Este quadro acima mostra o que foi a evolução dos efectivos dos alunos do Colégio Militar nos últimos cem anos (de 1909 a 2008), tais quais os dados que constam de Meninos da Luz Quem é Quem II, livro publicado pela AAACM em 2008. É interessante estudá-lo porque as conclusões que de ali se tiram nem sempre concordarão com o discurso prevalecente a respeito do que foi o passado da instituição. A primeira conclusão que gostaria de destacar refere-se ao século que precede o que aparece no gráfico, o século XIX. Ao longo dele, a hoje bicentenária instituição atravessou um primeiro século longe de ser memorável. Como aqui tive oportunidade de destacar já há dois anos num outro poste, apesar do que hoje se quer fazer crer, os governos da monarquia, e a instituição em si, não foram os promotores mais activos do Colégio Militar. Em 1909, ano penúltimo da monarquia, o batalhão colegial tinha 334 alunos, um efectivo que só veio a ser atingido novamente na fase de quase colapso do final da Segunda Guerra Mundial (1945). E vale a pena acrescentar que, numa fase inicial, o entusiasmo da 1ª República que se seguiu à monarquia por aquela instituição não variou significativamente. Até 1917. Quiçá pela entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, quiçá por outras razões, os efectivos do batalhão colegial cresceram abruptamente em quase ⅓ em pouco anos, atingindo e superando os 460 no quadriénio de 1925-28. Data desses anos - e só desses anos, que a monarquia nos cento e sete anos iniciais nunca se terá lembrado de o fazer... - conceder a primeira grande condecoração recebida pelo estandarte do Colégio Militar: o grau de membro honorário da Ordem Militar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito.
Na fotografia acima de Outubro de 1923, a cerimónia da abertura do ano lectivo do Colégio Militar é distinguida pela presença simultânea tanto do Chefe do Estado, Manuel Teixeira Gomes (à esquerda) quanto do Chefe de Governo, António Maria da Silva (ao centro, cumprimentando-o), diante da continência do anfitrião, o director do Colégio Militar, general Bernardo de Faria e Silva. Nunca mais as cerimónias oficiais do Colégio Militar conseguiram congregar a presença simultânea de ambas as figuras mais importantes do Estado. Após do Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, os efectivos de alunos do Colégio Militar sofrem uma pequena mas abrupta queda até 1930 (413 alunos) depois retomada até 1935/36 (de novo 460 alunos) com a progressiva instalação das instituições do Estado Novo. Mas o apoio do Estado Novo ao Colégio Militar é, no mínimo, um apoio equívoco. Nesta fotografia abaixo da cerimónia da abertura do ano lectivo de 1937, continua a ser o Chefe do Estado, Óscar Carmona (ex-aluno 24/1882) a presidir à cerimónia, mas quem se identifica por detrás de si e do comandante de batalhão (aluno 251 - Hidalgo Barata) é Santos Costa, subsecretário de Estado da Guerra, eminência parda do ministério, cujo titular formal era então Oliveira Salazar¹. Nos oito anos que se seguirão, o Colégio Militar vai atravessar um dos piores, senão mesmo o pior momento da sua existência: verá cair os efectivos do batalhão colegial de ⅓, desde os mais de 460 alunos de 1936 até aos 300 com que contava em 1945, o ano do fim da Segunda Guerra Mundial.
Constato, sem conseguir explicar, a recuperação que se registou a partir daí até aos finais da década de 1950. Em 1958, o Colégio Militar tinha 437 alunos e, sobretudo, esse crescimento da população escolar fora feito sem sacrificar a imagem de excelência da selecção dos admitidos e do ensino que era ministrado. Numa confissão sã e descomprometida, o próprio ex-presidente Jorge Sampaio admitiu nas suas memórias que concorrera (e chumbara) em 1949 nas suas provas de admissão ao Colégio Militar. Em 1958, a inauguração do novo edifício do Corpo de Alunos propiciou outras facilidades logísticas que permitiram que o batalhão colegial passasse em quatro anos (1958-62) de uma forma abrupta 437 para 600 alunos. Em cima disso, a eclosão das guerras em África e o aumento da rotação das colocações dos oficiais das Forças Armadas foram factores que pressionaram os efectivos colegiais a prosseguir no seu aumento até roçarem os 700 em 1975. São os anos - que hoje poderão parecer muito estranhos a quem não os viveu - em que o chefe do Estado - o almirante Américo Thomaz (que nem era ex-aluno, abaixo ao centro) - não faltava a uma cerimónia de uma abertura solene do ano lectivo do Colégio Militar. E nada de receber medalhas a magote (abaixo): cada um ia lá sozinho e, se fossem mais do que um(a), recebia as medalhas e os prémios que tivesse a receber logo todos de uma vez para poupar a veneranda figura do chefe do Estado!
Depois do 25 de Abril, Spínola, Costa Gomes, (por acaso, ambos ex-alunos) e depois Eanes deixaram de ter tempo de comparecer anualmente nas cerimónias do Colégio Militar. A não ser excepcionalmente: em 1978 Eanes estava presente quando da cerimónia dos 175 anos da instituição. Nos oito anos que se seguiram à descolonização (1975-1983), o Colégio Militar perdeu consistentemente alunos a cada ano que passava (de mais de 680 para 480 alunos). E, nos nove anos depois disso (1983-1992), embora a tendência fosse menos nítida, o saldo foi, mesmo assim, assaz negativo (de 480 para 410 alunos). Era também um reflexo da diminuição da importância da função dos militares na sociedade portuguesa e era evidente que Portugal e a sociedade portuguesa haviam sofrido, para além dessa, outras transformações substanciais a que o Colégio Militar ter-se-ia que adaptar. É reconhecível no gráfico inicial o esforço que foi desenvolvido entre 1992 e 2004, que conseguiu elevar a frequência de alunos do batalhão colegial de novo para números superiores a 500. Mas também era reconhecível como essa dinâmica parecia estar-se a esgotar de 2004 para cá. Sobre o futuro do Colégio Militar, já li por aí muitas opiniões: umas com que concordo, outras com que discordo, outras que nem percebo o que querem; numa outra classificação, paralela à anterior, há as que me parecem fundamentadas, e as básicas, que se esquecem disto: para ter sobrevivido durante 200 anos o Colégio Militar já teve que se adaptar e ter sido imensas coisas que dessem respostas à sociedade onde se inseriram e não apenas aquilo que o opinador quer preservar dos tempos em o frequentou.
Nota final: Isto é uma espécie de aposta com um leitor deste blogue, também ele ex-aluno do Colégio Militar, sobre o hipotético acolhimento de uma análise que se pretende séria sobre assuntos relacionados com o Colégio Militar.
¹ Tudo indicia que o interesse pessoal do omnipotente presidente do Conselho António Salazar pelo destino do Colégio Militar fosse, nesses anos, muito mitigado. Tanto assim que o lóbi dos ex-alunos, encabeçado por Humberto Delgado (ex-aluno 398/1916) se lembrou de, numa operação manteigueira, lhe oferecer em 1939 um estojo com todas as medalhas escolares fazendo de Salazar um ex-aluno honorário (abaixo). Sintoma da indiferença de Salazar, a cerimónia, que fora prevista originalmente para ser realizada com todo o estadão a 3 de Março de 1939, dia do 136º aniversário do Colégio Militar, foi desmarcada por impossibilidade do próprio homenageado para as cerimónias de encerramento oficial desse ano lectivo em Junho de 1939, novamente desmarcada por nova impossibilidade de Salazar, e o estojo acabou por lhe ser entregue numa cerimónia discreta no seu gabinete em Novembro desse ano... Que manteiga mais mal empregada!