28 janeiro 2016

AINDA MAIS UMA VEZ 1975 EM PORTUGAL

É engraçado como, tendo o 25 de Abril ocorrido em 1974 e tendo havido por muitos anos um enorme pudor em mencionar a data de 25 de Novembro, acabe por ser o ano de 1975 aquele que se tornou simbólico da Revolução. Este já não é o primeiro livro que se socorre do expediente de puxar ostensivamente o ano do PREC para a capa. E, dez anos depois da edição do primeiro livro desta nova fase de revisitação do período, Os Dias Loucos do PREC, o método de acompanhar compassadamente o dia a dia revolucionário através dos recortes da imprensa da época parece muito longe de se mostrar esgotado - neste caso privilegiadamente o Diário de Notícias de José Saramago, com o qual parece haver, de resto, um certo acerto de contas.
 
A melhor surpresa do livro será provavelmente o prefácio de Eanes. Está quase convencionado que, quando o tempo passa e os intervenientes mais importantes destes acontecimentos caminham para velhos, os seus depoimentos se tornam progressivamente mais benignos: os factores políticos em disputa perderam entretanto a importância e muitos dos outros protagonistas faleceram e há aquele disparate de parecer deselegante falar mal deles. A leitura dos acontecimentos que Eanes faz neste prefácio não tem nada, felizmente, dessa descrição previsível de octogenário clemente. Seja no cenário global, seja nos pormenores, Eanes parece ter um compromisso para com aquilo que ele considerará ser a Verdade. No primeiro caso, identificar os comunistas, fosse a sua ala militar - Vasco Gonçalves - fosse a sua ala civil - Álvaro Cunhal - como os únicos actores políticos antagonistas que sabiam o que estavam a fazer; o resto da esquerda revolucionária - com Otelo Saraiva de Carvalho - eram apenas uns joguetes exuberantes. Como exemplo do segundo caso, o de fazer reviver pormenores esquecidos, fez-me bem ser recordado que uma das razões que terá levado à aceitação pelos comunistas de Pinheiro de Azevedo como sucessor de Vasco Gonçalves foi a circunstância de o primeiro se ter comportado até aí como um dos mais entusiásticos gonçalvistas; só depois é que o viraram...
Quanto ao livro propriamente dito, ele beneficia com a libertação de documentação que fora até agora (2014) classificada... pelos norte-americanos, nomeadamente as actas deles de algumas reuniões de topo havidas com dirigentes portugueses ou internas, mas a respeito de Portugal. A transcrição da acta da reunião que Vasco Gonçalves teve a 29 de Maio de 1975 em Bruxelas com Gerald Ford e Henry Kissinger (acima, e na pp. 222 e ss.), por exemplo, é um portento de onde escorre uma ironia quase sarcástica nos comentários de Kissinger aos protestos de Vasco Gonçalves de que o governo em Portugal não fora tomado pelos comunistas («A complexidade do sistema que nos descreve vai muito além de tudo o que estudei em Ciência Política»; «Enquanto professor de Ciência Política, acho que nunca ouvi falar de um sistema tão complexo»; «Quem imaginou este sistema? Todos temos uma profunda admiração pela sua natureza complexa»). Das actas de outras reuniões percebe-se, ao contrário do que acontecia com Vasco Gonçalves, o respeito que os norte-americanos nutriam por Melo Antunes, apesar de ele ser um perigoso esquerdista, ou que o apoio financeiro aos socialistas nunca faltou, e que Soares chegou mesmo a prescindir do dos americanos porque o que os europeus lhe davam, chegava. Pena que não haja outras actas que nos digam o que se pensava nas capitais (como Moscovo) que apoiavam o outro lado. São estes livros que nos fazem lembrar a famosa frase de Baptista-Bastos - Onde é que tu estavas no 25 de Abril? - mas refraseada de uma forma que é capaz de fazer morrer alguns sorrisos - De que lado é que tu estavas no 25 de Novembro? Lembro-me de tantos nomes, que hoje querem passar por respeitáveis, que estiveram do lado errado...

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