discordamos. Amanhã pode começar a acontecer com os nossos amigos. Um dia estará a acontecer connosco. E já pode ser tarde de mais. (Ao contrário desta espécie de bravata ao invés - em que se finge ser ameaçado em vez de ameaçar - a invocação da frase atribuída a Brecht parece-me um exagero. O que se vê é que há cada vez mais gente a expressar-se e isso inclui os que querem condicionar a opinião alheia. Se calhar não são as pessoas que Helena Garrido consideraria dignas de o fazer. Mas isso é um problema dela. Imaginem que eu, a princípio, até pensava que o que ela percebia mesmo era de economia...).

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