Para quem não sabe (ou já não se lembra), durante o primeiro dos PRECs, o de 1975, apareceu e popularizou-se o mito do povo trabalhador, aquele que se exprimia (organizadamente!) através das organizações populares de base, sindicatos, comissões de trabalhadores ou comissões de moradores. Na prática, sabia-se que eram várias designações sempre dos mesmos, fosse no papel de militantes políticos, no de dirigentes sindicais, ou ainda no de comissários daquelas comissões. Neste artigo acima que fui buscar ao Diário de Lisboa de 28 de Agosto de 1975, o esforçado jornalista, apesar da dedicação, não terá conseguido encontrar um só trabalhador, com cara de trabalhador, que pertencesse a uma dessas comissões de moradores. Esta comprovada rarefação não invalidava que as tais organizações populares de base fossem continuamente referidas pela comunicação social como sustentáculos do discurso político predominante. E não se podia contrariar a vontade popular. Recordo que dali por umas semanas uma manifestação dessas organizações populares de base, rigorosamente apartidária (como então se impunha frisar quando a iniciativa bordejava os limites do decente) ir-se-ia celebrizar por fazer um cerco à Assembleia Constituinte, sequestrando os deputados.
Essa abstracção que eram as organizações populares de base do primeiro PREC tem hoje uma réplica numa outra abstracção designada por os mercados. Os mercados (e os investidores), como a vontade popular de outrora, é aquilo que não se pode contrariar neste nosso segundo Processo Revolucionário em Curso, promovido agora pela direita liberal. O que os jornais engajados no novo PREC já não fazem, é repetir o erro do Diário de Lisboa acima, e partir por aí a questionar as pessoas da rua para saberem se elas fazem parte de os mercados. Arriscavam-se ao mesmo fracasso de não encontrar ninguém, mesmo se selecionassem correctores de bolsa, analistas financeiros ou jornalistas económicos, que se reconhecessem como pertencente aos ditos. Em períodos revolucionários essas abstracções existem quase só no discurso ideológico do jornalismo engajado e servem muito mais para ser invocadas do que para ter existência substantiva. É que se existissem de facto arriscavam-se a ter comportamentos desviantes: com organizações populares de base a chegarem a algum acordo com o patronato em ocasiões em que era necessário promover as justas lutas dos trabalhadores ou com os mercados a reagirem com neutralidade e indiferença à tomada de posse de um governo de esquerda. De Adelino Gomes a Camilo Lourenço, são lutas por ideais tão diferentes recorrendo a um estilo tão igual...
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