28 maio 2008

A "BLITZ" DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Gotha é uma pequena cidade (47.000 habitantes) pertencente ao Estado da Turíngia que se situa actualmente bem no centro da Alemanha. Mas o nome Gotha teve no passado uma projecção desmesurada em relação à dimensão da cidade, que sempre foi pequena. Em primeiro lugar por causa do Almanaque Gotha (acima), que era uma publicação anual que se tornou fundamental para estabelecer quem eram e qual a importância relativa de todas as famílias nobres europeias.

Talvez por jogarem em casa, os príncipes da casa reinante local, os Saxe-Coburgo-Gotha foram repetidamente escolhidos ao longo do Século XIX para parceiros de algumas princesas casadoiras, mas encalhadas, cujos pergaminhos (e possessões...) se mostrassem interessantes: aconteceu com a Rainha Vitória (1819-01), que casou com um Alberto (1819-61) oriundo daquela região, ou com a nossa D. Maria II (1819-1853), a quem arranjaram um Fernando (1816-85), também DOP* Saxe-Coburgo-Gotha.
Uma terceira forma do nome Gotha ter adquirido celebridade foi a designação dos enormes bombardeiros pesados (acima) usados pela Luftstreitkräfte** durante a Primeira Guerra Mundial. A empresa, ali localizada, chamava-se Gothaer Waggonfabrik e, em tempo de paz, especializara-se na construção de vagões de caminho de ferro até que a produção industrial de guerra a forçou a modificar a sua produção, especializando-se então em aeronaves pesadas (bimotores), também baptizadas de Gotha.

Numa tarde de Sexta-Feira, 25 de Maio de 1917, quando a população da vila inglesa de Folkestone (mapa abaixo) estava nas compras (havia racionamento e as tradicionais filas para compra de artigos nas mercearias), as ruas e lojas da cidade deram em explodir, ferindo pessoas e cavalos, sem que os transeuntes, a princípio, se apercebessem da causa. Depois apercebendo-se do barulho de motores no céu gritaram: Zepps! Zepps!*** Mas a ameaça que naquele dia causou 95 mortos e 195 feridos era diferente.
O desenvolvimento aeronáutico alemão dos últimos anos havia conseguido ampliar a autonomia e a capacidade de transporte dos seus aviões por forma a que os tornasse capazes de, partindo da Bélgica, atingirem as regiões do Sul de Inglaterra (incluindo Londres) transportando uma carga útil (500 kg.) de bombas, que compensasse a operação. Aliás, tinha sido Londres o alvo original dos 21 bombardeiros que acabaram por atacar Folkestone naquele dia, porque o tempo estava encoberto sobre a capital britânica…

Só na terceira tentativa (13 de Junho) é que uma esquadrilha de bombardeiros encontrou os céus de Londres suficientemente limpos para a bombardear com as cerca de 4 toneladas de bombas que traziam, causando 162 mortos e 432 feridos. A causa para este desproporcionado número de baixas, tendo em atenção o escasso poder destrutivo dos meios usados, está associada à ausência de quaisquer procedimentos de segurança entre a população civil que, na maioria das vezes, ficava até na rua a assistir…
Claro que a regularidade com que os bombardeamentos se efectuavam não teve nada a ver com a regularidade diária da futura Blitz de 1940-41. Após a estreia de Folkestone, nos finais de Maio, seguiram-se dois raids em Junho (um deles sobre Londres), outros três em Julho, mais dois em Agosto, para se assentar nessa média mensal de 2 e um total de 27 bombardeamentos até ao final da Guerra, passando de diurnos para nocturnos à medida que as medidas de defesa dos britânicos se tornavam mais eficazes.

Mesmo assim, com a experiência, os alemães descobriram que as bombas incendiárias eram mais eficazes que as explosivas, passaram a usar bombardeiros mais potentes, quadrimotores, e bombas maiores, com 4 metros de comprimento e que chegavam a pesar 900 kg. No total, os alemães largaram mais de 100 toneladas de bombas, causando 835 mortos e 1.972 feridos. Entre os teóricos, houve quem pensasse que, estrategicamente, se tivessem sido mais bombas e começado mais cedo, a Guerra poderia ter seguido um outro curso…
* DOP: denominação de origem protegida.
** Serviço Aéreo do Exército Imperial Alemão (símbolo acima). Embora a Alemanha Nazi e depois a República Federal tenham adoptado a designação Luftwaffe para designar a sua Força Aérea, a Áustria e a República Democrática Alemã (1949-90) adoptaram essa designação de Luftstreitkräfte para o mesmo ramo.
*** Abreviatura de Zeppelins, balões dirigíveis rígidos usados pela Luftstreitkräfte, designados pelo nome do seu inventor, o barão von Zeppelin.

5 comentários:

  1. Como sempre, muito interessante.

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  2. Já lá vão quase 70 anos, mas o último parágrafo ainda provoca algum estremecimento.

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  3. Parece-me que esqueceram, entre guerras, o "valor" dos bombardeamentos.
    Na 2ª não tinham, sequer, um bombardeiro pesado e foi um erro impossível de reparar!

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  4. Agradecendo os comentários simpáticos das comentadoras, agradeço os comentários dos comentadores por razões diferentes: o que escreveram mostrou-me como seria interessante desenvolver o tema da minha imnterpretação do que viria a ser a evolução do pensamento estratégico a respeito da utilidade dos bombardeamentos de alvos civis depois de 1918.

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  5. Sou um ignorante na matéria, os bombardeamentos, para mim, não sendo todos “iguais” são todos “mortais” e isso incomoda-me.
    As estratégias de guerra podem definir timings diferenciados e utilizar bombas diferentes, aliás, já li que muitas da vezes se procurava intimidar o inimigo ou “humanistamente” evitar muitas mortes no futuro, mas nada disso me faz compreender o acto em si.
    Como é óbvio o que escrevi não anula o interesse com que li e lerei os postes.
    bfs

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