Por coincidência estava (e estou) a reler, passados muitos anos, Paris já está a arder?, quando se verificaram os ataques terroristas da última Sexta-Feira. É uma analogia que nos ocorre imediatamente. Mas foram acontecimentos muito diferentes. A começar pelo número de vítimas: a insurreição de Paris custou diariamente um número de vítimas do lado francês equivalente ao de todos os ataques recentes - 125 mortos e 479 feridos no primeiro dia da insurreição (19 de Agosto de 1944), 106 mortos e 357 feridos no dia seguinte (como se lê na página 204 daquele livro). Já não se consegue agora estimar quantos deles terão sido vítimas colaterais. Porque manda a realidade reconhecer que depois de morrerem e considerado o desfecho da Libertação de Paris a 25 de Agosto de 1944 era socialmente muito mais prestigiante que o não tivessem sido (vítimas colaterais). As batalhas simbólicas, porque possuem uma carga emocional acrescida podem ter destes paradoxos. E a de anteontem não será excepção. Haverá muito por dizer que não será oportuno enfatizar por agora. Há quase um ano, François Hollande anunciava a França pronta a "multiplicar as acções" contra o Daesh. Continua sem se saber muito bem o que se passa por lá (pela Síria e pelo Iraque). Não tanto por dificuldade de acesso à informação mas pela dificuldade em a simplificar, arrumando as facções combatentes em boas e más, como é o gosto da opinião pública ocidental (tanto mais que os combatentes de umas e outras entoam ambos o Allahu Akbar característicos dos devotos...). Ora, nesta era da informação, importa ter as opiniões públicas esclarecidas das operações militares em que os países se engajam, os riscos que se correm e não se podem tratar estes assuntos com o distanciamento de uma longínqua guerra de pacificação colonial ao jeito das do Século XIX.
Quanto ao livro, continuará certamente o mesmo de há cinquenta anos. Eu que já não sou o mesmo quando o li da primeira vez. Continua muito bem escrito e arrebatador. Quase 500 páginas que se lêem sem esforço. Quanto ao rigor, isso é outra coisa. É um caso a que se aplica com toda a propriedade a diferença das palavras inglesas story e history. A pretexto das tricolores que têm enfeitado o mundo inteiro em sinal de solidariedade fui recuperar esta passagem da página 16, onde se sugere que as bandeiras francesas estavam interditas de serem hasteadas em Paris:
Desde o dia 15 de Junho de 1940 (data da entrada dos alemães em Paris) que as únicas bandeiras tricolores que eles (parisienses) podiam livremente contemplar se encontravam nos Inválidos, encerradas nos armários vidrados, cobertos de pó, do Museu Militar.
Nem de propósito, esta fotografia de uma cerimónia da Milícia em Paris foi tirada a 1 de Julho de 1944 e a bandeira dificilmente podia ser maior. Mas também é verdade que a Milícia e as restantes autoridades de Vichy dificilmente conseguiriam ter sido mais sonegadas de Paris já está a arder? Enfim, para que as histórias (stories) sejam arrebatadoras têm que ser bem contadas.
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