Ao terminar um poste recente sobre os bombardeamentos que a Alemanha efectuou sobre a Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial, deixei uma ligação às teorias dos que daquele episódio preconizavam que, se houvessem sido realizados numa escala muito superior, aqueles bombardeamentos sobre alvos civis da retaguarda, ao afectarem a moral do inimigo, poder-se-iam ter tornado decisivos para a decisão daquela guerra e, antecipava-se, de guerras futuras.
O autor teórico que está mais associado à apresentação desta tese é o italiano Giulio Douhet (1869-1930), embora ele costume aparecer nos manuais de estratégia consagrados ao poder aéreo acompanhado de dois outros nomes, o do britânico Hugh Trenchard (1873-1956) e o do norte-americano William L. Billy Mitchell (1879-1936), embora estes dois últimos possam ser considerados mais como lobistas desse poder aéreo do que teóricos do mesmo.
Ambos se revelaram uns lóbistas particularmente bem sucedidos. Ao longo dos anos 30 Trenchard conseguiu desviar uma apreciável parcela dos investimentos na defesa do Reino Unido para o desenvolvimento aeronáutico. Nos começos da Segunda Guerra Mundial, se a Alemanha possuía, comparativamente com o Reino Unido, uma vantagem quantitativa* quanto ao número de aeronaves, não possuía qualquer vantagem qualitativa, nem operacional.
Exemplarmente, ao contrário da RAF**, esquece-se quanto as prioridades estabelecidas para o desenvolvimento da Luftwaffe** negligenciaram o bombardeamento. Um bombardeiro alemão típico dessa época (o Heinkel-111, acima) tinha capacidade para 2,5 toneladas de bombas e não havia programas em curso para bombardeiros maiores. Em contrapartida, um bombardeiro homólogo dos seus rivais (como o Avro Lancaster, abaixo) podia transportar 8 toneladas.
Do outro lado do Atlântico, embora Mitchell se tivesse notabilizado na questão da supremacia do poder aéreo sobre o poder naval – daí diversas experiências tendentes a demonstrar como bombas e torpedos lançados de aviões podiam afundar um couraçado – os Estados Unidos também já estavam tão avançados no domínio dos bombardeamentos estratégicos quanto os britânicos, como o prova a existência do B-17 (abaixo, também com capacidade de 8 toneladas).
Mais do que sobre os teóricos que as preconizaram, foi sobre os comandantes das forças estratégicas de bombardeiros aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, tanto o da RAF** (Arthur Bomber Harris - 1892-1984), como o da USAAF** (Curtis E. Le May - 1906-1990), que veio a recair a publicidade por tentarem comprovar a tese que os bombardeamentos maciços sobre as cidades inimigas destruir-lhes-ia o moral e conduziria à vitória.
O objectivo era intangível (destruir a moral do inimigo), mas o que ficou para ser apresentado foram os dados estatísticos. Sobre a Europa, a RAF** e a USAAF** rivalizaram com 687.000 e 755.000 saídas, respectivamente, onde foram largadas 1.236.000 e 1.462.000 toneladas de bombas. Mas os resultados estratégicos foram decepcionantes. Para o Japão, que era um assunto exclusivo da USAAF**, foi destinado um bombardeiro específico, o B-29 (9 toneladas)***.
Nos primeiros meses de 1945, expedições sucessivas de mais de 500 bombardeiros B-29 destruíram, entre as seis cidades principais do Japão, 50% de Tóquio, 31% de Nagoia, 56% de Kobe, 26% de Osaka, 44% de Yokohama e 32% de Kawasaki. No entanto, a moral japonesa só mostrou sinal de vir a ficar afectada de uma forma inequívoca num dia de Agosto em que apenas um B-29 (abaixo) lançou apenas uma bomba sobre a cidade de Hiroxima e a destruiu em 75%...
No rescaldo da análise das conclusões da Segunda Guerra Mundial, a validade da tese de Douhet, a da capacidade de desgastar o inimigo recorrendo ao bombardeamento com armamento convencional, parecia ter sido absolutamente desmentida. Mesmo no fim, aparecia um novo campo para o bombardeamento, agora no âmbito de uma guerra nuclear, mas esse cenário apenas teve sentido entre 1945 e 1949, até que a União Soviética alcançou a paridade nuclear.
Depois disso, com a progressiva sofisticação do equipamento, cada vez mais o bombardeiro estratégico se tornou um luxo de superpotência, como era o caso do gigante B-52 (abaixo), que fora concebido originalmente para aquela Guerra Nuclear que não se devia travar e aproveitado subsidiariamente para comprovar mais um vez o fracasso da tese de Douhet durante a Guerra do Vietname, onde os 7 milhões de toneladas de bombas usadas não tiveram efeitos estratégicos.
Os bombardeiros estratégicos da nova geração depois da Guerra-Fria, como é o caso deste bizarro B-2 (abaixo), entrado ao serviço em 1997, parecem continuar a ter o mesmo tipo de (des)aproveitamento. O pior é que eles se tornaram unidades proibitivamente caras, mesmo para os Estados Unidos, a superpotência rica. Construíram-se 12.700 B-17, quase 4.000 B-29, um pouco menos que 750 B-52, mas, como uma classe de couraçados navais, existem apenas 20 B-2…
Depois de, nos finais do Século XX, os Estados Unidos terem vencido a Guerra-Fria por terem levado os soviéticos à falência com a corrida aos armamentos, será que se aproximam tempos, nestes inícios do Século XXI, em que serão os próprios Estados Unidos a levarem-se a si mesmos à falência, gastando o dinheiro que não têm em armamento que, de tão sofisticado, nem sequer tem inimigo potencial em quem empregá-lo?
* Cerca de 1.750 aparelhos britânicos versus 4.500 alemães em Maio de 1940. Em Setembro desse mesmo ano, havia 1.050 aparelhos britânicos disponíveis para se oporem aos quase 2.700 alemães (Começo da Batalha de Inglaterra).
** Luftwaffe: Força Aérea alemã. RAF: Força Aérea britânica USAAF: Força Aérea norte-americana.
*** Mais do que a capacidade, era a autonomia (mais de 9.000 km.) e a ausência de bases próximas que tornavam o B-29 adequado para os bombardeamentos ao Japão. O B-17 ou o Lancaster tinham uma autonomia inferior a 3.000 km.
O autor teórico que está mais associado à apresentação desta tese é o italiano Giulio Douhet (1869-1930), embora ele costume aparecer nos manuais de estratégia consagrados ao poder aéreo acompanhado de dois outros nomes, o do britânico Hugh Trenchard (1873-1956) e o do norte-americano William L. Billy Mitchell (1879-1936), embora estes dois últimos possam ser considerados mais como lobistas desse poder aéreo do que teóricos do mesmo.
Ambos se revelaram uns lóbistas particularmente bem sucedidos. Ao longo dos anos 30 Trenchard conseguiu desviar uma apreciável parcela dos investimentos na defesa do Reino Unido para o desenvolvimento aeronáutico. Nos começos da Segunda Guerra Mundial, se a Alemanha possuía, comparativamente com o Reino Unido, uma vantagem quantitativa* quanto ao número de aeronaves, não possuía qualquer vantagem qualitativa, nem operacional.
Exemplarmente, ao contrário da RAF**, esquece-se quanto as prioridades estabelecidas para o desenvolvimento da Luftwaffe** negligenciaram o bombardeamento. Um bombardeiro alemão típico dessa época (o Heinkel-111, acima) tinha capacidade para 2,5 toneladas de bombas e não havia programas em curso para bombardeiros maiores. Em contrapartida, um bombardeiro homólogo dos seus rivais (como o Avro Lancaster, abaixo) podia transportar 8 toneladas.
Do outro lado do Atlântico, embora Mitchell se tivesse notabilizado na questão da supremacia do poder aéreo sobre o poder naval – daí diversas experiências tendentes a demonstrar como bombas e torpedos lançados de aviões podiam afundar um couraçado – os Estados Unidos também já estavam tão avançados no domínio dos bombardeamentos estratégicos quanto os britânicos, como o prova a existência do B-17 (abaixo, também com capacidade de 8 toneladas).
Mais do que sobre os teóricos que as preconizaram, foi sobre os comandantes das forças estratégicas de bombardeiros aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, tanto o da RAF** (Arthur Bomber Harris - 1892-1984), como o da USAAF** (Curtis E. Le May - 1906-1990), que veio a recair a publicidade por tentarem comprovar a tese que os bombardeamentos maciços sobre as cidades inimigas destruir-lhes-ia o moral e conduziria à vitória.
O objectivo era intangível (destruir a moral do inimigo), mas o que ficou para ser apresentado foram os dados estatísticos. Sobre a Europa, a RAF** e a USAAF** rivalizaram com 687.000 e 755.000 saídas, respectivamente, onde foram largadas 1.236.000 e 1.462.000 toneladas de bombas. Mas os resultados estratégicos foram decepcionantes. Para o Japão, que era um assunto exclusivo da USAAF**, foi destinado um bombardeiro específico, o B-29 (9 toneladas)***.
Nos primeiros meses de 1945, expedições sucessivas de mais de 500 bombardeiros B-29 destruíram, entre as seis cidades principais do Japão, 50% de Tóquio, 31% de Nagoia, 56% de Kobe, 26% de Osaka, 44% de Yokohama e 32% de Kawasaki. No entanto, a moral japonesa só mostrou sinal de vir a ficar afectada de uma forma inequívoca num dia de Agosto em que apenas um B-29 (abaixo) lançou apenas uma bomba sobre a cidade de Hiroxima e a destruiu em 75%...
No rescaldo da análise das conclusões da Segunda Guerra Mundial, a validade da tese de Douhet, a da capacidade de desgastar o inimigo recorrendo ao bombardeamento com armamento convencional, parecia ter sido absolutamente desmentida. Mesmo no fim, aparecia um novo campo para o bombardeamento, agora no âmbito de uma guerra nuclear, mas esse cenário apenas teve sentido entre 1945 e 1949, até que a União Soviética alcançou a paridade nuclear.
Depois disso, com a progressiva sofisticação do equipamento, cada vez mais o bombardeiro estratégico se tornou um luxo de superpotência, como era o caso do gigante B-52 (abaixo), que fora concebido originalmente para aquela Guerra Nuclear que não se devia travar e aproveitado subsidiariamente para comprovar mais um vez o fracasso da tese de Douhet durante a Guerra do Vietname, onde os 7 milhões de toneladas de bombas usadas não tiveram efeitos estratégicos.
Os bombardeiros estratégicos da nova geração depois da Guerra-Fria, como é o caso deste bizarro B-2 (abaixo), entrado ao serviço em 1997, parecem continuar a ter o mesmo tipo de (des)aproveitamento. O pior é que eles se tornaram unidades proibitivamente caras, mesmo para os Estados Unidos, a superpotência rica. Construíram-se 12.700 B-17, quase 4.000 B-29, um pouco menos que 750 B-52, mas, como uma classe de couraçados navais, existem apenas 20 B-2…
Depois de, nos finais do Século XX, os Estados Unidos terem vencido a Guerra-Fria por terem levado os soviéticos à falência com a corrida aos armamentos, será que se aproximam tempos, nestes inícios do Século XXI, em que serão os próprios Estados Unidos a levarem-se a si mesmos à falência, gastando o dinheiro que não têm em armamento que, de tão sofisticado, nem sequer tem inimigo potencial em quem empregá-lo?
* Cerca de 1.750 aparelhos britânicos versus 4.500 alemães em Maio de 1940. Em Setembro desse mesmo ano, havia 1.050 aparelhos britânicos disponíveis para se oporem aos quase 2.700 alemães (Começo da Batalha de Inglaterra).
** Luftwaffe: Força Aérea alemã. RAF: Força Aérea britânica USAAF: Força Aérea norte-americana.
*** Mais do que a capacidade, era a autonomia (mais de 9.000 km.) e a ausência de bases próximas que tornavam o B-29 adequado para os bombardeamentos ao Japão. O B-17 ou o Lancaster tinham uma autonomia inferior a 3.000 km.
"Blitzkrieg" - deve ter sido essa a razão para a inexistência de bombardeiros pesados na Luftwafe. Porém, com a resistência da RAF, perceberam que nem sempre resultava.
ResponderEliminarQuando utilizaram as bombas "V", além da falta de precisão dos impactos, também não as conseguiam fabricar em número suficiente e já era tarde para outra solução.
À Alemanha, por um lado, faltou-lhe um lobista como Trenchard, por outro estava dominada por antigos "ases" de caça da Guerra anterior (a começar pelo próprio Goering) e, ainda por outro, privilegiou a doutrina de emprego da aviação em apoio às operações terrestres (a famosa blitzkrieg).
ResponderEliminarIsso fazia com que em aviação de combate e de ataque ao solo a Luftwaffe fosse muito boa, mas noutras especialidades fosse apenas razoável (bombardeamento), mediana (transporte táctico) e mesmo medíocre (a aviação naval).
Peço desculpa pela ligeireza do comentário, que não pretende "brincar " com a excelência do post, mas, mal por mal, prefiro as bombas de baixo para cima.
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