04 janeiro 2016

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Com a concorrência de uma candidatura vencedora de antemão e mais nove para a acompanhar estas próximas eleições presidenciais parecem estar a tornar-se num momento politicamente previsível e, por isso, desinteressante. A responsabilidade de tal, como sempre acontece em Democracia, é de todos nós. O ciclo das presidenciais (esta é a nona eleição que se realiza desde Junho de 1976) já nos havia mostrado que as eleições intercalares (quando o presidente em exercício procura a reeleição) - à excepção das iniciais de 1980, quando a inexperiências fazia com ainda não se soubesse como era - perdiam gradualmente (1991, 2001, 2011) o interesse por falta de comparência de oponentes que tivessem um mínimo de credibilidade nas suas hipóteses de desalojar o inquilino de Belém. Foi para obstar a isso, preservando a dignidade da eleição e poupando a canseira aos eleitores, que houve quem propusesse - uma proposta que me parecia fazer bastante sentido - que se alterasse o ciclo dos mandatos presidenciais, ampliando-os para sete anos mas retirando ao presidente em exercício a possibilidade de se recandidatar no mandato seguinte. Essa alteração constitucional não foi feita mas hoje apercebo-me que possivelmente ela não solucionaria a marginalização progressiva da função presidencial e, por arrasto, a dignidade das eleições para o cargo: o problema está muito mais enraizado do que aquilo que eu pensaria. A prová-lo, estas próximas eleições em 24 de Janeiro que, teoricamente fora do ciclo das pantominas das intercalares (alguém acreditaria em 2001, por exemplo, que Ferreira do Amaral seria capaz de desalojar Jorge Sampaio?), começam preocupantemente a mimetizá-las em alguns dos aspectos envolventes. A começar pelo facto de terem aparecido dez candidaturas e de, numa estreia histórica, todas elas terem sido validadas pelo Tribunal Constitucional. Descartando as teorias da conspiração de que, desta vez, o Tribunal não tivesse realizado devidamente o seu trabalho, há que constatar que estarão ali compiladas as assinaturas de, pelo menos, 75.000 dos nossos concidadãos, o que não é obra pequena: são quase tantos quantos os 83.000 signatários da Petição contra o abate do pitbull Zico, um dos paradigmas da cidadania moderna da sociedade portuguesa. Que máquinas administrativas terão auxiliado os seis (oito?) protocandidatos independentes a obter as respectivas assinaturas? Essa pergunta é assaz pertinente. Mas o mais importante será mesmo a constatação do como as próximas eleições presidenciais, não sendo das intercalares, já se apresentam com um vencedor antecipado, como acontece com as intercalares. E isso não costumava ser assim tão óbvio. Não o foi decerto em 1986, quando foi preciso haver uma 2ª volta entre Soares e Freitas. Nem em 1996, quando os anticorpos epidérmicos gerados por uma década de cavaquismo, haviam criado uma frente anti-Cavaco com a desistência dos outros dois candidatos da esquerda para Jorge Sampaio (mesmo que o adversário de Cavaco Silva fosse o Rato Mickey, continuo convencido que o boneco obteria uma excelente votação). Começaram-se a sentir os sintomas do problema de que aqui falo em 2006, quando a sociedade portuguesa já fora curada com um anti-histamínico de memória às alergias do cavaquismo e os socialistas não apresentaram candidato sério. E a cena repete-se em 2016. Há um candidato consagrado de antemão, elevado num escudo como o nosso estimado Abraracourcix, o chefe gaulês. Mas o problema que aqui quero destacar, ao contrário do que vejo para aí nas trocas de argumentos de campanha, não é ele ser Marcelo Rebelo de Sousa, por muito patusco que ele também possa ser. É o método. Tanto assim que muitos partilharemos a convicção que, na eventualidade de António Guterres se ter disposto a concorrer a estas mesmas eleições, seria ele a ser elevado no escudo da mesma forma indisputada porque, nesse caso, Marcelo já não se apresentaria. E em vez da esquerda, seria a direita a apresentar candidaturas fragmentadas com Santana Lopes, talvez Rui Rio e/ou alguém da área do CDS/PP. Seria um cenário que aliviaria quem hoje se mostra preocupado pelo desfecho das eleições, e vice-versa para a facção oposta, mas há que reconhecer que, do ponto de vista do funcionamento do regime, mostrar-se-ia o mesmo desinteresse social pela disputa eleitoral para a função presidencial. Talvez porque socialmente não se lhe reconheça importância, talvez porque as suas competências precisem ser revistas. Não sei é se, apesar de toda esta explicação, consigo transmitir a diferença entre um problema e outro.

2 comentários:

  1. Por razões que, certamente, não vale a pena recordar, o regime é hoje praticamente parlamentarista.
    Assim sendo, o que não faz sentido é a eleição por sufrágio directo.

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  2. Agradeço-lhe o comentário. Concordando consigo no facto deste regime se ter tornado progressivamente parlamentar, discordo de si quando argumenta que deixou de fazer sentido a eleição por sufrágio directo.

    Pelo contrário, abdicar desse método de eleição é acentuar ainda mais o carácter parlamentarista do regime com a consequente dependência dos partidos, tal como aconteceu com o regime de 1911 a 1926. Isso foi considerado tão pernicioso que o Estado Novo (até 1958) e quem concebeu a actual Constituição tentou evitá-lo a todo o custo.

    Ou, argumentando com o exemplo concreto da eleição que se aproxima para tornar o assunto menos abstracto, por muitas antipatias que Marcelo suscite, reconheça-se que ele está a concorrer ao arrepio do que seriam as vontades íntimas de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.

    Ora as vontades daqueles dois seriam determinantes se o sufrágio fosse indirecto porque as candidaturas sairiam do QG dos partidos (como agora acontece com o presidente da AR). E o candidato do PSD bem poderia ser a de uma personalidade como o Dr. Luís Filipe Menezes a quem Passos Coelho é capaz de estar a dever alguns favores... mas que tem a popularidade que se evidenciou na última eleição municipal no Porto. Mas podia ganhar.

    Ora, mesmo estando-se em campanha eleitoral, altura em que parece proibido reconhecer o óbvio, parece-me consensual que Marcelo Rebelo de Sousa está a anos-luz de Menezes...

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