A propósito da deposição do rei e da fundação recente da República do Nepal, depois de uma monarquia que durou 239 anos, através da votação da Assembleia Constituinte que foi democraticamente eleita e onde os comunistas de inspiração maoista têm uma maioria relativa (220 em 600 lugares) e os de todas as inspirações uma absoluta (330 lugares), lembrei-me de evocar outros episódios do passado onde soberanos e executivos dominados por comunistas coexistiram tão desconfortável como brevemente. Comecemos então pelo caso da Roménia.
A Roménia foi um dos países vencedores da Primeira Guerra Mundial que mais cresceu territorialmente depois da Vitória. Beneficiava do facto de ter fronteiras com três dos países derrotados: Bulgária, Hungria e União Soviética. A Roménia foi uma defensora do status quo criado pelos Tratados assinados em 1919 e também um alvo da cobiça de todos os países revisionistas desses Tratados, incluindo a Alemanha nazi. Em 1940, Hitler patrocinou uma rectificação de fronteiras da Roménia com aqueles 3 países, cedendo as regiões assinaladas a tracejado.
Como acontecera em todos os países da Europa Oriental, com a única excepção da Checoslováquia, também na Roménia, o regime democrático liberal não resistiu à crise dos anos 30, tendo-se tornado numa monarquia autoritária. Num pormenor pitoresco, o trono passara de Fernando I (rei de 1914 a 1927) para o seu neto Miguel I (sob uma regência, de 1927 a 1930), para Carlos II, filho do primeiro e pai do segundo, que abdicara em 1927, mas que entretanto se arrependera e dera um Golpe em Junho de 1930.
Depois de um período de rotatividade eleitoral entre o Partido Liberal, que afinal era conservador, e o Partido Camponês, em 1938 a Monarquia assumiu formalmente uma orgânica fascista com um partido único, a Frente do Renascimento Nacional. Mas o Rei Carlos II (abaixo) acabou por ser considerado o bode expiatório da má condução da política externa que levaram às rectificações fronteiriças de 1940, as patrocinadas por Hitler (em benefício da Hungria e da Bulgária) e as exigidas por Stalin (em benefício da União Soviética).
A Roménia foi um dos países vencedores da Primeira Guerra Mundial que mais cresceu territorialmente depois da Vitória. Beneficiava do facto de ter fronteiras com três dos países derrotados: Bulgária, Hungria e União Soviética. A Roménia foi uma defensora do status quo criado pelos Tratados assinados em 1919 e também um alvo da cobiça de todos os países revisionistas desses Tratados, incluindo a Alemanha nazi. Em 1940, Hitler patrocinou uma rectificação de fronteiras da Roménia com aqueles 3 países, cedendo as regiões assinaladas a tracejado.
Como acontecera em todos os países da Europa Oriental, com a única excepção da Checoslováquia, também na Roménia, o regime democrático liberal não resistiu à crise dos anos 30, tendo-se tornado numa monarquia autoritária. Num pormenor pitoresco, o trono passara de Fernando I (rei de 1914 a 1927) para o seu neto Miguel I (sob uma regência, de 1927 a 1930), para Carlos II, filho do primeiro e pai do segundo, que abdicara em 1927, mas que entretanto se arrependera e dera um Golpe em Junho de 1930.
Depois de um período de rotatividade eleitoral entre o Partido Liberal, que afinal era conservador, e o Partido Camponês, em 1938 a Monarquia assumiu formalmente uma orgânica fascista com um partido único, a Frente do Renascimento Nacional. Mas o Rei Carlos II (abaixo) acabou por ser considerado o bode expiatório da má condução da política externa que levaram às rectificações fronteiriças de 1940, as patrocinadas por Hitler (em benefício da Hungria e da Bulgária) e as exigidas por Stalin (em benefício da União Soviética).
Carlos II foi deposto e exilou-se definitivamente em Setembro de 1940 e Miguel I tornou-se de novo Rei, agora com 18 anos. O Homem-Forte do novo regime, decidido a alinhar-se incondicionalmente com a Alemanha, era o Marechal Ion Antonescu (abaixo, ao lado do Rei), que se fazia chamar Conducator*, numa cópia balcânica da Itália fascista. A inspiração italiana também se veio a revelar na forma como, em Agosto de 1944, perante a ameaça eminente de invasão, o regime tentou mudar de alianças, afastando o Conducator…
Mas houve duas coisas importantes que distinguiram a manobra romena da italiana. Embora Miguel I tenha demitido Antonescu como Vítor Manuel III demitira Mussolini no ano anterior, os romenos foram muito mais despachados e completamente frontais com os alemães quanto às suas intenções; e, fundamental para o que seria futuro da Roménia, o representante dos Aliados que se preparava para invadir o país e com quem ela tinha de negociar, era a União Soviética, e não qualquer dos países anglo-saxónicos.
O governo empossado por Miguel I depois do Golpe englobava 4 partidos: Liberal, Camponês, Socialista e Comunista. A implantação dos comunistas num país que ainda era maioritariamente rural era muito fraca; com uma forte implantação popular e de esquerda, mas desenquadrada dos cânones ideológicos clássicos, existia a Frente dos Cultivadores**. Foi à volta desta organização, coligada com as outras mais fracas, mas sempre controlada pelos comunistas, que se veio a formar a Frente que tomou o poder.
Foi baptizada de Frente Democrática Nacional (FDN) e, desde a sua criação em Outubro de 1944, a sua função principal foi a de dificultar a estabilidade dos governos existentes, pedindo o reforço da participação dos seus membros nos governos, até alcançarem os lugares-chave. Houve um Primeiro-Ministro de Agosto a Dezembro de 1944 (Sănătescu), outro de Dezembro de 1944 a Março de 1945 (Rădescu) e finalmente, a partir de Março de 1945, Petru Groza, o líder histórico da Frente dos Cultivadores**.
A nomeação de Groza, o protótipo do aristocrata vermelho (acima), foi feita por sugestão do Presidente da Comissão de Controlo Aliado na Roménia (que era, naturalmente, soviético) a Miguel I. Mas as relações entre o monarca e o Primeiro-Ministro não tardaram a tornar-se extremamente tensas. Durante a Conferência de Potsdam (Julho de 1945), Miguel I ainda dispunha da audiência suficiente junto dos Aliados ocidentais para os convencer a não reconhecerem representatividade nem legitimidade ao governo de Groza.
Pelo seu lado, o Rei iniciou um boicote, recusando-se a promulgar a legislação do governo, até que, em Dezembro de 1945, instruções vindas de Moscovo fizeram Groza atribuir uma pasta ministerial a cada um dos partidos burgueses (Liberal e Camponês), obtendo em contrapartida o reconhecimento do seu governo pelos países ocidentais. Nesse momento, o gesto era apenas cosmético, porque o aparelho do estado já havia sido completamente controlado pela Frente Democrática Nacional, nomeadamente pelos comunistas.
Os comunistas romenos, além de serem originalmente poucos (cerca de 1.000 militantes em 1944), estavam ainda divididos entre duas facções: a dos que haviam permanecido na Roménia durante a Guerra (dirigida por Gheorghe Gheorghiu-Dej - acima) e a dos exilados em Moscovo (chefiada por Ana Pauker). Venceram os pertencentes à primeira facção, mas esta disputa interna, decidida por Moscovo, atrasou ainda mais o processo de apropriação do poder e forçou um amparo do poder soviético superior ao que se verificou nos países vizinhos.
As eleições tiveram finalmente lugar em Novembro de 1946, onde as listas da Frente Democrática Nacional obtiveram uns retumbantes 80% dos votos. Nessa altura, a Roménia já era a última monarquia do Leste da Europa e o próprio Primeiro-Ministro Petru Groza esquecia as causas da sua Frente dos Cultivadores** e, em vez de uma Reforma Agrária que fosse caracterizada pela repartição das terras pelos camponeses, submetia-se à colectivização das propriedades agrícolas, decalcada do modelo soviético...
Miguel I assinou a sua acta de abdicação em 30 de Dezembro de 1947, depois de um período de 34 meses de coexistência de duas instituições tão antagónicas quanto a monarquia e um governo comunista. Entre outros anacronismos, conta-se o facto dele ser um dos únicos cinco estrangeiros distinguidos*** (e o único ainda vivo - tem actualmente 86 anos) com a exclusivíssima Ordem da Vitória (16 condecorados no total!), a mais prestigiada condecoração concedida pela União Soviética por ocasião da vitória na Segunda Guerra Mundial...
* Como se depreende (o romeno é uma língua latina, aparentada com o português), Conducator poder-se-á traduzir como o Chefe, o Dirigente, o Condutor.
** À letra, Frente dos Homens do Arado.
*** Os outros estrangeiros foram o norte-americano Eisenhower, o britânico Montgomery, o polaco Rola-Żymierski e o jugoslavo Tito.
Mas houve duas coisas importantes que distinguiram a manobra romena da italiana. Embora Miguel I tenha demitido Antonescu como Vítor Manuel III demitira Mussolini no ano anterior, os romenos foram muito mais despachados e completamente frontais com os alemães quanto às suas intenções; e, fundamental para o que seria futuro da Roménia, o representante dos Aliados que se preparava para invadir o país e com quem ela tinha de negociar, era a União Soviética, e não qualquer dos países anglo-saxónicos.
O governo empossado por Miguel I depois do Golpe englobava 4 partidos: Liberal, Camponês, Socialista e Comunista. A implantação dos comunistas num país que ainda era maioritariamente rural era muito fraca; com uma forte implantação popular e de esquerda, mas desenquadrada dos cânones ideológicos clássicos, existia a Frente dos Cultivadores**. Foi à volta desta organização, coligada com as outras mais fracas, mas sempre controlada pelos comunistas, que se veio a formar a Frente que tomou o poder.
Foi baptizada de Frente Democrática Nacional (FDN) e, desde a sua criação em Outubro de 1944, a sua função principal foi a de dificultar a estabilidade dos governos existentes, pedindo o reforço da participação dos seus membros nos governos, até alcançarem os lugares-chave. Houve um Primeiro-Ministro de Agosto a Dezembro de 1944 (Sănătescu), outro de Dezembro de 1944 a Março de 1945 (Rădescu) e finalmente, a partir de Março de 1945, Petru Groza, o líder histórico da Frente dos Cultivadores**.
A nomeação de Groza, o protótipo do aristocrata vermelho (acima), foi feita por sugestão do Presidente da Comissão de Controlo Aliado na Roménia (que era, naturalmente, soviético) a Miguel I. Mas as relações entre o monarca e o Primeiro-Ministro não tardaram a tornar-se extremamente tensas. Durante a Conferência de Potsdam (Julho de 1945), Miguel I ainda dispunha da audiência suficiente junto dos Aliados ocidentais para os convencer a não reconhecerem representatividade nem legitimidade ao governo de Groza.
Pelo seu lado, o Rei iniciou um boicote, recusando-se a promulgar a legislação do governo, até que, em Dezembro de 1945, instruções vindas de Moscovo fizeram Groza atribuir uma pasta ministerial a cada um dos partidos burgueses (Liberal e Camponês), obtendo em contrapartida o reconhecimento do seu governo pelos países ocidentais. Nesse momento, o gesto era apenas cosmético, porque o aparelho do estado já havia sido completamente controlado pela Frente Democrática Nacional, nomeadamente pelos comunistas.
Os comunistas romenos, além de serem originalmente poucos (cerca de 1.000 militantes em 1944), estavam ainda divididos entre duas facções: a dos que haviam permanecido na Roménia durante a Guerra (dirigida por Gheorghe Gheorghiu-Dej - acima) e a dos exilados em Moscovo (chefiada por Ana Pauker). Venceram os pertencentes à primeira facção, mas esta disputa interna, decidida por Moscovo, atrasou ainda mais o processo de apropriação do poder e forçou um amparo do poder soviético superior ao que se verificou nos países vizinhos.
As eleições tiveram finalmente lugar em Novembro de 1946, onde as listas da Frente Democrática Nacional obtiveram uns retumbantes 80% dos votos. Nessa altura, a Roménia já era a última monarquia do Leste da Europa e o próprio Primeiro-Ministro Petru Groza esquecia as causas da sua Frente dos Cultivadores** e, em vez de uma Reforma Agrária que fosse caracterizada pela repartição das terras pelos camponeses, submetia-se à colectivização das propriedades agrícolas, decalcada do modelo soviético...
Miguel I assinou a sua acta de abdicação em 30 de Dezembro de 1947, depois de um período de 34 meses de coexistência de duas instituições tão antagónicas quanto a monarquia e um governo comunista. Entre outros anacronismos, conta-se o facto dele ser um dos únicos cinco estrangeiros distinguidos*** (e o único ainda vivo - tem actualmente 86 anos) com a exclusivíssima Ordem da Vitória (16 condecorados no total!), a mais prestigiada condecoração concedida pela União Soviética por ocasião da vitória na Segunda Guerra Mundial...
* Como se depreende (o romeno é uma língua latina, aparentada com o português), Conducator poder-se-á traduzir como o Chefe, o Dirigente, o Condutor.
** À letra, Frente dos Homens do Arado.
*** Os outros estrangeiros foram o norte-americano Eisenhower, o britânico Montgomery, o polaco Rola-Żymierski e o jugoslavo Tito.
O que se passou no Nepal, será custoso de engolir, mais do que entender, para uns, e demasiado fácil e apetecido para outros.
ResponderEliminarPara mim era apenas expectável e normal, lá e agora, e não sou eu que vou dizer aos Nepaleses que/se andaram bem ou mal. De resto, o tempo (e a China) dirá.
Interessante a narrativa sobre a evolução da Roménia desde o Reino até à República, fica-se agora a guardar a introdução ao período da República-reino do soberano e “amigo do ocidente”, D. Ceausescu I, o filantropo, e sua veneranda esposa, a humanista rainha D.Elena, ambos sumariamente julgados e executados, pelos sequazes da véspera.
Apenas um nota, sem quaisquer intuitos polémicos, a maioria dos países tiveram derivas nazi-fascistas, depois acontecia que os comunistas e outras forças de esquerda chegavam ao poder através do voto, para indignação à posteriori dos analistas. Vá lá alguém entender a História.
Leia-se: (...)maioria dos países da região(...)
ResponderEliminarNão se interprete do poste uma opinião pró-monárquica no que se refere à situação no Nepal. Quando um monarca deixa de representar a função social agregadora para que foi eleito é melhor abdicar.
ResponderEliminarTambém tentei não opinar sobre a evolução do que aconteceu na Roménia entre 1945 e 1947, de resto. Nos Balcãs, naquela época, as monarquias nem sequer tinham o lastro da antiguidade que as justificassem: as mais antigas teriam pouco de um século de existência.
Apenas uma nota à sua nota: tenho a opinião que o comunismo e os comunistas eram genuinamente muito populares em 1945. Não sei é se, sem "ajudas", obteriam as maiorias eleitorais que os deixassem confortáveis para instalarem os regimes que instalaram.
Também concordo com a sua resposta, mas não entendo bem o que é que as ajudas têm, neste particular, a ver com a questão?
ResponderEliminarJá agora quem nunca precisou de ajudas?
Boa semana.
A questão que deixou na sua nota original está associada, se bem li, à chegada ao poder dos comunistas através do voto.
ResponderEliminarOra os mesmos resultados eleitorais de 20 a 25% que os comunistas registavam nessa época tanto em França e na Itália como na Checoslováquia ou na Polónia, permitiram-lhes resultados diferentes conforme a potência ocupante.
Em Itália, mesmo subindo a sua representação popular nunca chegaram ao poder; na Checoslováquia e na Polónia, mesmo diminuindo a sua simpatia popular, nunca mais saíram do poder...
O título de Conducator foi mais tarde recuperado por Ceausescu, o que mostra mais a megalomania do ditador.
ResponderEliminarQuanto a Carol II, não gozava de grande popularidade, pela sua vida de playboy e por ter vivido vários anos com a sua amante elena Lupescu. Acabou os seus dias no Estoril, no seu vistoso palacete.
A URSS não foi derrotada na 1.ª Guerra Mundial.
ResponderEliminarPois.
ResponderEliminarÉ conveniente que quando as pessoas escrevem afirmações assim tão assertivas em caixas de comentários se documentem primeiro.
Leia o Tratado de Brest-Litovsk de 3 de Março de 1918. (http://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Peace_Treaty_of_Brest-Litovsk)
Ele desmente o que escreveu do ponto de vista formal.
Compare as fronteiras ocidentais da Rússia de 1914 com as da União Soviética de 1920.
(http://web000.greece.k12.ny.us/SocialStudiesResources/Social_Studies_Resources/GHG_Documents/Europe%201914-1919%20Maps%2008.04.jpg)
Elas desmentem o que escreveu do ponto de vista substancial.
Suponho que do resto de que consta o poste concorda com tudo, ou chegou a aprender alguma coisinha?
O principal é que os criminosos "democratas" e seus aliados-irmãos comunistas soviéticos nos trouxeram o comunismo judaico por 45 anos! Aliados demo-bolchevistas, vão pra o inferno!
ResponderEliminarÀs vezes é preciso esperar quatro anos (de 2008 a 2012) para que finalmente cheguem comentários preciosos de cariz político-religioso como o acima.
ResponderEliminar"Comunismo judaico" afigura-se-me toda uma nova ideologia... que se distingue evidentemente do comunismo cristão (na Polónia?), do comunismo muçulmano (na Albânia?) ou do comunismo budista (no Vietname?). Pessoalmente, tenho é dificuldades em conceber um comunismo jainista, ainda menos o protagonizado pelas testemunhas de jeová...
Mas, indubitavelmente, estamos em territórios doutrinários muito mais avançados dos que os postulados por Marx o judeu, conhecido pelo que escreveu contra as religiões.
Este Nicolau da Roménia conhece a obra de Marx melhor que Marx. É um trans-marxista!